autoconhecimento
Tempo é pensamento e pensamento é sofrimento
É muito importante descobrir o que entendemos por estar consciente, estar atento. Fizemos a pergunta "Que é a mente?" porque desejamos descobrir qual é a origem do pensamento, e nessa pergunta estamos indagando: "Quem é a entidade que vai descobrir?" —
quem vai receber a resposta? Se essa entidade faz parte da consciência, se faz parte do pensamento, nesse caso ela é incapaz de
descobrir; só o estado de percebimento pode descobrir.
(...) Como descobrireis por vós mesmo como se origina o pensamento, qualquer pensamento? Já fizestes a vós mesmo esta pergunta? Se já a fizestes, como ireis descobrir? Para descobrir alguma coisa, qualquer coisa que seja, a vossa mente, a totalidade da consciência, e não apenas uma parte dela, deve estar quieta, não? Se desejo olhar-vos, para que eu possa ver-vos claramente, minha mente deve estar muito quieta, sem seus preconceitos, tagarelices, diálogos, imagens, quadros; tudo isso tenho de colocar de lado, para olhar-vos. E então, porque há liberdade e, portanto, quietação, é possível a observação. Assim, posso eu — prestai atenção à pergunta que vou fazer! — posso eu, podemos nós, vós e eu, observar a origem do pensamento? Só posso observar o começo do pensamento se estou em silêncio — e não quando começo a buscar, a fazer perguntas e esperar respostas. É só então, quando a minha mente está totalmente quieta, após ter feito a pergunta "Qual é a origem do pensamento?" — totalmente quieta, em todos os pontos de meu ser — é só então que posso começar, em virtude desse silêncio, a ver como se forma o pensamento. Essa pergunta é muito importante, porque, se há o percebimento da origem do pensamento, não há mais necessidade de controlar o pensamento. Como sabeis, consumimos um tempo enorme — não só nas escolas e colégios, mas também quando nos tornamos mais velhos — a controlar o pensamento, a dizer "este é um bom pensamento", "este é um mau pensamento", "este é um pensamento agradável e devo conservá-lo", ou "este é um pensamento feio e tenho de reprimi-lo", etc., etc. — sempre controlar, reprimir. Está a travar-se a todas as horas uma batalha entre diferentes pensamentos, a mente é um campo de batalha, campo em que existe conflito constante, um pensamento contra outro pensamento, um desejo contra outro desejo, um prazer a dominar todos os outros prazeres, etc. Mas, se há o percebimento da origem do pensamento, não há então a contradição do pensamento.
Estou dizendo coisas tolas, ou há nelas alguma sensatez? Acho que há, porque, deveis saber, uma vida de conflito não tem significação nenhuma. Conflito comigo mesmo, ou com um vizinho, ou com ideias; e eu não desejo conflito de espécie alguma, porque todo conflito é tensão, desfiguração. A vida de conflito muito depressa se gasta, e eu preciso descobrir se existe uma maneira de viver sem o mais leve sopro de conflito, em nenhum momento da vida. E só posso descobrir essa maneira de viver, começando a descobrir a origem do pensamento. Se a mente é capaz de descobrir sem estar consciente do "centro", então nenhum pensamento é distração. Cada pensamento não tem então o seu oposto, pois só há pensamento e não há pensamento oposto. Por conseguinte, aquela pergunta é importante encerra alguma sensatez e não uma pura tolice.
Só se pode ver a origem do pensamento quando há silêncio, quando a mente se tornou silenciosa, não por meio da disciplina, nem de controle, nem das várias formas de meditação — não por meio de nenhuma dessas coisas detestáveis, porém naturalmente. Só em silêncio posso descobrir alguma coisa; só então a mente se torna capaz de extraordinário descobrimento, que é o descobrimento de uma coisa nova. Esse descobrimento só pode sair do silêncio, silêncio que não pode ser cultivado, organizado pelo pensamento; se o pensamento o organiza, ele é então uma coisa morta, estagnação. Quando o pensamento organiza alguma coisa, há sempre o conflito. Chega-se, pois, ao descobrimento da origem do pensamento quando a mente está toda quieta; não importa que pensamento: o pensamento. E se há só pensamento, não há contradição. Oh, não percebeis isso? Só há desejo, mas surge a contradição quando há o desejo disto em oposição àquilo, e quando começamos a descobrir a origem do desejo, deixa de haver contradição. Contradição supõe conflito, e quem deseja viver sem conflito deve compreender isto. Para compreende-lo, a mente deve estar em silêncio, e esse silêncio é meditação. A mente que está plenamente desperta e vigilante não cuida de conservar cada descobrimento que faz, e prossegue descobrindo coisas novas; porque a mente que está vigilante e desperta em alto grau, é a luz de si própria e já não há experiência alguma.
Em geral, ansiamos por experiência, seja a experiência de uma viagem à Lua, seja a de uma mente vulgar que busca nas drogas um estado de consciência povoado de visões, um estado de exaltada sensibilidade, etc. etc.; experiência mística, experiência religiosa, experiência sexual, a experiência de possuir dinheiro em abundância, de ter poder, posição, domínio — sabeis como todos nós ansiamos por tais experiências. E isso porque nossa própria vida é tão superficial e vazia, tão insuficiente, e pensamos que, sem experiências, a mente se tornaria embotada, estúpida, pesada. Por essa razão é que lemos livros e mais livros, visitamos os museus, frequentamos os concertos, os rituais, as igrejas, os jogos de futebol — enfim, buscamos todas as espécies de experiência. Entretanto, nunca indagamos o que está contido nesse experimentar, ou se se encontra alguma coisa nova no experimentar. Toda experiência requer reconhecimento, pois, de contrário, não é experiência. Só quando a reconheço, chamo-a "experiência"; mas, para reconhecê-la, já a devo ter conhecido. Cada um de nós tem uma certa função, tem de fazer certas coisas, como bibliotecário, cozinheiro, técnico, auxiliar de escritório, etc. — funções que exigem certos conhecimentos acumulados, quer dizer, saber, experiência. E pergunta-se: "Pode a minha mente que compreendeu e está vivendo nesse estado de silêncio, funcionar, em tais circunstâncias?" Quando se faz esta pergunta, está-se separando o silêncio da ação; portanto, a pergunta é errônea. Mas, quando há silêncio, qualquer um pode "funcionar" em seu escritório. Isso é ser como um tambor bem ajustado e que, quando percutido, dá a nota exata, embora esteja sempre vazio, em silêncio. Ele não diz: "Estou em silêncio", "Como posso funcionar no escritório?"
Descobre-se, pois, que toda a consciência, tanto a oculta como a patente, a secreta e a superficial, faz parte desse processo de pensar. Só se pode conhecer a origem do pensamento, quando há silêncio, quando não há fronteiras na consciência. Tudo isso exige enorme disciplina, — não, disciplina para se obter alguma coisa — e, se já chegamos até aqui, podemos perguntar: Que é o amor? É necessário investigar se o amor se encontra no campo da consciência, que é pensamento. Digo: "Amo-te, amo minha pátria, amo a Deus, amo meus livros, amo minha posição" — amo. Empregamos a palavra de maneira um tanto leviana, contudo com certa intensidade. Quando dizeis a alguém "Amo-te", que significa tal palavra? Os indivíduos religiosos, em todo o mundo, dividiram o amor em profano e sagrado, etc. O amor é desejo? Não respondais "Não", porque, para a maioria de nós, ele é desejo e prazer, prazer derivado dos sentidos, do apego e do preenchimento sexual, derivado de minha mulher, meu marido, minha família, oposta à outras famílias, minha pátria, meu Deus, meu Rei — e tantas outras coisas sem valor que bem conhecemos! Chamamos isso "amor", e por sua causa matamos os nossos semelhantes... Quer dizer, nesse amor há ciúme e ódio. É amor? Nele, há posse, domínio, dependência, busca de satisfação, de prazer, de conforto, de companhia: fuga de mim mesmo. Isso é amor? Ou reside o amor além dessa agitação do pensamento? Se dizeis que sim, que será então de minha mulher, de meus filhos, de minha família, que necessitam de segurança, e que será de mim, que também necessito de segurança? Com tal pergunta mostrais que nunca estivestes fora do campo da consciência. Porque, uma vez fora do campo da consciência, jamais fareis uma pergunta dessas, porque então sabereis o que é amor, o amor em que não há pensamento, em que não há amanhã e, por conseguinte, tempo. Ouvireis isto com certo agrado, provavelmente hipnotizado, "encantado"; mas, transcender o pensamento, o tempo (pois tempo é pensamento, e pensamento é sofrimento) é tornar-se consciente de uma dimensão diferente, chamada amor. Daí em diante pode-se atuar, pode-se existir.
Outra pergunta: "Que é a beleza?" — a beleza está no objeto ou nos olhos de quem a contempla? Ou ela não se encontra nem o objeto nem naquele que a contempla, porém, sim, quando foram inteiramente abandonados o "observador" e a "coisa observada"? Isso só pode acontecer quando há uma austeridade total — não a austeridade do sacerdote com sua rudeza, suas sanções, suas regras, sua obediência. Austeridade significa simplicidade — não nas ideias, nos trajes, no comportamento ou no alimentar-se; significa ser totalmente simples — humildade completa. Por conseguinte, nunca se está a galgar a realizar alguma coisa; não há escada para galgar. Há só o primeiro degrau, e este é o degrau eterno.
Quando se compreende a beleza, o amor e a meditação — isto é, a coisa verdadeira — então a vida tal como é, vivida como é vivida, com seus sofrimentos, dores, conflitos, tem muito pouca significação. Podeis tomar drogas, apegar-vos a vossos apetites sexuais, para lhe dar significação, porém, a dependência de qualquer droga, ou de qualquer pensamento, ou de qualquer necessidade de prazer, só produz mais conflito, mais aflição, mais confusão.
Krishnamurti – Saanen, Suiça, 27 de julho de 1967
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