Pode se libertar a mente do processo de deterioração?
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Pode se libertar a mente do processo de deterioração?


Seria interessante e proveitoso examinarmos nesta tarde a questão relativa ao fator de deterioração da mente. Quando jovens, somos muito zelosos, temos tantas ideias entusiásticas, revolucionárias, mas em geral acabamos enredados numa dada atividade e, lentamente, nos esgotamos. Vemos isso acontecer ao redor de nós e dentro de nós mesmos; e é possível deter esse processo de deterioração  que constitui sem dúvida um dos nossos problemas principais? Se é ao capitalismo ou ao socialismo, à esquerda ou à direita, que cabe organizar o bem-estar mundial — agora, que a produção é imensa — não me parece ser esse o problema. Penso que o problema é muito mais profundo, e o problema é este: pode-se libertar a mente, de maneira que ela permaneça livre para sempre e, por conseguinte, não mais sujeita à deterioração?

Não sei se já pensastes neste problema, ou se já tendes observado como a pouco e pouco se esgota a vitalidade  o vigor, a vivacidade da nossa mente e ela se torna, gradualmente, um instrumento de hábitos e crenças mecânicos  um complexo de rotina e repetição. Se realmente temos pensado a este respeito, devemos ver que isso é um problema, para a maioria de nós. Quando vamos envelhecendo  o peso do passado, a carga das coisas lembradas, das esperanças, das frustrações, dos temores, tudo parece cercar e fechar a mente e dela nunca nos vêm coisas novas mas só repetições, um sentimento de ansiedade, uma perpétua fuga de si mesmo e, por fim, o desejo de encontrar alívio de alguma espécie, um pouco de paz, um Deus que nos satisfaça completamente.

Ora, se pudéssemos examinar bem esta questão, acho que seria muito proveitoso. Pode a mente ser libertada de todo esse processo de deterioração e ultrapassar a si mesma, não de maneira misteriosa ou miraculosa, não amanhã ou noutra data futura, mas imediatamente, instantaneamente  Esse descobrimento pode ser função da meditação. Porque é, pois, que nossa mente se deteriora? Porque é que nada existe de original em nós, que tudo o que sabemos é mera repetição, que nunca há constância de criação? Estes são os fatos, não é verdade? Que é que causa essa deterioração, e pode a mente detê-la? Iremos debater a este respeito, dentro em pouco, e espero tomeis parte na discussão.

A mim é bem óbvio que existirá necessariamente deterioração  enquanto houver esforço. E pode-se observar que nossa vida está toda baseada no esforço — esforço para aprender, adquirir, reter, ser alguma coisa ou renunciar ao que somos e virmos a ser outra coisa. Haverá sempre esta luta de ser ou vir a ser, consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou sob o impulso de desejos ocultos; e esta luta não é a causa principal da deterioração da mente?

Como disse, nós vamos debater esta questão, depois de eu dizer mais umas palavras, e peço-vos portanto não fiqueis apenas a ouvir palavras. Estamos tentando descobrir juntos por que razão a onda de deterioração está sempre a perseguir-nos. Sei que existe o problema imediato da alimentação, do vestir e morar, mas acho que temos de considerar este problema de um ângulo diferente, se queremos resolvê-lo; e mesmo àqueles de nós que têm o suficiente para comer e vestir e têm onde morar, apresenta-se outro problema que ê muito mais profundo. Observa se no mundo tanto a existência da extrema tirania como de uma liberdade relativa; e se só nos interessasse a distribuição universal dos alimentos e outros produtos, então talvez a tirania absoluta pudesse ser útil. Mas nesse processo se destruiria a possibilidade de desenvolvimento criador do homem; e, se o que nos interessa é o homem total e não unicamente o problema social e econômico, neste caso acho que tem de surgir inevitavelmente uma questão muito mais fundamental. Porque existe este processo de deterioração, esta incapacidade de descobrir o novo, não no terreno científico, mas dentro de nós mesmos? Por que razão não somos criadores?

Se observardes o que está sucedendo, seja aqui, seja na Europa ou América, devereis perceber que quase todos estamos imitando, conformando-nos, obedecendo ao passado à tradição, e como indivíduos jamais descobrimos, profundamente, fundamentalmente, coisa alguma por nós mesmos. Vivemos como máquinas, de onde nos advém um certo sentimento de desdita, não é verdade? Não sei se realmente investigastes isto, mas parece-me que uma das causas principais desse conformismo é o desejo de nos sentirmos interiormente seguros. Para se estar em segurança psicologicamente, tem de haver separação, e para se estar separado necessita-se de esforço, esforço para ser algo; e esse pode ser um dos fatores que está impedindo o descobrimento de qualquer coisa nova, por parte de cada um de nós. Podemos discutir este ponto?

(Pausa)

Muito bem, senhores, vamos expressar o problema de maneira diferente. Vê-se que a meditação é necessária, uma vez que, por meio da meditação, se podem descobrir muitas coisas. A meditação abre-nos a porta a experiências extraordinárias, tanto fantasiosas como reais; e estamos sempre a indagar como se medita, não é verdade? Os mais de nós lemos livros que prescrevem um sistema de meditação, ou recorremos a um certo instrutor para que nos ensine a meditar. Mas nós, aqui, queremos saber, não como meditar mas o que é meditação; e a própria investigação para saber o que é meditação, é meditação. Entretanto nossa mente deseja saber como meditar e, desse modo facilita-se a deterioração.

Se o pensamento é capaz de investigar com muita profundeza e de desnudar-se diante de si mesmo, sem procurar corrigir, mas sempre vigilante a fim de descobrir; sem condenar, mas sempre examinando as coisas muito atentamente, então, esse estado mental pode chamar-se meditação. E essa mente, sendo livre, é capaz de descobrimentos. Para ela não existe deterioração, porque nunca há acumulação. Mas a mente que diz: "Ensina-me como tornar-me tranquila, como chegar , e me esforçarei para seguir o método que indicardes" — essa mente, é bem óbvio é imitativa, sem audácia e, por conseguinte, está provocando a própria deterioração.

Aos mais de nós só interessa o como, que é um meio de certeza, segurança. O como — por mais nobre, por mais exigente, por mais disciplinador que seja — só nos pode levar ao conformismo. A mente que quer ajustar-se pelos seus próprios esforços torna-se escrava de um método, perdendo, por conseguinte, a extraordinária capacidade de descobrimento. E se não houver o descobrimento, em vos mesmo, de algo original, novo, não contaminado, ainda que tenhais a mais perfeita organização para produzir e distribuir os meios de satisfazer as necessidades físicas, continuareis a ser igual a uma máquina. Por conseguinte, este problema vos concerne, não? Pode a mente, tão mecanizada que está, tão dominada pelo hábito, pelo passado, libertar-se do passado e descobrir o novo, chamai-o Deus ou como quiserdes? Podemos discutir sobre isto?

(Pausa)

Senhores, este problema é novo para vós, ou acaso nunca pensantes nestas coisas por esta maneira? Mais uma vez vou expressar o problema de modo diferente.

Sois bem versados no Upanishads, no Gita, na Bíblia, estais bem familiarizados com a filosofia do hinduísmo, do cristianismo, do comunismo, etc. Estas filosofias, estas religiões, muito evidentemente não resolveram o problema humano. Se dizeis: “O problema humano não foi resolvido porque não temos seguido estritamente os preceitos do Gita" — a resposta óbvia que se pode dar é que, seguir qualquer autoridade, por mais nobre ou tirânica que ela seja, torna a mente mecanizada, sem originalidade, tal qual um disco de gramofone, que só é capaz de repetir e repetir e repetir; e em tal estado não se pode ser feliz.

Agora, conhecedores deste fato, de que maneira vos lançaríeis ao descobrimento do Real, por vós mesmos? Compreendeis, senhores, Deus, a Verdade, ou o que quer que seja, tem de ser uma coisa totalmente nova, uma coisa fora do tempo, fora da memória, não achais? Não pode ser uma coisa lembrada, do passado, uma coisa que foi dita ou conjecturada, criada pela mente. E como ireis descobrir essa coisa? Certamente, ela só pode ser descoberta quando a mente está livre do passado, quando a mente deixa de criar imagens, símbolos. Quando a mente formula imagens, símbolos, não é isso um autêntico fator de deterioração. É provável seja isso o que está acontecendo na índia, bem como no resto do mundo.

Está claro o problema? Ou isso não é problema para vós?

Krishnamurti – Da solidão à plenitude humana





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