Quando o pensamento cessa
autoconhecimento

Quando o pensamento cessa


É estranha a importância que damos à palavra impressa, aos chamados livros sagrados. Os estudiosos, como os leigos, são aparelhos que reproduzem sons gravados; eles continuam repetindo as gravações por mais que elas possam ser alteradas com freqüência. Estão interessados em conhecimento e não na experiênciação. Ele é um impedimento à experienciação. Mas é um abrigo seguro, a preservação de uns poucos; e como os ignorantes ficam impressionados com o conhecimento, o conhecedor é respeitado e reverenciado. O conhecimento é um vício, como a bebida alcoólica; ele não traz entendimento. O conhecimento pode ser ensinado, mas não a sabedoria; deve haver libertação do conhecimento para a chegada da sabedoria. O conhecimento não é moeda de compra da sabedoria; mas o homem que entrou no refúgio do conhecimento não se arrisca a sair, pois a palavra alimenta seu pensamento e ele fica gratificado com o pensar, que é um impedimento para o experienciar; e não há sabedoria sem experienciar. O conhecimento, a idéia e a crença atrapalham a sabedoria.

Uma mente ocupada não é livre, espontânea, e somente na espontaneidade pode haver descoberta. Uma mente ocupada está fechada em si mesma; é inacessível, não vulnerável, e nisso está sua segurança. O pensamento, por sua própria estrutura, é isolador; ele não pode se tornar vulnerável. O pensamento não pode ser espontâneo, ele jamais pode ser livre. O pensamento é a continuação do passado e aquilo que continua não pode ser livre. Só existe liberdade naquilo que tem fim.

A mente ocupada cria aquilo com que ela está trabalhando – pode fabricar o carro de bois ou o avião a jato. Nós podemos pensar que somos estúpidos, e somos estúpidos. Podemos pensar que somos Deus, e somos nossa própria concepção: “Eu sou Esse”.

“Mas certamente, é melhor estar ocupado com as coisas de Deus do que com as coisas do mundo, não é?”
O que pensamos, somos; mas é o entendimento do processo do pensamento que importa, não o que pensamos. Se pensamos sobre Deus ou sobre a bebida, não importa; cada um tem seu efeito particular; mas em ambos os casos o pensamento está ocupado com sua própria projeção. Idéias, ideais, metas e assim por diante são, todas, projeções ou extensões do pensamento. Estar ocupado com as próprias projeções, em qualquer nível, é cultuar o Eu. O Eu, com um “E” maiúsculo, é ainda a projeção do pensamento. Seja o que for que ocupe o pensamento, é o que é; e o que é, nada mais é do que pensamento. Assim, é importante entender o processo do pensamento.

O pensamento é a reação ao desafio, não e? Sem desafio não há pensamento. O processo de desafio e reação é experiência; e experiência verbalizada é pensamento. A experiência não é somente do passado, mas também do passado em combinação com o presente; é o consciente, assim como o oculto. Esse resíduo de experiência é memória, influencia; e reação da memória, do passado, é o pensamento.

“Mas isso é tudo que existe no pensamento? Não existe maior profundidade no pensamento do que a mera reação da memória?”
O pensamento pode se colocar em diferentes níveis, e o faz, o estúpido e o profundo, o nobre e o desprezível; mas ainda é pensamento, não é? O Deus do pensamento ainda é da mente, da palavra. O pensamento de Deus não é Deus, é meramente a reação da memória. A memória é duradoura, e portanto pode parecer profunda; mas por sua própria estrutura ela nunca poderá ser profunda. A memória pode estar oculta, fora da visão imediata, mas isso não a torna profunda. O pensamento nunca pode ser profundo ou nada além do que o Eu é. O pensamento pode atribuir-se maior valor, mas continua a ser pensamento. Quando a mente está ocupada com sua própria projeção, não foi além do pensamento, somente assumiu um novo papel, uma nova pose; sob o disfarce, ainda é pensamento.

“Mas como pode alguém ir além do pensamento?”
Esse não é o ponto, é? Alguém não pode ir além do pensamento, pois o “alguém”, o criador do esforço, é resultado do pensamento. Na descoberta do processo do pensamento, que é autoconhecimento, a verdade do que é acaba com o processo do pensamento. A verdade do que é não pode ser encontrada em qualquer livro, antigo ou moderno. O que é encontrado é a palavra, mas não a verdade?”

“Então, como o individuo encontra a verdade?”
O individuo não a encontra. O esforço de encontrar a verdade produz um fim projetado; e esse fim não é a verdade. O resultado não é a verdade; o resultado é a continuação do pensamento, estendido ou projetado. Somente quando o pensamento termina existe a verdade. Não há o fim do pensamento pela compulsão, pela disciplina, por qualquer forma de resistência. Ouvir a historia do que é produz sua própria libertação. É a verdade que liberta, não o esforço para ser livre.

Krishnamurti – Comentários sobre o viver




- Por Que Estamos Sempre Na "correria"?
Como estamos ligados ao passado! Mas não estamos ligados ao passado: nós somos o passado. E que coisa complicada é o passado, camada sobre camada de memórias não digeridas, tanto as queridas como as tristes. Ele nos persegue dia e noite e de...

- O "estado De Ser" Que é Felicidade Suprema
Existe um pensante, como entidade separada do pensamento? Ora, não há entidade separada; só há pensamento, e foi o pensamento que criou a entidade separada chamada pensante. O pensamento é reação da memória, tanto da consciente como da inconsciente,...

- Desejar Experienciar A Verdade é Negar A Verdade
As crenças condicionam a experiência, e a experiência, depois, reforça a crença. O que você acredita, você experiência. A mente dita e interpreta a experiência, convida-a ou rejeita-a. A própria mente é o resultado da experiência, e ela pode...

- Pensamento E Consciência
Todas as coisas estavam se recolhendo em si mesmas. As árvores se fechavam em seu próprio ser; os pássaros dobravam suas asas para meditar sobre as divagações do dia; o rio perdera seu fulgor e as águas não mais dançavam, estavam calmas e reservadas....

- Krishnamurti — Pensamento E Consciência
O pensamento é sempre uma reação externa, ele jamais pode reagir profundamente. O pensamento é sempre o externo; o pensamento é sempre um efeito, e pensar é a conciliação dos efeitos. O pensamento é sempre superficial, embora possa se localizar...



autoconhecimento








.