Sobre oração, Prece, Súplica
autoconhecimento

Sobre oração, Prece, Súplica


Que entendemos por prece? Por certo, só oramos quando sofremos, quando estamos na infelicidade, quando há conflito, confusão, dor. Rezamos quando estamos felizes, quando sentimos alegria, quando nossos corações transbordam? Certamente que não. Só oramos quando estamos atribulados, (…) incertos, (…) não sabemos o que fazer; voltamo-nos, então, para alguém, pedindo socorro. (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 68)

A prece, pois, em geral, é súplica (…) É petição, é desejo, é um ato psicológico de estender a mão para que a segurem, (…) a encham. E quando pedis, recebeis (…) Mas o que recebeis é sempre o que desejais, nunca o que não desejais; portanto, o que recebeis é vossa própria projeção. O que recebeis, em resposta à prece, é moldado pela vossa fantasia, vossa limitação, vosso condicionamento. Quanto mais pedirdes, tanto mais recebereis da vossa própria projeção; e com isso vos satisfareis. (Idem, pág. 69)

Mas é a prece um processo de satisfação pessoal? Que acontece quando orais? Repetis certas palavras, assumis determinada postura; e quando há constante repetição de palavras e frases, é claro que a mente se torna quieta. (…) A mente não está de fato tranquila, pois está querendo alguma coisa; (…) Quereis ser socorrido porque estais confuso, incerto, e recebereis aquilo que desejais. Mas essa resposta à vossa súplica não é a voz da realidade: é a resposta de vossa própria projeção, e também da projeção coletiva. (Idem, pág. 69)

Ora, a prece, a súplica, a petição, jamais poderá revelar o que não é projeção da mente. Para encontrar-se aquilo que não é fabricação da mente, precisa a mente estar quieta — não posta quieta pela repetição de palavras, que é auto-hipnose (…) A tranqüilidade que é (…) forçada, não é tranqüilidade. (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 70)

(…) O forçar, de qualquer modo que seja, nunca pode produzir tranqüilidade. A tranqüilidade da mente só pode surgir com a cessação do pensamento; e o pensamento cessa quando se compreende o pensador (…) Por conseguinte, (…) sem autoconhecimento, o simples orar tem muito pouca significação. A prece não pode abrir a porta do autoconhecimento. (Idem, pág. 70-71)

O que abre a porta do autoconhecimento é a vigilância constante — não o exercício de vigilância, mas, sim, o estar vigilante, momento a momento, e descobrindo. O descobrir nunca pode ser cumulativo. (…) O descobrir é sempre novo momento a momento (…) (Idem, pág. 71)

Pergunta: Para que serve a oração?

Krishnamurti: (…) Só orais quando estais em confusão, (…) em dificuldade, e então a vossa prece é um pedido. Um homem atribulado reza, o que significa que está pedindo, está necessitado de ajuda. (…) Assim, o homem que está contente, (…) feliz, (…) que percebe a realidade com toda a clareza, e a compreende, nas atividades de cada dia — esse homem não necessita da prece. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 38)

Ora, pode alguma força exterior socorrer-me? A força exterior pode ajudar-me a sair do conflito, (…) a fugir dele; mas enquanto eu não compreender a minha confusão, criarei nova confusão. (…) Assim, enquanto eu não compreender o produtor da confusão, que sou eu mesmo, enquanto eu não lançar luz nessa confusão, por mim mesmo, o simples recorrer a uma força exterior é de muito pouca valia. (Idem, pág. 40)

Que acontece quando orais? Que fazeis, quando orais? Recitais certas palavras, certas frases. (…) Pela repetição de frases, fazemos a mente ficar tranquila. Ela não está tranquila: foi posta tranquila. (…) A mente posta tranquila, a poder de repetição, é compelida, hipnotizada para o silêncio. Ora, que acontece quando a mente é artificialmente posta tranquila? (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 41)

Assim, quando orais e fazeis a mente ficar quieta, por meio de palavras, estais em busca de uma solução que vos proporcione satisfação. Já concebestes a solução de antemão, a qual tem de ser satisfatória; (…) Vede (…) a importância disso. Vós criais aquilo que desejais (…) O problema está liquidado, portanto, e dizeis que a solução veio de Deus. (…) (Idem, pág. 41-42)

Assim, que acontece quando uma mente se recusa a compreender o problema e busca a solução numa força exterior? Consciente ou inconscientemente, obtém uma solução satisfatória — pois se o não fosse, a mente a rejeitaria. (…) Quando fazemos a mente ficar quieta por meio de prece, o inconsciente, que é o resíduo de nossas próprias conclusões satisfatórias, se projeta em nossa mente consciente, sendo assim atendida a nossa prece. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 42)

Vemos, pois, que, quando oramos, estamos à procura de um meio de fuga (…); e a força exterior que nos dá a resposta é a nossa satisfação, nosso consciente ou inconsciente identificado com o desejo que queremos satisfazer. (Idem, pág. 42)

Assim, o homem que deseja compreender qualquer problema, só pode compreender com a mente quieta, imparcial. (…) De modo idêntico, a prece, sem autoconhecimento, conduz à ignorância, à ilusão. Autoconhecimento é meditação, e sem autoconhecimento não há meditação. (…) (Idem, pág. 43)

Pergunta: Que é, para vós, oração e meditação?

Krishnamurti: Meditação é sinônimo de oração? (…) Vós rezais? (…) Por que rezais? Quando estais na claridade, quando sentis alegria, felicidade, rezais? Ora, essa alegria, essa felicidade, são, em si mesmas, uma forma sublimada da inteligência e do viver. Só rezamos quando nos vemos em confusão, em aflição, quando desejamos alguma coisa. (…) E quando nos vemos em aflição, irremediavelmente perdidos, frustrados, incompletos — só então precisamos que alguém nos ajude e, por conseguinte, rezamos. Recitamos, repetidamente, frases, forçamos a mente a tornar-se tranquila (…) (Viver sem Temor, pág. 74-75)

O impulso que nos faz rezar, é o nosso desejo de dominar o medo ou a aflição, e naturalmente obtemos uma resposta. Quando pedis, recebeis, e o que recebeis depende do estado da vossa mente, do vosso desejo, do vosso sofrimento. Quando rezais, assumis dada postura, repetis certas frases e quietais, assim, a mente consciente; e, quando a mente consciente está quieta, pode o inconsciente enviar uma resposta para a solução do vosso sofrimento, do vosso problema; ou a resposta pode vir à mente consciente, não de dentro, mas de fora de vós mesmos. Mas isso, por certo, não é meditação. Meditação é tornar a mente vazia de tudo o que é conhecido. (…) (Viver sem Temor, pág. 75-76)

O que realmente acontece é que a camada consciente da mente, aquietada mediante apaziguamento, embotada pela repetição, recebe uma resposta ao pedido feito; e o que pedis obtendes — mas não é a Verdade. Se desejais e pedis, obtereis; mas no fim tereis de pagar por isso. (Idem, pág. 92-93)

Qual é o “processo” da oração? Em primeiro lugar, evidentemente, oramos porque estamos confusos. Um homem feliz não ora (…) Um homem que sente alegria, deleite, não reza. Assim, o homem que reza está em confusão, em aflição, em tribulação. E que acontece quando ele reza? (…) Vós vos ajoelhais ou vos sentais quieto, tomais certa postura (…) Ou, enquanto andais, vossa mente reza. Pois bem, que se passa nesse “processo”? (Que Estamos Buscando?, 1ªed., pág. 198-199)

Quando rezais, a vossa mente está repetindo certas palavras, certas frases cristãs ou sânscritas; e a repetição dessas frases torna a mente tranquila (…) Experimentai-o e vereis (…) O que não representa uma tranqüilidade real, porém uma forma de hipnose. Ora, quando a mente superficial é aquietada artificialmente, que acontece? Sem dúvida, as camadas mais profundas da mente enviam suas mensagens (…) Todos os níveis mais profundos da consciência (…) tudo isso está sempre em atividade. (…) (Idem, pág. 199)

Mas não há dúvida de que as camadas mais profundas da consciência estão sempre em atividade; sempre à espera, sempre vigilantes; é quando a mente superficial (…) se torna um tanto quieta, ou a fazemos ficar quieta; então, naturalmente, as memórias interiores enviam suas mensagens; e a essas mensagens chamamos de voz de Deus. (…) Quando nos vêm essas mensagens, elas devem ser, evidentemente, o resultado da experiência coletiva e individual, da memória racial (…) (Idem, pág. 199)

As memórias coletivas, os instintos coletivos, as idiossincrasias e reações coletivas — tudo isso projeta na mente tranquila a sua sugestão, mas esta provém sempre da entidade limitada, da consciência condicionada, e não de uma esfera exterior. Eis como são atendidas as vossas preces. Vós sois parte do coletivo, e vossas preces são atendidas pelo coletivo que está em vós; (…) (Idem, pág. 200)

Tivestes a “experiência” de vossas particulares devoções a ídolos fabricados pela mão ou pela mente. (…) E a tal experiência chamais de estado místico, extraordinário. O homem que (…) chama isso “misticismo” está iludindo a si próprio; está apenas a projetar seus próprios desejos, condicionamentos, exigências não preenchidas, (…) sob a aparência de virtude, nobreza, visões. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, pág. 139)

Identicamente, a fuga mediante preces, repetição de palavras, se assenta em razões bastante óbvias: estais desgostoso da vida de aflição, sofrimento, conflito (…) Por isso, orais a alguém — a um ser que chamais Deus — pedindo alívio, consolação. Derramais lágrimas, rogais, sufocado por vosso próprio desejo de ignorar o que é. (…) (Idem, pág. 139)

Quando orais, estais suplicando, pedindo, rogando, estendendo a mão a alguém (…); e, em geral, há sempre alguém que o faz, que vos enche a mão. Porque buscais preenchimento, pedis, rogais, procurais alguém que vos dê algo, que vos encha as mãos, o coração, a mente; e esse preenchimento vos é concedido. (Idem, pág. 139)

Assim, pela compreensão da “experiência” e o percebimento da verdade a seu respeito, a mente fica livre da exigência de experiência. Pela compreensão e observação, pelo percebimento da falsidade da oração, das diferentes posturas preconizadas, da respiração — pelo percebimento da falsidade, e da verdade a esse respeito, ficais livre. Livre dessa necessidade de suplicar, de vos absorverdes em brinquedos (…) (Idem, pág. 142)

Pergunta: Numa de vossas palestras dissestes que, quando uma pessoa reza, recebe, mas terá de pagar, no fim. Qual é a entidade que atende às nossas preces (…)?

Krishnamurti: Não vos alegra verificar que nem tudo o que pedis por meio da prece vos é concedido? (…) É bem evidente que só orais quando estais confusos, atribulados, (…) infelizes. Não orais quando sentis alegria, mas só quando sentis medo e (…) dor. (Que Estamos Buscando?, pág. 79)

Que acontece quando orais? (…) Quando orais, tranquilizais a mente com a repetição de certas frases; isto é, a mente é posta quieta, narcotizada, pela repetição (…) de palavras ou pela fixação do olhar num retrato ou numa imagem. (…) (Idem, pág.79-80)

(…) Quando a mente superficial está tranquila, nessa camada superior da mente insinua-se a resposta mais satisfatória. A prece coletiva tem idêntico efeito. Vós suplicais, estendeis o chapéu para receber; desejais satisfação, (…) uma fuga da vossa confusão. (…) (Idem, pág. 80)

Assim, quando a mente está anestesiada ou parcialmente adormecida, nela se projeta, inconscientemente, a resposta satisfatória, a qual é a influência geral do mundo que vos rodeia. Existe o reservatório coletivo da ganância, do desejo universal de livrar-se do que é; (…) Mas esse reservatório será Deus, a verdade suprema? Por favor, examinai bem (…) com toda a atenção, e vereis. (Que Estamos Buscando?, pág. 80)

Quando orais a Deus, orais a algo com que estais em relação, e só podeis estar em relação com uma coisa que conheceis; logo, o vosso Deus é uma projeção de vós mesmo, herdada ou adquirida. Quando a mente suplica, terá uma resposta, mas essa resposta (…) criará novos problemas. É este o preço que pagais. (…) (Idem, pág. 80)

Jiddu Krishnamurti






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