Uma sensação de completo vazio que nada pode preencher
autoconhecimento

Uma sensação de completo vazio que nada pode preencher



A experiência não é uma medida, não é a forma de chegar à realidade porque, afinal de contas, nós experimentamos de acordo com a nossa crença, de acordo com o nosso condicionamento, e essa crença constitui, obviamente, uma fuga de nós mesmos. Para conhecer a mim mesmo, não posso ter crença alguma; só preciso me observar com isenção e clareza — observar-me nos relacionamentos, observar-me nas minhas fugas, observar-me nos meus apegos. Temos que nos observar sem qualquer preconceito, sem chegar a qualquer conclusão, sem qualquer determinação. Nesse estado de percepção passiva, descobrimos essa extraordinária sensação de estar só. Tenho certeza de que muitos de vocês sentiram isso — uma sensação de completo vazio que nada pode preencher. É somente nesse estado em que todos os valores deixaram de existir, quando somos capazes de estar sozinhos e de encarar esse estar só sem nenhum desejo de fuga, só então essa realidade se concretiza. Porque os valores são meros resultados de nosso condicionamento; como a experiência, eles se baseiam em crenças e constituem um obstáculo à compreensão da realidade.

Essa, porém, é uma árdua tarefa que poucos de nós têm vontade de enfrentar. De forma que nos apegamos a experiências, místicas, supersticiosas, às experiências dos relacionamentos, do assim chamado amor e à experiência de posse. Isso vem a se tornar muito significativo, porque é disso que somos feitos. Somos feitos de crenças, de condicionamentos, de influências ambientais. Esses são os nossos antecedentes, e a partir desses antecedentes, julgamos, avaliamos. E quando analisamos, compreendemos, todo o processo desses antecedentes, chegamos a um ponto em que nos encontramos absolutamente sós. Precisamos estar sós para encontrar a realidade — o que não significa fugir, retirar-se da vida. Pelo contrário, chega-se à completa intensificação da vida, porque, então, existe a libertação dos antecedentes, da memória das experiências de fuga. Nesse estar só, nesse absoluto estar só, não existe escolha, não existe medo do que é. O medo só surge quando queremos reconhecer ou ver aquilo que é.

Portanto, é essencial, para que a realidade se concretize,  deixar de lado as inúmeras formas de fuga que criamos e em cujas malhas caímos. Se você observar, verá como usamos as pessoas — como usamos nossos maridos, nossas esposas, ou grupos ou nacionalidades — para escapar de nós mesmos. Procuramos consolo nos relacionamentos. Essa busca de conforto nos relacionamentos motiva certas experiências e a essas experiências nos apegamos. Para escapar de nós mesmos, o conhecimento torna-se também muito importante; mas o conhecimento obviamente não é o caminho para se chegar à realidade. A mente precisa estar completamente vazia e silente para que a realidade se concretize. Mas a mente que está chocalhando de sabedoria, habituada a ideias e crenças, sempre tagarelando, é incapaz de aceitar as coisas como são.

Se nós, de igual modo, buscamos consolo nos relacionamentos, então os relacionamentos representam uma fuga de nós mesmos. Nos relacionamentos procuramos consolo, queremos algo em que nos encostar, queremos apoio, queremos ser amados, queremos ter um dono — tudo o que indica a pobreza de nosso próprio ser. Nosso desejo de propriedades, de fama, de títulos, de bens, denota essa deficiência interior.

Quando compreendemos que esse não é o caminho para chegar à realidade, chegamos àquele estado em que a mente não busca mais consolo, em que a mente está plenamente satisfeita com as coisas como são — o que não significa estagnação. Na fuga das coisas como são, existe morte;  no reconhecimento e na percepção das coisas como são, existe vida. De forma que a experiência baseada no condicionamento, a experiência derivada de uma crença — que é resultado da fuga de nós mesmos — e a experiência dos relacionamentos transforma-se num bloqueio; elas dissimulam nossas deficiências. É somente quando reconhecemos que essas coisas constituem um obstáculo e reconhecemos, portanto, seu verdadeiro valor, que surge a possibilidade de permanecermos quietos, calados, nesse vazio, nesse estar só. E quando a mente está muito quieta, nem aceitando nem rejeitando, passivamente ciente das coisas como são, existe a possibilidade dessa realidade incomensurável concretizar-se.

Krishnamurti — 4ª palestraproferida em Londres, 23 de outubro de 1949 




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