A agonia dos irredentos homens de experiência mais profunda
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A agonia dos irredentos homens de experiência mais profunda


Vai pela humanidade dos nossos dias um anseio universal de libertação. 

Essa ânsia redentora é provocada por uma consciência profunda de irredenção. Parece que a função peculiar da inteligência é fazer sentir ao homem que nenhum conforto material, por mais refinado e potencializado, pode libertar o homem desse doloroso senso de inquietude e insatisfação que caracteriza, sobretudo, o cidadão da Era Atômica. Quanto mais o homem se afasta, pelo poder da inteligência, do seu centro humano, invadindo os espaços externos, tanto mais ele sente, consciente ou inconscientemente, a necessidade de voltar a si mesmo, pela conquista do espaço interno, pelo descobrimento do seu verdadeiro Eu. O progressivo centrifuguismo produzido pelo ego intelectual exige um correspondente centripetismo, que só o Eu espiritual pode realizar. Quanto mais liberto o homem se julga pelo conforto material, que a ciência lhe proporciona, tanto mais escravizado se sente pela falta de consciência do seu verdadeiro destino. E essa consciência de irredenção desperta na alma humana um crescente anseio de redenção. 

A fim de diminuir essa consciência de vácuo e insatisfação, procura o homem profano toda espécie de satisfações — mas... satisfações não dão satisfação. Bens de fortuna, prazeres sensuais, poder político, ciência, arte, diversões sociais — pode tudo isto atuar como lenitivo temporário, narcótico e anestésico artificial, mas a raiz do mal continua, por mais que os sintomas da doença sejam camuflados, de tempos em tempos. 

Por isto, os mais sensatos dentre nós procuram ir além desse charlatanismo barato de cura de sintomas mórbidos e tentam sanar o mal pela raiz. O globo está coberto de sociedades iniciáticas, místicas, esotéricas, espiritualistas, que prometem a seus adeptos definitiva quietação metafísica e plena integração do indivíduo nos mistérios do Cosmos. As classes mais simples e os crentes unilaterais, por outro lado, se contentam com a prática de cerimônias rituais e sacramentais, sob a direção de seus respectivos chefes. 

O homem da Era Atômica que passou por duas guerras de extermínio não pode mais crer na força da nossa cultura e civilização, como muitos otimistas do século 19 ainda acreditavam. O homem de hoje perdeu a fé na ciência e técnica como fator de libertação. 

Ciência, técnica, política, progresso, civilização, humanismo, ritualismo, nacionalismo, e outras pretensas panaceias de antanho, sofreram tamanho colapso; está provado que nada disto pode nos libertar, porque tudo isto falhou e afagou a humanidade num mar de sangue e de ódio. 

Nunca se sentiu o homem tão frustrado e céptico de si mesmo como em nossos dias. Não pode o lúcifer do nosso ego redimir-nos dos resultados do nosso egoísmo. E a perspectiva de uma nova guerra mundial, com armas nucleares, apaga na alma do homem moderno a derradeira dentelha de otimismo e de confiança em si mesmo. 

A humanidade anseia pela redenção. 

Donde virá o redentor?

De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas esses provocaram as guerras!

De dentro? Através da inteligência humana? Mas foi precisamente esta que nos desgraçou, criando engenhos bélicos de destruição universal. 

Não nos resta senão ultrapassarmos ritualismos e cienticismos e descobrirmos em nós mesmos o "ponto de Arquimedes" em que apoiar  a alavanca redentora. Esse fulcro não pode ser o nosso ego, mas tem de ser algo mais profundo e sólido. 

O homem pensante e sinceramente espiritual se contenta cada vez menos com magia mental e técnicas rituais. Crê tão pouco em alo-redenção ritual como em ego-redenção mental, mas sabe que há uma auto-redenção espiritual, como aparece na Carta Magma do Sermão da Montanha.

(...) Acontece, porém,  que a humanidade-elite do século vinte não quer crer de olhos fechados, mas saber de olhos abertos. Os melhores dentre nós são praticamente "inconvertíveis"; não voltarão atrás, esperando libertação por ritos externos, nem confiam na magia mental de certas técnicas científicas. 

E continua a agonia dos irredentos...

Nem mesmo a perspectiva de uma futura encarnação, em melhores condições, tranquiliza o homem de experiência mais profunda. Ele quer saber como possa ser liberto aqui e agora. Não crê que a morte lhe possa dar o que a vida não lhe deu. Uma voz íntima lhe diz que nem o nascer nem o morrer nem o simples viver ou sobreviver o podem redimir, mas que é necessário uma vivência mais profunda e uma experiência mais alta do que esses fatores lhe possam garantir. Numa intensa vivência experiencial estaria a sua redenção — mas como conseguir essa vivência?... Onde está a chave do mistério, fora dele ou dentro dele?... Pode o homem ser liberto ab extra — ou deve ele redimir-se a intra?... Existe no homem algum elemento redentor?(...)

(...) A redenção vem de dentro do próprio homem, mas não desse homem-ego, que é precisamente o autor da escravidão, e sim do homem Eu, do "Espírito de Deus que habita o homem", no dizer do apóstolo Paulo. O homem-Cristo redime o homem-Satan, se este lhe abrir as portas. Se o "grão de trigo" do homem-ego morrer, então a vida do homem-Eu latente, nessa semente "produzirá muito fruto". Do contrário, "ficará estéril".(...)

(...) O ego é um objeto que o homem tem — o Eu é o próprio sujeito que o homem é. O que eu sou isto me redime daquilo que eu tenho. O meu ser é luz — "vós sois a luz do mundo" — o meu ter é treva — "a luz brilha nas trevas, e as trevas não a prenderam"; as trevas do meu ego humano não conseguem extinguir a luz do meu Eu divino — e é este Eu Divino em mim que me redime de todas as irredenções do ego humano.(...)

Huberto Rohden em, A Grande Libertação, editora Alvorada 






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