O que importa, decerto, não é saber-se se há ou não sobrevivência após a morte, mas, sim, por que nós cremos. Qual é o estado psicológico que dá origem à crença nalguma coisa? Um momento, sejamos bem claros. Não estamos aqui para discutir sobre se há ou não há vida após a morte. Essa é outra questão, de que trataremos mais tarde, noutra ocasião. O que se quer saber é que coisa é essa compulsão que há em mim, essa necessidade psicológica de crer? Um fato não requer crença alguma da vossa parte, por certo. O sol se deita, o sol se ergue — esse fato não requer crença. Só se manifesta a crença quando desejamos traduzir o fato em conformidade com nossos desejos, nossos estados psicológicos, quando queremos adaptá-los aos nossos preconceitos, vaidades, idiossincrasias. Nessas condições, o que importa é a maneira como estudamos o fato — quer se trate da vida após a morte, quer de outra coisa. O que se precisa saber, portanto, não é se há sobrevivência do indivíduo após a morte, quando morto o seu corpo, mas por que cremos; qual o impulso psicológico que nos faz crer? Está claro, não? Verifiquemos, pois, se essa crença psicológica não é um empecilho à compreensão.
Quando nos confrontamos com um fato, nada mais há que dizer. É um fato: o sol se põe. Mas o problema é o seguinte: Por que existe em mim esse impulso constante de crer nalguma coisa — crer em Deus, crer numa ideologia, crer numa futura Utopia, crer nisso ou naquilo? Por que existe esse impulso psicológico de crer? Que aconteceria se não crêssemos, se apenas encarássemos os fatos? É possível isso? Isso se torna quase impossível, porque nós queremos traduzir os fatos de acordo com as nossas sensações. Dessa forma, as crenças se tornam sensações, insinuando-se entre o fato e mim mesmo. Por isso, a crença se toma um empecilho. Somos diferentes de nossas crenças? Credes que sois norte-americano, hindu, credes nisso, naquilo, credes na reencarnação, credes em dúzias de coisas. Vós sois o que credes, não é verdade? E por que o credes? Não estou dizendo, com isso, que sou ateu, que estou negando Deus, nada disso; não estamos tratando disso. A realidade nada tem que ver com a, crença.
O problema, portanto, é este: Por que credes? Por que existe a necessidade psicológica, o interesse na crença? Não é porque, sem crenças, nada sois? Sem o passaporte da crença, que sois? Se não pondes um rótulo em vós mesmo, indicativo de que sois algo, que ficais sendo? Se não credes na reencarnação, se não vos chamais isso ou aquilo, se não tendes rótulo nenhum, que sois? A crença, por conseguinte, faz as vezes de um rótulo, de um cartão de identidade; e se vos tiram esse cartão, que é feito de vós? Não é esse temor básico, esse sentimento de estar perdido, que dá origem à crença? Tende a bondade de meditar nisso; não o rejeiteis. “Experimentemos” juntos as coisas de que estamos falando, em vez de nos limitarmos a escutar, ir para casa, e continuar com as mesmas crenças e descrenças. Estamos tratando do problema da crença.
Como ia dizendo, a crença, a palavra, se torna muito importante. O rótulo se torna importante. Se eu não me chamasse hindu, com tudo o que essa palavra implica, estaria perdido, ficaria sem identidade. Mas se me identifico com a Índia, com o ser hindu, isso me confere um prestígio extraordinário, dá-me uma posição, dá-me estabilidade e valor. A crença, portanto, se torna uma necessidade, quando, psicologicamente, compreendo, consciente ou inconscientemente, que sem o rótulo nada valho. Torna-se então o rótulo importante, e o que realmente sou não tem importância alguma; o rótulo sim: Cristão, Budista, Hindu! E procuramos, então, viver em conformidade com essas crenças, de nós mesmos “projetadas” e, pois, irreais. Pois certo, para o homem que crê em Deus, o seu deus é “projetado” dele próprio, por ele próprio criado: e o homem que não crê em Deus, está nas mesmas condições. Para compreendermos o que Ele é, para compreendermos essa entidade suprema, temos de aproximar-nos d’Ele com uma mente nova e não com uma mente amarrada a uma crença. E penso que aí é que reside a nossa dificuldade — social, econômica, politicamente, e nas nossas relações individuais — isto é, nós nos aplicamos a todos esses problemas com um preconceito. E visto que os problemas são vitais, visto que são problemas vivos, só podem eles ser atendidos quando a mente esta nova e não atada a alguma crença de nós mesmos projetada, por nós mesmos criada.
Nessas condições a crença se torna obviamente um empecilho, quando não compreendemos o nosso desejo de crença; pois, compreendido esse desejo, não há mais crença. Estamos então habilitados para encarar os fatos tais como são. Mais, ainda que haja continuidade após a morte, isso resolve o problema do nosso viver atual? Se sei que viverei depois de morto o meu corpo, significa isso que compreendi a vida? – a vida, que é agora, e não amanhã? E para compreender o presente, preciso crer? Certamente, para se compreender o presente, que é o viver, e que não é meramente um período de tempo, preciso ter uma mente capaz de corresponder ao presente por maneira completa, capaz de dar-lhe plena atenção. Mas, se minha atenção é distraída por uma crença, não tenho possibilidade de corresponder ao presente por maneira completa, plena.
A crença, pois, se torna um empecilho à compreensão da realidade. Visto que a realidade é o desconhecido e a crença o conhecido, como pode esse conhecido fazer frente ao desconhecido? Mas a dificuldade está em que queremos ao mesmo tempo o conhecido e o desconhecido. Não queremos largar o desconhecido, porque se o fizéssemos nos encontraríamos numa situação aterradora, cheia de insegurança e incertezas, e por isso, para nos resguardarmos, nos cercamos de crenças. Mas é somente no estado de incerteza, de insegurança, no qual não há idéia de refúgio, é só nesse estado que podemos fazer descobrimentos. Tal é a razão por que, para acharmos, precisamos ficar perdidos. Mas não queremos ficar perdidos. E para o evitar, temos deuses e crenças, por nós mesmos fabricados, para nossa proteção. E quando chega o momento da verdadeira crise, tais deuses e tais crenças nenhum valor tem. Eis porque as crenças constituem um empecilho para aquele que realmente deseja descobrir “o que é”.
Krishnamurti – 20 de agosto de 1949 – Do livro: A CONQUISTA DA SERENIDADE – ICK
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Krishnamurti: Que entendemos por experiência? Que é o processo de experimentar? Quando é que dizemos: “tive uma experiência”? Dizemo-lo apenas quando reconhecemos a experiência, isto é, quando existe um experimentador separado da experiência....
Nos damos conta de que a vida é desagradável, dolorosa, triste; desejamos algum tipo de teoria, algum tipo de especulação ou satisfação, algum tipo de doutrina que explique tudo isto, e assim caímos enredados em explicações, palavras, teorias,...
Crença é o estado psicológico em que um indivíduo detém uma proposição ou premissa para a "verdade". Toda crença, quando recebe um nome, assume uma identidade. A crença é uma verdade aceita por sua mente. Logo, crer é uma forma de moldar...