autoconhecimento
A fuga pelo intelecto e pelo misticismo
Senhor, quando a vida se afigura muito difícil, quando os problemas crescem, costumamos fugir pelo caminho do intelecto ou pelo caminho do misticismo. Conhecemos a fuga intelectual: racionalização, mais e mais planos engenhosos, técnica e mais técnica, mais e mais reações econômicas à vida, todas muito sutis e intelectuais. E há a fuga através do misticismo, dos livros sagrados, da adoração de uma ideia estabelecida, ideia essa constituída de uma imagem, um símbolo, uma entidade superior, etc. — e pensamos que essa fuga não é inspirada pela mente. Ora, tanto o intelectual como o místico são produtos da mente. A um chamamos intelectual, e ao outro desprezamos, porque a moda agora é desprezar o místico, afastá-lo com o pé; mas todos os dois funcionam pela ação da mente. O intelectual pode ter a capacidade de falar, de expressar-se com mais clareza, mas também ele se recolhe nas suas ideias e ali vive muito tranquilo, indiferente à sociedade, acalentando suas ilusões, nascidas da mente; nessas condições, não vejo nenhuma diferença entre os dois. Tanto um como o outro estão seguindo ilusões da mente, e nem o letrado nem o iletrado, nem o místico, o yogi, que foge, que se retrai do mundo, nem o comissário — nenhum deles pode dar-nos a solução. Somos nós, vocês e eu, a gente comum, que temos de resolver este problema, sem sermos intelectuais nem místicos, sem escaparmos pela racionalização nem por meio de termos vagos e de hipnose por palavras e métodos que são autoprojeções nossas. O que vocês são o mundo é, e se não compreendem a vocês mesmos, o que criarem aumentará sempre a confusão e o sofrimento; mas a compreensão de vocês mesmos está justamente na ação das relações. Ação é relação na qual compreendem a si mesmos, na qual se veem claramente; mas se esperam pela perfeição ou pela compreensão de si mesmos, essa espera equivale a morrer. A maior parte de nós estivemos ativos, e essa atividade deixou-nos vazios, estéreis; e, sendo mordidos, detemo-nos e interrompemos a ação dizendo: “Não quero agir enquanto não compreender”. Esperar, para compreender, é um processo de morte; mas se compreendem inteiramente o problema da ação, do viver minuto por minuto, o que não exige espera, então a compreensão está naquilo que fazem, está na própria ação, e não separada do viver. Viver é ação, viver é relação, e porque não compreendemos as relações, porque evitamos as relações, ficamos na rede das palavras; e as palavras nos mesmerizam de tal sorte que a nossa ação sempre conduz a um caos e a um sofrimento maiores ainda.
(...) Senhor, compreende quais são os valores que estou advogando? Estarei advogando alguma coisa — pelo menos para aqueles poucos que me têm ouvido com sinceras intenções? Não estou lhes dando uma nova coleção de valores para substituir os valões antigos, não estou oferecendo-lhes nenhum substituo; o que digo é que devem olhar para as coisas que possuem nas mãos, que devem examiná-las, investigar a sua verdade, e os valores que então estabelecerem criarão uma nova sociedade. Não cabe a outro qualquer traçar um plano, para o seguirem cegamente, sem saber porque e nem para que, mas é a vocês mesmos que cabe descobrir o valor, a verdade de cada problema. O que estou dizendo é muito claro e muito simples, se o quiserem compreender. A sociedade é o próprio produto de vocês, ela é a “projeção” de vocês. O problema do mundo é o problema de vocês, e para compreenderem esse problema, precisam compreender a si mesmos; e só podem se compreender nas relações, e não nas fugas. Porque para vocês, religião e saber representam meios de fuga, não tem vitalidade, não tem significação. Não querem alterar fundamentalmente as suas relações com os outros, porque fazê-lo significa incômodo, significa perturbação, revolução; por isso ficam falando a respeito do intelectual, do místico, e todos os demais absurdos desse gênero. Senhor, uma nova sociedade, uma nova ordem, não pode ser estabelecida por outras pessoas; ela tem de ser estabelecida por você mesmo. Uma revolução baseada numa ideia, não é revolução, absolutamente. A verdadeira revolução vem de dentro, e essa revolução não pode ser realizada pela fuga, só vem quando compreende as suas atividades diárias, sua maneira de proceder, de pensar, de falar, sua atitude para com o próximo, para com a sua esposa, seu marido, seus filhos. Se não compreende a si mesmo, pode fazer o que quiser, fugir para o mais longe possível, mas só produzirá mais sofrimento, mais guerras, mais destruição.
Jiddu Krishnamurti — O que estamos buscando?
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