A ilusória busca da experiência transformadora
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A ilusória busca da experiência transformadora


O homem sempre tentou ultrapassar os seus problemas, quer fugindo deles por meio de vários métodos, quer inventando crenças que ele espera possam renovar a mente que está sempre a deteriorar-se. Procura passar por várias experiências, esperando encontrar uma que transcenda todas as outras e lhe dê a total compreensão da vida. Experimenta tantos meios diferentes — drogas, meditação, devoção, sexo, saber — e, todavia, apesar de todos esses métodos, não parece ele capaz de dissolver o fator central, responsável pela deterioração. É possível esvaziar de todo a mente, para que cotidianamente se renove e já não crie problemas para si; para que seja capaz de enfrentar cada desafio de maneira tão completa e total, que dele não fique resíduo algum que se torne em outro problema? É possível passar por todas as espécies de experiência que os entes humanos têm e, por fim do dia, não restar um único resíduo, para ser levado para o dia seguinte, salvo o conhecimento técnico? Não confundamos as duas coisas. Se isso não for possível, então, naturalmente, a mente se deteriorará; outra coisa não lhe acontecerá senão desintegrar-se. A questão é: Pode a mente, que é resultado do tempo, da experiência, de todas as influências, da cultura, do conhecimento social, econômico e climático, libertar-se e ficar sem nenhum problema, sempre nova, sempre capaz de enfrentar imediatamente todo desafio que se lhe apresenta? Se disso não formos capazes, morreremos; chegará a seu fim uma vida atormentada. Nós não resolvemos as nossas aflições; jamais satisfazemos verdadeiramente os nossos apetites; estamos sempre presos a essa roda de preenchimento e frustração; nossa vida foi sempre um campo de batalha.

Temos de encontrar solução para esta questão, não por meio de filosofia, porque, naturalmente, nenhuma filosofia pode resolvê-la, embora possa nos oferecer explicações. Resolvê-la é libertar-se de todos os problemas e tornar a mente sumamente sensível, ativa. Nessa própria atividade, é ela capaz de liquidar todos os problemas que surgem.

Sabemos o que se entende por um problema: a reação inadequada a um desafio. Os desafios se apresentam interminavelmente a todas as horas. Quanto mais vigilantes estamos, quanto mais refletidos somos, tanto mais agudos se tornam os problemas. Vendo-nos incapazes de resolvê-los, inventamos teorias; e quanto mais intelectuais somos, tanto mais sagaz é a mente, para inventar uma estrutura, uma crença, uma ideologia que nos sirva de via de fuga. A vida é cheia de experiências, que constantemente assaltam a mente. Como em geral a nossa vida é tão vazia, tão cheia de solidão e tédio — uma existência sem significação, lastimosa — desejamos mais e mais experiência, cada vez mais amplas e profundas. A peculiaridade da experiência é que ela nunca é nova. Experiência é o que já foi e não o que realmente é. Quando tivestes uma experiência, vós a reconhecestes e dissestes: "Uma experiência!" O reconhecimento implica que já a conheceis, que já tivestes tal experiência, e, por conseguinte, não há nada de novo no experimentar. É sempre o conhecido que é capaz de reconhecer uma experiência; é o passado que diz: "Já tive esta experiência" — e, por conseguinte, pode dizer que isso é uma experiência.

Tanto na Europa como neste país, o L.S.D. está proporcionando novas experiências, e os que tomam essa droga andam sempre no encalço dessas novas experiências, a "fazer a viagem", como dizem eles. Tais experiências resultam do condicionamento deles, de sua limitada consciência e, consequentemente, não constituem uma coisa totalmente nova. Se fosse uma coisa totalmente nova, eles não a reconheceriam como "experiência". Pode a mente achar-se num tal estado de atividade, que esteja livre de todas as experiências?

Nós somos o resultado do tempo, temos cultivado todas as tendências humanas. A civilização, a sociedade, as religiões têm condicionado a mente. Estamos sempre a traduzir todo desafios em termos de nosso condicionamento e, assim, se nos observarmos, o que geral acontece é que cada pensamento, cada movimento da mente é limitado, condicionado, e o pensamento jamais pode ultrapassar a si próprio. Se não tivéssemos experiências, adormeceríamos. Se não houvesse desafios, embora com reações inadequadas e todos os consequentes problemas, adormeceríamos. É isso o que está acontecendo coma maioria de nós. Reagimos inadequadamente; temos problemas; os problemas se tornam de tal vulto que somos incapazes de resolvê-los, e eles, por conseguinte, nos tornam embotados, insuficientes, confusos. A confusão e a falta de adequadas reações crescem mais e cada vez mais, e ficamos dependendo da experiência como meio de produzir a clareza, de promover uma transformação grandiosa, fundamental.

Pode qualquer espécie de experiência operar uma mudança radical na psique, na consciência? Eis o problema! Nossa consciência é o resultado do passado; nós somos o passado. E a mente que está funcionando no campo do passado não poderá em tempo algum resolver qualquer problema. Necessitamos de uma mente totalmente nova; faz-se necessária uma revolução na psique. Pode essa revolução realizar-se por meio de experiência? É isso que estamos esperando; é isso o que desejamos. Estamos à procura de uma experiência que nos transforme. Por isso é que frequentamos a Igreja, que tomamos drogas, ou nos sentamos para meditar — porque o que ansiamos, o que intensamente desejamos é efetuar uma transformação dentro de nós mesmos. Vemos a necessidade dessa transformação e passamos a depender de uma autoridade externa ou de nossa própria experiência.

Pode alguma experiência, de algum modo, operar essa revolução total em nossa psique? Pode alguma autoridade externa, algum agente externo — por exemplo, Deus, uma ideia, uma crença — efetuar essa transformação? Pode a autoridade, como ideia, como "graça de Deus", operar alguma mudança? A autoridade pode transformar a mente humana? Muito importa compreender isso, porque a autoridade é importante para muito de nós. Ainda que nos revoltemos contra a autoridade, estabelecemos nossa autoridade própria, e ficamos seguindo essa autoridade, deixamos crescer os cabelos, etc.

Existe a autoridade da lei, a qual naturalmente temos de aceitar. E há a autoridade psicológica, a autoridade do homem que sabe, do sacerdote, por exemplo. Hoje ninguém mais dá importância ao sacerdote. Os indivíduos chamados "intelectuais", de ideias claras, pouco se importam com o sacerdote, a igreja e todas as suas invenções, mas têm sua autoridade própria — a autoridade do intelecto, da razão ou do conhecimento — a qual seguem. O homem que tem medo, que está na incerteza, que não tem clareza nas atividades de sua vida, esse deseja que alguma autoridade lhe diga o que deve fazer: a autoridade do analista, do livro, ou da mais nova extravagância.

Pode a mente ficar livre da autoridade e, portanto, livre do medo e da vontade de seguir? Se puder, estará acabada a imitação, que sempre se torna mecânica. Afinal de contas, a virtude, a ética, não é uma imitação do que é bom. No momento em que se torna mecânica, não é mais virtude. A virtude é uma coisa que deve existir momento a momento, tal como a humildade. A humildade não pode set cultivada, e a mente que não tem humildade é incapaz de aprender. A virtude, pois, não conta com nenhuma autoridade. A moralidade social não é moralidade nenhuma; ela é imoral, porque admite a competição, a avidez, a ambição, e, por conseguinte, a sociedade está fomentando a imoralidade. A virtude é algo que transcende a memória. Sem a virtude, não há ordem, e a ordem não a nenhum padrão, a nenhuma fórmula. A mente que segue uma fórmula, disciplinando-se para alcançar a virtude, cria para si própria os problemas da imoralidade.

Uma autoridade externa — salvo a lei — que a mente objetiva como Deus, como moral etc., torna-se destrutiva, para a mente que quer compreender o que é a verdadeira virtude. Temos nossa autoridade própria — nossa experiência, nosso conhecimento — a qual procuramos seguir. Há essa constante repetição e imitação, que todos nós conhecemos. A autoridade psicológica — não a autoridade da lei, do policial mantenedor da ordem — a autoridade psicológica que cada um de nós tem, se torna destruidora da virtude; porque a virtude é uma coisa que está viva, a mover-se. Assim como não podeis cultivar a humildade, assim como não podeis cultivar o amor, assim também a virtude não pode ser cultivada. A virtude não é mecânica; e sem a virtude não há base para o claro pensar.

(...) Necessitamos de uma tremenda mutação psicológica, não uma mudança neurótica; e a razão, o pensamento, não pode realizá-la. Nem o saber, nem a razão, nem as sagazes atividades do intelecto poderão operar essa radical revolução na psique. Se nem a experiência nem a autoridade pode produzi-la, o que é que então a produzirá? Esta é uma pergunta fundamental, e não uma pergunta que pode ser respondida por outra pessoa; mas, ao examiná-la, e não no tentarmos responde-la, encontraremos a resposta. Para fazer tal pergunta, precisamos de ser muito sérios; porque, se fazemos a pergunta com um motivo, com o desejo de certos resultados, o motivo dita a resposta. Por conseguinte, devemos fazer a pergunta sem nenhum motivo, sem desejarmos nenhuma vantagem; e isso é dificílimo, porque todas as nossas atividades e exigências têm motivos pessoais, ou um motivo pessoal identificado com um motivo superior, porém, sempre motivo.

(...)Temos de ser "intensos", apaixonados, altamente sensíveis e, portanto, altamente inteligentes, para podermos fazer uma investigação, e não podemos ser apaixonados se temos um motivo; pois, nesse caso, a paixão é apenas o resultado do desejo de alcançar um resultado e, por conseguinte, se tornar um prazer. Onde há prazer, não há paixão. A própria intensidade com que fazemos a nós mesmos aquela pergunta cria a energia necessária para o exame.

Para examinar-se qualquer coisa, principalmente coisas não objetivas, coisas interiores, necessita-se de liberdade, de liberdade completa para olhar; e essa liberdade não é possível quando o pensamento, como reação da experiência ou conhecimentos anteriores, interfere no ato de olhar... Para olhardes, não deve haver interferência da palavra, que é objetivação do pensamento. Deveis estar livre da palavra; o olhar exige silêncio; do contrário, não se pode olhar.

(...) Para observar, precisamos estar livres da palavra, sendo a palavra símbolo, com tudo o que encerra — conhecimento etc. Para olhar, observar, temos de estar em silêncio; do contrário, como é possível olhar alguma coisa?... Para olharmos qualquer coisa necessitamos de liberdade; e a liberdade requer silêncio. A mesma compreensão disso produz sua disciplina própria. Não há interpretação, por parte do observador, daquilo que está a observar — sendo o "observador" todas as ideias, as memórias, experiências, que o impedem de olhar.

O silêncio e a liberdade são inseparáveis. Só a mente que está toda em silêncio — não por meio de disciplina ou controle ou por causa da exigência de experiências extraordinárias, pois tudo isso são futilidades — só a mente que está toda em silêncio pode responder aquela pergunta. Só o silêncio total produzirá a revolução total da psique — não o esforço, nem o controle, nem a experiência, nem a autoridade.

Krishnamurti – Nova Iorque, 5 de outubro de 1966
A importância da transformação - Cultrix




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