A importância de ultrapassarmos o processo do pensar
autoconhecimento

A importância de ultrapassarmos o processo do pensar


A meu ver, os nossos incontáveis problemas só podem ser resolvidos quando ocorrer uma revolução fundamental da mente, porque só uma revolução dessa ordem pode proporcionar a compreensão do Verdadeiro. Nessas condições, importa compreendermos o funcionamento de nossa própria mente, não por um processo de auto-análise ou introspecção e, sim, pelo percebimento claro do seu processo total; e é este processo total que desejo investigar nestas palestras. Se não nos vemos como somos, se não compreendemos o "pensador" — a entidade que busca, que está criando o problema, isto é, o "eu", o "ego" — então o nosso pensar, a nossa busca, não terá significação alguma. Enquanto o nosso "instrumento de pensar" não for lúcido, enquanto estiver pervertido, condicionado, tudo o que pensarmos há de ser, inevitavelmente, limitado, estreito. 

Nosso problema, pois, é de como libertarmos a mente de todos os condicionamentos, e não "de que maneira condicioná-la melhor". Compreendem senhores? Quase todos nós estamos em busca de um condicionamento melhor. Os comunistas, os católicos, os protestantes e as demais seitas, por todo o mundo, inclusive hinduístas e budistas — todos visam a condicionar a mente de acordo com um padrão mais nobre, mais virtuoso, mais abnegado, ou um padrão religioso. Cada indivíduo, no mundo inteiro, está interessado em condicionar sua mente de uma maneira melhor, e nunca se levanta a questão do libertar a mente de todo e qualquer condicionamento. Mas quer-me parecer que, enquanto a mente não estiver livre de todo o seu condicionamento, isto é, enquanto estivermos condicionados como cristão, budistas, hinduístas, comunistas, etc., não pode deixar de haver problemas. 

Sem dúvida, só é possível descobrir o que é real ou se existe Deus, quando a mente está livre de todo condicionamento. A mera ocupação da mente a respeito de Deus, da Verdade, do Amor, não tem realmente nenhuma significação, porquanto essa mente só pode funcionar dentro da esfera de seu condicionamento. O comunista que não crê em Deus, pensa de um modo, e o homem que crê em Deus, que está ocupado com um dogma, pensa de outro modo; mas a mente de todos os dois está condicionada e, portanto, nem um nem outro é capaz de pensar livremente, e todos os seus protestos, suas teorias e crenças muito pouco significam. Religião, pois, não é frequentar a igreja, ter certos dogmas e crenças. A religião deve ser uma coisa de todo diversa, pode significar a total libertação da mente de toda esta vasta e secular tradição; porque só a mente livre é que pode achar a verdade, a realidade, aquilo que transcende todas as projeções mentais. 

Pode-se ver que isto não é uma teoria pessoal, minha, se observarmos o que está acontecendo no mundo. Os comunistas pretendem solucionar os problemas da vida de uma maneira, os hinduístas de outra maneira, os cristãos ainda de outra maneira; a mente de todos eles, por consequência, está condicionada. A mente de vocês está condicionada como cristã, quer admitam, quer não. Vocês podem se libertar superficialmente da tradição cristã, mas as camadas mais profundas do inconsciente de vocês estão cheias dessa tradição, condicionadas por séculos de educação segundo um determinado padrão; e, por certo, a mente que deseja achar algo mais além — se tal coisa existe  — essa mente tem de libertar-se, em primeiro lugar, de todo condicionamento. 

Fica entendido, pois, que nestas palestras não vamos de modo nenhum tratar da questão do aperfeiçoamento pessoal, nem tampouco nos interessa o aperfeiçoamento de nenhum padrão; não pretendemos condicionar a mente segundo um padrão mais nobre, ou um padrão de maior alcance social. Pelo contrário, o que pretendemos é descobrir como libertar a mente, a consciência total, de todo condicionamento, porque, a menos que isso aconteça, nunca haverá o experimentar da realidade. Vocês podem falar sobre a realidade, ler inúmeros volumes a seu respeito, ter todos os livros Sagrados do Oriente e do Ocidente, mas se a mente de vocês não estiver cônscia de seus próprios processos, não perceber que ela própria está funcionando dentro de um determinado padrão, e não for capaz de libertar-se desse condicionamento, é bem de ver que sua busca será sempre vã. 

Nessas condições, parece-me da maior importância que comecemos por nós mesmos, comecemos por estar cônscios de nosso próprio condicionamento. E como é difícil uma pessoa saber que está condicionada. Superficialmente, nas camadas conscientes da mente, podemos perceber que estamos condicionados; podemos nos libertar de um padrão e adotar outro, abandonar o Cristianismo e nos tornarmos comunistas, deixar o Catolicismo  e aderir a outro grupo igualmente tirânico, e, assim fazendo, pensar que estamos nos movendo para a Realidade. Mas isso, pelo contrário, é mera troca de prisões. 

Todavia, isto é o que quase todos queremos: encontrar um lugar seguro, no nosso pensar. Queremos seguir um padrão fixo e não ser perturbados em nossos pensamentos, em nossas ações. Mas só a mente capaz de observar com paciência o seu condicionamento e dele libertar-se, só essa mente é capaz de uma revolução, uma transformação radical, e descobrir, assim, o que se acha infinitamente além da mente, além de todos os nossos desejos, nossas vaidades e paixões. Sem o autoconhecimento, sem nos conhecermos exatamente como somos — e não como gostaríamos de ser, o que é simples ilusão, fuga idealística — sem conhecermos os movimentos do nosso pensar, todos os nossos "motivos", nossos pensamentos, nossas inumeráveis reações, não haverá possibilidade de compreendermos e ultrapassarmos o processo do pensar.

Krishnamurti em, Realização Sem Esforço





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