Para a maioria de nós, o que é religião — não a teoria sobre o que deve ser religião, porém o fato real? Em regra, consideramos como religião uma série de dogmas, tradições, o que diz o Upanishads, ou o Gita, ou a Bíblia; ou, também, é constituída das experiências, visões, esperanças, ideias, brotadas da mente condicionada, da mente ajustada de acordo com o padrão hinduísta, cristã ou comunista. Começamos com um certo condicionamento e temos experiências nele baseadas. O que chamamos religião é oração, ritual, dogma, desejo de encontrar Deus, aceitação da autoridade e de um vasto número de superstições, não é exato? Mas isso é religião? Indubitavelmente, quem deseja descobrir o que é verdadeiro deve abandonar tudo isso, não achais? Deve rejeitar totalmente a autoridade do guru, dos livros sagrados, e a autoridade de suas próprias experiências, de modo que, depurada de toda influência, a mente seja capaz de descobrimento. Isso significa que deveis deixar de ser hinduísta, cristão, budista, que cumpre perceber quanto tudo isso é absurdo, e vos libertardes. E desejais fazê-lo? Porque, se o desejais, estais contra a atual sociedade e arriscado a perder vosso emprego. E assim é que o medo nos domina a mente e continua a aceitar a autoridade.
O que chamamos religião, por conseguinte, não é religião em absoluto. Se cremos em Deus ou se não cremos em Deus, isso depende de nosso condicionamento. Vós credes em Deus e p comunista não crê em Deus. Qual a diferença? Nenhuma, absolutamente; porque vós fostes educado para crer e ele foi educado para não crer. Assim sendo, o homem que está seriamente investigando rejeitará esse "processo", não achais? Rejeitá-lo- por compreender seu inteiro significado.
Vemo-nos inseguros, assustados, com insuficiência interior, identificamo-nos com um país, uma ideologia ou uma crença em Deus; e podemos ver o que está ocorrendo no mundo. Toda religião — embora cada uma delas professe o amor, a fraternidade, etc. — está de fato separando o homem do homem. Vós sois Sikki e eu hinduísta, aquele muçulmano e aquele budista. Vendo-se toda esta confusão e separação, percebe-se também a necessidade de um diferente modo de pensar; mas, é óbvio, esse diferente modo de pensar não pode tornar-se existente enquanto permanecermos hinduístas, cristãos ou seja o que for. Para vos libertardes de tudo isso, precisais conhecer-vos — conhecer toda a estrutura de vosso ser; cumpre perceber por que aceitais, por que seguis a autoridade; isso é evidente. Desejais bom êxito, desejais a garantia de que existe um Deus no qual possais confiar nos momentos de atribulação. O homem que realmente sente alegria, que é feliz, nunca pensa em Deus. Pensamos em deus quando nos achamos em aflição, em conflito; mas nós mesmos criamos a aflição e o conflito, e, se não compreendermos inteiramente o processo respectivo, o mero investigar acerca de Deus conduzirá à total desilusão.
Assim, a revolução religiosa a que me refiro não é o ressurgimento ou a reforma de uma dada religião, porém, a completa libertação de todas as religiões — o que, em verdade, significa libertação da sociedade que as criou. Por certo, o homem ambicioso não pode ser religioso. O homem ambicioso não conhece o amor, ainda que fale a respeito dele. No sentido mundano, pode alguém não ser ambicioso, mas se deseja tornar-se um santo, uma personalidade espiritual, ou alcançar um certo resultado no outro mundo, então essa pessoa é realmente ambiciosa. Assim, a mente precisa não só despojar-se de todas as cerimônias, crenças e dogmas, mas também estar livre da inveja. A liberdade total do homem está na revolução religiosa, porque só então será ela capaz de considerar a vida de maneira inteiramente diferente e deixar de criar problemas e mais problemas.
Provavelmente estivestes escutando tudo isso apenas verbal ou intelectualmente, porque dizeis para vós mesmos: "Que faria eu na vida, se não tivesse ambição?" Talvez fosseis destruído pela sociedade. No momento em que compreendeis a sociedade e rejeitais toda a estrutura em que está baseada — ambição, inveja, ânsia de êxito, dogmas religiosos, crenças e superstições —, estais fora da sociedade e, por conseguinte, sois capaz de pensar no problema de maneira nova; talvez não exista então problema algum. Mas, provavelmente, só ouvistes no nível verbal e continuareis, amanhã, do mesmo modo: lendo a Bíblia, frequentando o guru ou o sacerdote, etc. Podeis escutar tudo isso e aceitá-lo intelectualmente, verbalmente, mas vossa vida continua na direção oposta e, desse modo, apenas criastes mais conflito; por conseguinte, é muito melhor não escutar nada, pois já tendes suficientes conflitos e problemas e não precisais acrescentar-lhes um novo. É muito interessante estar aqui sentado a ouvir o que se está dizendo, mas se isso nenhuma relação tem com a nossa vida, é preferível tapardes os ouvidos; porque, se escutais a Verdade mas não a viveis, vossa vida se torna uma medonha confusão, a lamentável trapalhada que realmente é.
Krishnamurti — 10 de outubro de 1956