A questão da ação, da atividade, e da vida de relação.
autoconhecimento

A questão da ação, da atividade, e da vida de relação.


Como ontem sugeri, deveríamos ser capazes de escutar o que se nos diz, sem rejeição nem aceitação. Deveríamos ser capazes de escutar de maneira que, se for coisa nova o que ouvimos, não a rejeitemos imediatamente — o que também não significa devamos aceitar tudo o que se diz. Isso seria realmente absurdo, porque estaríamos, então, meramente, criando uma autoridade, e onde há autoridade não pode haver pensar, não pode haver sentir, não pode haver o descobrimento de coisas novas. E como temos, os mais de nós, a propensão de aceitar as coisas prontamente, sem verdadeira compreensão, existe o perigo de aceitarmos sem reflexão nem estudo, sem um exame profundo da coisa. É possível que hoje eu diga algo de novo ou expresse um pensamento de maneira diferente, o que vos poderá passar despercebido, se não escutardes com aquela tranqüilidade, aquela quietude que traz a compreensão.
            Desejo hoje tratar de um assunto um tanto difícil: a questão da ação, da atividade, e da vida de relação. A seguir, responderei a perguntas. Mas antes de o fazer é necessário compreendamos o que se entende por atividade e o que se entende por ação. Pois, a nossa vida parece baseada inteiramente na ação, ou, melhor, na atividade (desejo diferençar atividade de ação). Parecemos tão empenhados em fazer coisas; vivemos tão inquietos, tão consumidos do desejo de movimento, de fazer alguma coisa a todo custo, de ir para a frente, de realizar, de tentar o bom êxito. E qual é o lugar da atividade, na vida de relação? Pois, conforme discutíamos ontem, a vida é uma questão de relação. Nada pode existir no isolamento; e se a vida de relação é simplesmente uma atividade, não tem então as nossas relações muita significação. Não sei se já notastes que no momento em que deixais de estar ativos, apresenta-se imediatamente um sentimento de apreensão nervosa; vós vos sentis como se não estivésseis vivo, desperto, e por isso precisais manter-vos em movimento.
            E há também o medo de estar só, sem um livro, sem rádio, sem falar; o medo de ficar quieto, sem fazer incessantemente alguma coisa com as mãos com a mente ou com o coração.
            Assim, pois, para compreendermos a atividade, precisamos compreender a vida de relação, não é verdade? Se consideramos a vida de relação como uma distração, uma fuga de outra coisa, a vida de relação, é, então, simplesmente, uma atividade. E a maior parte das nossas relações não são, meramente, uma distração e, portanto, apenas uma série de atividades decorrentes da vida de relação? Como já disse, a vida de relação só tem verdadeira importância quando é um processo de auto-revelação, quando representa uma revelação de nós mesmos, na própria ação da relação. Mas, em geral, não desejamos ser revelados a nós mesmos, na vida de relação. Pelo contrário, servimo-nos das nossas relações como um meio de encobrir a nossa própria insuficiência, nossas próprias preocupações, nossa própria incerteza. Assim, a vida de relação se torna mero movimento, mera atividade. Não sei se já notastes que a vida de relação é muito dolorosa e que, quando não é um processo de revelação, representa apenas um meio de fugirdes de vós mesmos.
            Acho importante compreender-se isso; porque, como ontem vimos, a questão do autoconhecimento consiste no desdobrar de nossas relações, tanto com pessoas e coisas, como com idéias. Pode a vida de relação estar baseada numa idéia? Indubitavelmente, todo ato baseado numa idéia é mero prolongamento de tal idéia, e isso é atividade. A ação é imediata, espontânea, direta, e nela não está aplicado o processo do pensamento. Mas, quando baseamos a ação numa idéia, ela se torna atividade; e se baseamos nossas relações numa idéia, então, por certo, tais relações são meramente uma atividade destituída de compreensão. Servem-nos apenas de ensejo para pormos em prática uma fórmula, um padrão, uma idéia. Porque constantemente desejamos alguma coisa de nossas relações, essas relações são sempre restritivas, limitantes, confinantes.
            Toda idéia é produto de uma necessidade, de um desejo, de um desígnio. Se mantenho relações convosco porque necessito de vós, fisiológica ou psicologicamente, então, obviamente, essas relações estão baseadas numa idéia, porque desejo algo de vós. E tais relações, baseadas numa idéia não podem constituir um processo de auto-revelação. São apenas um movimento, uma atividade, uma monotonia, em que se instala o hábito. Por conseguinte, tais relações são sempre cheias de tensão, de dor, antagonismo, luta; são sempre fatores de angústia.
            É possível estar-se em relação sem idéia, sem exigência, sem domínio, sem posse? Podemos comungar uns com os outros — o que representa o verdadeiro estado de relação, em todos os níveis da consciência — podemos comungar uns com os outros se estamos em relação por motivo de um desejo, de uma necessidade física ou psicológica? E haver relações sem essas causas condicionadoras, surgidas da necessidade ou do desejo? Como disse, esse problema é muito difícil. Cumpre penetremos nele com muita profundeza e com toda a calma. Não é questão de aceitar ou rejeitar.
            Sabemos o que são atualmente as nossas relações: disputa, luta, sofrimento ou simples hábito. Se pudermos compreender plenamente, completamente, as nossas relações com um ser, haverá, então, talvez, a possibilidade de compreendermos as relações com muitos, isto é, com a sociedade. Se não compreendo as minhas relações com um só, certamente não compreenderei minhas relações com o todo, com a sociedade. E se minhas relações com um só se baseiam numa necessidade, na satisfação, então, as minhas relações com a sociedade serão de igual natureza. Por conseguinte, surgirão contendas com um e com todos. Mas será possível viver-se com um e com todos sem exigência alguma? Este é que é o problema, não achais? Não somente nas relações entre vós e mim, mas também nas relações entre mim e a sociedade. Para compreenderdes esse problema, para o investigardes com toda a profundeza, precisais penetrar na questão do autoconhecimento; pois, sem conhecerdes a vós mesmo, tal como sois, sem conhecerdes exatamente “o que é”, está claro que não podeis ter relações adequadas com outros. Fazei o que quiserdes — fugi, adorai, lede, ide ao cinema, ligai o rádio — enquanto vos faltar a compreensão de vós mesmo, não podeis ter relações adequadas com outros. E daí a luta, a batalha, o antagonismo, a confusão, existentes não apenas em vós mesmos, mas também fora de vós e ao redor de vós. Enquanto nos servirmos de nossas relações apenas como um meio de satisfação, um meio de fuga, como uma distração, que é mera atividade, não haverá autoconhecimento. Mas o autoconhecimento vem a ser compreendido, descoberto, o seu processo vem a ser revelado na vida de relação — isto é, se estais determinado a ocupar-vos com a questão das relações e a expor-vos a elas. Porque, afinal de contas, não se pode viver sem relações. Mas nós queremos servir-nos de nossas relações, para termos conforto, para termos satisfação, para sermos algo. Isto é, servirmo-nos das nossas relações baseados numa idéia, o que significa que a mente tem o papel principal na nossa vida de relação. E como a mente vive ocupada com a própria proteção, com manter-se sempre dentro da esfera do conhecido, ela reduz todas as relações ao nível do hábito ou da segurança. A vida de relação torna-se, assim, mera atividade.
            Como vedes, a vida de relação, se o permitimos, pode ser um processo de auto-revelação; mas visto que o não permitimos, as nossas relações se tornam apenas uma atividade proporcionadora de satisfação. Enquanto a mente se serve da vida de relação no interesse de sua própria segurança, tais relações produzirão, por força, confusão e antagonismo. Mas é possível viver-se em relação, sem a idéia de necessidade, de desejo ou de satisfação? Isto é, é possível amar-se sem a intervenção da mente? Nós amamos com a mente, nossos corações estão repletos das coisas da mente; mas, de certo, o que é produzido pela mente não pode ser amor. Não se pode pensar no amor. Podeis pensar na pessoa que amais; mas esse pensamento não é o amor; e, assim gradualmente, o pensamento substitui o amor. E quando a mente se torna suprema, quando a mente se torna a coisa mais importante, é claro que não pode haver afeição. Este é, sem dúvida, o nosso problema, não achais? Enchemos os nossos corações com as coisas da mente. E as coisas da mente são, em essência, idéias — o que deve ser e o que não deve ser. Pode a vida de relação estar baseada numa idéia? E se está, não representa então uma atividade egocêntrica, sendo por isso inevitável o antagonismo, a luta e o sofrimento? Más, se a mente não intervem, não está então erguendo barreira alguma, não está disciplinando, reprimindo, ou sublimando a si mesma. Mas é muito difícil isso, uma vez que não é pela determinação, pelo exercício ou disciplina, que a mente deixará de intervir; só deixará a mente de intervir, quando houver plena compreensão do seu próprio processo. Só então será possível haver relações adequadas com um ou com todos, relações isentas de contendas e discórdias.

Krishnamurti - Solução para os nossos conflitos
(Conferências, com perguntas e respostas, realizadas em Ojai, Califórnia,




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