A tecnologia está tornando a mente estreita, vulgar, limitada e burguesa
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A tecnologia está tornando a mente estreita, vulgar, limitada e burguesa


A maioria de nós vive muito superficialmente; vivemos com os nossos conhecimentos e informações e os julgamos suficientes. Mas, sem a meditação, nossa vida é muito superficial. Por "meditação" não entendo contemplação ou oração. Para a pessoa achar-se no "estado de meditação", ou, melhor, para nele entrar natural e facilmente, sem nenhum esforço, deve primeiro compreender a mente superficial, a mente ordinária, a mente que tão facilmente se satisfaz com informações. Tendo acumulado conhecimentos ou adquirido uma certa capacidade técnica, que nos habilita a exercer determinada especialidade, para vivermos neste mundo mais ou menos superficialmente, a maioria de nós contenta-se em viver nesse nível, sem nenhuma compreensão de qualquer problema psicológico que se apresente. Parece-me, pois, sobremodo relevante observar quanto a mente é agora superficial, e investigar se há possibilidade de a mente transcender a si própria. 

Quanto mais conhecimento e preparo uma pessoa tem, tanto maior a sua capacidade na vida diária; e é bem óbvio que necessitamos desses conhecimentos, desse preparo, dessa capacidade, pois não podemos "jogar fora" as máquinas e a ciência e voltar ao estado primitivo.  Isso seria proceder como algumas pessoas ditas "religiosas" que querem retornar a uma tradição ou ressuscitar antigos conceitos e fórmulas filosóficas, destruindo, dessa maneira, a si próprias e ao mundo em que vivem. A ciência, a matemática, as técnicas atualmente à disposição do homem, são coisa absolutamente necessárias. Mas viver neste mundo tecnológico, de conhecimentos e ilustração que rapidamente se avolumam, tende a tornar a mente muito superficial; e, em geral, contentamo-nos em permanecer nesta superficialidade, visto que o conhecimento e a tecnologia nos fazem ganhar dinheiro, mais confortos, mais da chamada "liberdade" — coisas, essas, todas muito respeitadas numa sociedade degradada e em estado de desintegração. Assim, para poder ultrapassar a si própria, deve a mente compreender as limitações da tecnologia, do conhecimento e da ilustração, e ficar livre dessas limitações.

Como se pode observar, todas as nossas atividades, todas as nossas emoções, todas as nossas reações neurológicas são muito pouco profundas, muito periféricas. Vivendo, como vive a maioria de nós, na superfície, procuramos pesquisar as profundezas, penetrar mais e mais fundo, abaixo da superfície, porquanto depressa nos cansamos dessa maneira superficial de viver. Quanto mais inteligentes, quanto mais intelectuais, quanto mais apaixonados formos, tanto mais vivo será o nosso percebimento da superficialidade de nossa existência; ela se torna cansativa, aborrecida, e sem muita significação. Assim, trata a mente superficial de descobrir a finalidade da vida ou de procurar uma fórmula que dê sentido à vida. Luta essa mente para viver de acordo com um conceito por ela própria concebido, ou uma crença que aceitou; e sua ação por conseguinte é sempre superficial. É necessário perceber com toda a clareza esse fato. 

O que vamos fazer nesta manhã é tirar, uma por uma, as camadas superficiais, para penetrarmos até à origem, até à última profundeza das coisas. A superficialidade se perpetua pela experiência, e por essa razão muito revela compreender o inteiro significado da experiência. 

Em primeiro lugar, vemos quanto a especialização tecnológica em toda espécie tende a tornar a mente estreita, vulgar, limitada — qualidades que constituem a verdadeira essência do burguês. Então a mente, superficial que é, busca aquilo a que chama "significado da vida", projetando, ao mesmo tempo, um padrão que lhe é grato, lucrativo, aprazível, e a esse padrão se ajusta. Esse processo lhe confere uma certa determinação, certo ímpeto, um senso de realização. 

(...) Meditação é o total "esvaziamento" da mente — e não se pode esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez, é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e nenhum desejo tem de visões. Toda a busca de visões, toda intenção de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial, por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente libertar-se, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode tornar-se tão completamente desperta que a busca da experiência nada mais signifique? Compreende? A mente que está toda iluminada não pode por mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, inocente. Só a mente iluminada, a mente inocente pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado mental?

(...) Não é uma simples pergunta retórica, a que se pode responder prontamente ou colocar de lado. É uma pergunta de extraordinária importância para a mente que penetrou a FUTILIDADE da religião organizada e "VARREU" todos os sacerdotes e gurus, templos, igrejas, rituais, incenso — atirou tudo isso aos ventos. E se você já atingiu esse ponto,  a si mesmo deve ter perguntado: Como pode a mente ultrapassar a si própria?

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO




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