Ação Criadora
autoconhecimento

Ação Criadora


Vós todos concordastes que o nacionalismo é um veneno. Mas, inconscientemente, sois todos nacionalistas, não é verdade? Sentis-vos inglês, francês, ou o que quer  que seja. Esse sentimento existe, profundamente arraigado, não? E dizeis não perceber com a mesma clareza que a crença é destrutiva do descobrimento. Mas considerai a coisa desta maneira: Desejo descobrir se existe Deus. Desejo realmente descobrir por mim mesmo se Ele existe ou não. Portanto, preciso, em primeiro lugar, eliminar tanto do consciente como do inconsciente todos os conceitos relativos a Deus, não? Para descobri-lo realmente, tenho primeiro de arrancar todas as raízes da cultura em que fui criado, educado; não deve haver abrigo nem refúgio, onde eu ache que estou prestando bons serviços. Uma vez que minha intenção é descobrir, devo livrar-me sem dó nem piedade de tudo quanto aceitei, de modo eu fique completamente desabrigado, física, verbal, intelectual ou emocionalmente; então, já não pertenço a coisa alguma.

Iniciamos esta investigação com a questão relativa ao que se deve fazer neste mundo insano. Uma nova maneira de considerar a vida, uma mentalidade inteiramente nova — isso é necessário; e esse novo "caminho" deve resultar de uma revolução completa, de uma total abjuração do passado. E o passado é tanto o inconsciente como o consciente. Assim, pertencer a qualquer grupo organizado de pensamento é coisa venenosa.

E todo esforço que façamos para sermos novos pertence também ao passado, não é verdade? Porque toda a atual estrutura da sociedade se assenta na aquisição, que  significa esforço. Todo o processo baseado no "devo ser isto" ou "não devo ser aquilo" implica esforço, conflito; percebe isso. E quando digo "percebo", quero dizer que o percebo realmente e não emocional, sentimental, intelectual ou verbalmente. Vejo-o, assim como estou vendo este microfone. E o próprio percebimento do fato eliminou completamente aquele condicionamento. Não sei se vos estou comunicando alguma coisa. Por favor, não vos limiteis a concordar comigo. Isto não é um entretenimento social. Porque, se o estais vendo pela mesma maneira, estais então livres de tudo, completamente, instantaneamente.

Estamos agrilhoados pelos nossos deveres para com a família, a sociedade, nosso emprego, nossa pátria, a religião em que fomos criados, etc. É assim que, quando nos vemos frente a frente com a necessidade de termos uma mente de todo nova, contrapomos a família, a sociedade, ao fato. E, por essa razão, há conflito entre o fato e aquilo que concebeis como vosso dever, não é? E é assim que, para fugir desse conflito, um homem ingressa num mosteiro, torna-se monge ou isola-se interiormente; constrói um hábito em torno de si e aí fica vivendo. Ora, senhores, quando empregais as palavras "dever", "responsabilidade", estais-vos pondo em oposição à liberdade. Mas, se percebesseis o fato sobre o qual estivemos falando, teríeis então uma maneira de agir completamente diferente, em relação a vossa família e sociedade.

Como vedes, estou voltando à questão da ação e talvez forçando um pouco as conclusões. É bem de ver que todos desejamos "fazer alguma coisa" de nossa vida. Conheço pessoas, pelo mundo inteiro, que se disciplinaram rigorosamente, por desejarem descobrir o que é correto fazer. Essas pessoas se isolaram, renunciaram a tudo, obedeceram a preceitos religiosos e fizeram esforços tremendos; e o resultado final é que são entes humanos mortos, estiolados. Foi o constante esforço para ser alguma coisa, tornar-se alguma coisa, que os destruiu. E quando pomos a sociedade e a família em oposição à liberdade, o que fazemos é apenas introduzir o fator de conflito. Vede a verdade aí existente, e esse próprio percebimento se encarregará das relações. Como disse para a maioria de nós ação é puramente reação. Eu vos lisonjeio, e vós reagis; ou vos insulto, e reagis. Nossa ação é sempre reação. E eu estou falando a respeito de coisa diferente, da ação que não é reação, porém ação total. Isto não é nenhuma ideia singular, extravagante, fantástica, de minha própria cabeça. Mas, se observásseis diretamente a coisa, na sua totalidade, se observásseis o mundo, as pessoas, estudando-as, olhando-as realmente — os grandes, os pequenos, os chamados santos e os chamados pecadores — veríeis que todos edificaram suas vidas no conflito, na luta, na repressão e no temor, e veríeis os horrores que daí resultam. Para ficardes livres de tudo isso, tendes de primeiramente vê-lo.

Todos vivemos em nossa mente consciente, superficial, e como podeis clarear todas as camadas, todas as seções do inconsciente, sem perder uma única? É possível a mente consciente penetrar em algo inconsciente, oculto? Ora, sem dúvida, o que posso fazer é só observar, permanecer completamente desperto, vigilante, o dia inteiro — quando trabalho, quando descanso, quando passeio, quando falo — para que tenha uma noite sem sonhos.

Começamos falando sobre uma revolução que não é resultado de cálculo e pensamento; porque o pensamento é mecânico, o pensamento é reação. O comunismo é reação ao capitalismo; se eu abandonar o catolicismo e me tornar outra coisa, isso é ainda uma reação. Mas, se percebo a verdade de que pertencer a qualquer coisa, crer em qualquer coisa significa estar apegado a uma certa forma de segurança e impedindo, por consequência, o percebimento do que é verdadeiro, não há então conflito, nem esforço.

Estou vendo, pois que a ação que é reação, não é ação, de modo nenhum. Desejo descobrir o que é a liberdade. Percebo a imperiosa e urgente necessidade de ter uma mente nova, e não sei o que faça para ter. assim, fico preocupado acerca do que "devo fazer"; por conseguinte, estou dando toda a importância ao que "devo fazer" e não à mente nova. "O que devo fazer" tornou-se, pois, de suma importância, e rogo: "Tende a bondade de me dizer" — e deste modo cria-se a autoridade, a coisa mais perniciosa deste mundo.

Assim sendo, podemos perceber interiormente, ver este fato real: que toda ação é reação; que toda ação nasce do impulso para realizar, alcançar, tornar-se algo, chegar a alguma parte? Posso perceber este fato realmente, sem introduzir "o que devo fazer", "minha família", "meu emprego" e outras coisas que tais? Porque, se a mente percebe o fato, sem traduzi-lo nos termos do velho, há então percepção imediata; compreender-se-á então a ação que não é reação; e essa compreensão é uma qualidade essencial da mente nova.

Krishnamurti – O passo decisivo 




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