Pergunta: Nama-Japam é o único meio eficaz de fazer parar as incessantes divagações da mente. Por que você condena esses exercícios preliminares, que tanto ajudam o homem que busca, a evitar as sombras fugitivas da existência?
Krishnamurti: O que quase todos queremos é ser hipnotizados por palavras e sons. Queremos estar tranquilos, e por essa razão inventamos palavras ou tomamos um entorpecente para acalmar os nervos por umas poucas horas.
Se você está interessado apenas na quietação superficial da mente, Nama-Japam de fato tranquiliza a mente, os nervos, mediante a repetição de palavras. Em vez de recitar Nama-Japam, sugiro-lhes repetirem uma porção de vezes “dois e dois são quatro”: a mente de vocês se tornará muito tranquila (risos).
Prestem atenção a isso. A mente deseja uma ocupação em que não seja perturbada. Afinal, é isso o que queremos, a maioria de nós; vocês não querem ser perturbados, na ocupação de vocês, nas relações com esposa, com o próximo; querem estar seguros quando a vida de vocês; querem paz; não querem ser perturbados, politicamente, religiosamente. Só quando vocês têm fome, quando estão na miséria, há perturbação. O homem que está na miséria quer alcançar de alguma maneira, um estado de não-perturbação. Afinal de contas, as tiranias e os campos de concentração estão cheios de pessoas “perturbadas”. “A dúvida, a incerteza é um obstáculo para o homem que busca”. É o que diz a religião de vocês; é o que dizem seus políticos e os seus líderes. A mente, pois, não deseja ver-se perturbada e recorre por isso a vários meios de aquietar-se.
A ausência de desejo é o requisito essencial para se alcançar a tranquilidade. É necessária vigilância da mente e do coração, vigilância da Verdade — não da Verdade fundamental, mas da verdade que se encontra nos movimentos da vida de cada dia, da verdade existente no pensar. A Verdade não é uma coisa definitiva; ela tem de ser encontrada a cada minuto do dia. A Verdade não é coisa que se possa acumular, atar-se e desse modo tornar-se tempo. O que está preso ao tempo não é a Verdade; é a memória, e a memória diz: “não devo ser perturbada”; “tive uma belíssima experiência da Realidade, de Deus, do pôr do sol”; ou “tive a alegria do preenchimento”; tive um certo desejo”, “não devo ser perturbada”.
A mente, pois, está buscando perenemente um modo de viver em que possa permanecer tranquila, em que possa funcionar de uma maneira “habitual”. Afinal, todas as vossas experiências são hábitos consolidados, e no hábito a mente está tranquila. Por isso vocês criam Nâma-Japam, repetem certas palavras, e suas mentes são postas tranquilas. Há, porém, um impulso interior, que continua ativo: o impulso para vir a ser algo, o impulso para o preenchimento; há pensamentos ambiciosos, que lutam, competem, pensamentos que precisam ser percebidos e compreendidos. Eles se revelam nas suas relações diárias, com esposa, filhos, na ocupação que vocês exercem.
A vida, pois, é um “processo” de reações, em que há perturbação. tem de haver perturbação, e essa perturbação é o espelho em que se fazem descobrimentos; nele vocês descobrem o estado da mente de vocês, do coração; podem ver como eles se movimentam, como funcionam. Entretanto, se condenam esse espelho, criam então um empecilho ao descobrimento. Não podem passar além. A entidade que julga, que compara, que condena, é sempre o pensamento — o pensamento que está interessado em se tornar algo, o pensamento que é ambicioso; e esse pensamento nunca haverá de encontrar a Realidade. O homem ambicioso é um homem político, e o mundo político jamais resolverá o problema da existência humana. Nenhum parlamento, nenhum líder político é capaz de compreensão e de produzir revolução interior, no mundo.
O mundo são vocês; o mundo de vocês é o mundo em que vivem, as pessoas que os circundam. É no coração que deve realizar-se a revolução. E essa revolução não se produz como o se colocarem a dormir; ela vem através de uma coisa que é criadora, dinâmica — a Realidade fundamental. Só é possível aquela revolução quando se compreendem as coisas da vida. A compreensão pelo coração é o “começo do escutar”, e a meditação é a compreensão do “processo” integral da mente.
Krishnamurti – 25 de janeiro de 1953
Autoconhecimento – Base da Sabedoria