Como podemos libertar-nos imediatamente do medo? - Parte 2
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Como podemos libertar-nos imediatamente do medo? - Parte 2


Como podemos libertar-nos imediatamente do medo? Quando emprego a palavra "como", não quero sugerir uma investigação a fim de achar um processo; porque processo, método, sistema, supõe o tempo e, por conseguinte, desordem. Mas, é possível libertar-nos do medo imediatamente?

Pode o pensamento colocar fim ao medo, ou é o pensamento que gera o medo? O próprio pensamento é o terreno em que nasce o medo. Escutai com atenção, para que depois não digais que estou advogando a irreflexão ou afirmando que não devemos pensar. 

Suponhamos que eu tenha medo da morte — isto é, do amanhã, da velhice, da dor, do sofrimento, e do inevitável fim. O pensamento, que já experimentou a dor, a doença, os prazeres da juventude, volta-se agora para o futuro; "projeta" a morte, isto é, coloca-na à distância e, quando dela se ocupa, cria medo. Ou, por não ter compreendido inteiramente a questão do medo, coloca-se a buscar crenças, esperanças, etc. Mas, posso considerar o medo sem a interposição, sem nenhuma interferência do pensamento? 

Estou esclarecendo isto suficientemente? Esclarecimento verbal é uma coisa, esclarecimento real outra coisa. Verbalmente, podeis dizer-me algo, e eu responder: "Sim, concordo convosco, verbalmente vejo o que quereis dizer." Mas 'ver verbalmente' não é ver. Posso olhar uma flor e, embora a veja com meus olhos, veja a luz, a cor, etc., a posso estar vendo apenas verbalmente. Ver a flor com os olhos é uma coisa, e coisa diferente é vê-la com a palavra. Em geral vemos a flor com a palavra e, portanto, não a vemos realmente. Estamos repletos de ideias, conhecimentos, noções, interesse botânico, etc., etc., quando olhamos uma flor. Analogamente, podeis ter compreendido, até aqui, a explicação verbal e estar ou não estar de acordo com ela; também, podeis não ter compreendido as palavras empregadas ou tê-las substituído por vossos termos próprios, traduzindo em vossa própria linguagem o que se disse. E o resultado qual é? Não estais observando realmente a natureza de vosso medo. Por conseguinte, quando dizeis: "Compreendo o que estais dizendo" — significa isso que estais realmente em contato com o medo — com a vossa particular forma de medo — ou que apenas estais em contato com a palavra que indica que temeis?

Estar em contato com uma coisa, fisicamente, é muito fácil. Ao tocar este microfone, sei que estou em contato com ele. Não há nenhum intervalo de tempo, porém, uma ação bem determinada e precisa. Mas, nunca estamos totalmente em contato com outro ente humano ou com o que quer que seja. Se observardes, vereis que isto não é uma simples generalização, porém, um fato real. Posso colocar-me fisicamente em contato com um objeto, mas, entrar em contato com o medo é uma das coisas mais difíceis, porque requer extraordinária atenção — atenção em que não haja desperdício de energia com palavras, explicações, fugas. Só então se está em direta relação com o medo; e é esta a significação de nossa pergunta a nós mesmos, sobre se é possível nos libertarmos incontinenti do medo. Essa libertação significa que terminaram todas as fugas ao medo — todas as fugas verbais. Porque a palavra não só dá mais força à coisa que chamamos "medo", identificando-se com essa coisa, mas também a própria palavra pode ser a causa do temor. Pode-se perceber como a palavra "morte", por exemplo, atemoriza. A própria palavra, portanto, cria medo; e quando desejamos entrar em contato com o medo, a palavra se torna um meio de fuga. Quando toco este microfone, não há fuga nenhuma; esse contato não está associado a nenhuma palavra, nenhum pensamento. Mas, para podermos entrar em direta relação com o medo, temos de compreender a estrutura, o significado, a importância da palavra. Temos de perceber que o pensamento é produzido pela palavra. O pensamento é uma mera reação à palavra, e cumpre perceber este fato. É o que espero que estejais fazendo juntamente comigo. 

Ao dizer que uma pessoa pode libertar-se totalmente do medo, isso não significa que tenhamos de libertar-nos do desejo de evitar sermos atropelados por um ônibus ou caminhão; trata-se, aí, do instinto natural de proteção do organismo físico. Mas, quando o pensamento cria uma imagem verbal a esse respeito, essa imagem gera medo. Pode, pois, a mente olhar o medo sem a palavra — sem permitir a si própria nenhuma fuga, dizendo: "Libertar-me-ei do medo com o tempo" — entrando assim em contato total com a coisa chamada "medo"? 

Nós, com efeito, nunca estamos verdadeiramente em contato com outra pessoa, não é exato? Podemos estar fisicamente em contato com nossa mulher ou marido, ou com nossos filhos, mas outro contato não existe, existe? Temos lembranças atinentes a nossa mulher, nosso marido, nossos filhos, nosso vizinho, e é com essas lembranças que estamos em relação. Temos retratos, imagens, recordações, tanto agradáveis como desagradáveis, e essas coisas interferem, impedindo-nos o contato direto com o outro indivíduo. Para se estar em contato com outrem, requer-se que não haja interferência de nenhuma cortina de lembranças. 

Ora, estamos diretamente em contato com o medo? Não sei se compreendeis esta pergunta e tudo o que ela implica. estais observando o medo, vós como observador e o medo como coisa observada? Sois o pensador a observar a coisa que se chama "medo"? Ou estais olhando o medo, não na qualidade de observador, e nesse caso não existe censor, não existe nenhum centro de onde estais observando e, portanto, o medo constitui o único fato? 

Por outras palavras: a maior parte de nossa vida é um conflito, uma luta entre o que é e o que deveria ser. E estamos acostumados com o esforço, com essa batalha que constantemente se trava em nosso íntimo, esse ajustamento, esse atrito entre o que é e a nossa esperança — o que deveria ser. Estamos acostumados com essa incessante batalha, e é só ela o que conhecemos; assim temos sido condicionados desde a infância. Toda a nossa estrutura social — nossos conceitos religiosos, nossa moral, tudo — se baseia nesse constante esforço de vir a ser

Não digais, agora: "Se não houvesse esforço, se não houvesse luta, que seríamos nós? Continuaremos macacos, como antes, estacionários". É essa a reação comum. Mas, em nosso próprio lutar, uma grande parte de nós mesmos está ainda ligada ao animal, ao macaco: nossa constante avidez, inveja, medo, ansiedade, nossa imperiosa necessidade de satisfação, de prazer e continuação de prazer. O desejo de continuação de prazer provoca o esforço — e todos os nossos valores sociais, morais, religiosos, éticos estão baseados no prazer. Só conhecemos o amor através do prazer. Quando compreendermos o significado e a estrutura do prazer, o amor terá, então, sem dúvida, significação inteiramente diferente, será isento de ciúme, de sentimento de posse, de domínio. Mas, para aí chegarmos, temos de perceber a natureza desse esforço para transformar o que é no que deveria ser. O que deveria ser é a continuação do prazer. Chamamos nosso esforço nobre, bom, virtuoso, mas, atrás dessa fachada de palavras está a ânsia de prazer. 

Assim, é possível operarmos uma mudança, uma revolução radical dentro de nós mesmos? Essa revolução é necessária, porque, de outro modo, nossa vida permanecerá superficial, vazia, embotada, estúpida, medíocre, sem nada de novo. É possível, sem nenhum esforço, colocar fim ao medo? Só podemos extingui-lo quando em contato direto com o sentimento chamado "medo", sem permitirmos nenhuma interferência do pensamento como palavra; e isso de imediato acontece ao compreendermos, em seu todo, a natureza do tempo, do prazer, da confusão e da desordem. 

Tudo isso exige muita energia. Afinal de contas, o prestar atenção a qualquer coisa, o prestar atenção ao que se diz, requer energia. Mas, se não vos sentis interessados no que se está dizendo, se estais a olhar para outra pessoa, se estais pensando sabe Deus em quê, ou aferrados a uma certa maneira complicada de considerar a vida, tudo o que digo constitui para vós uma coisa enfadonha e, portanto, um desperdício de energia; por conseguinte, não estais prestando atenção completa. A total atenção exige energia, tanto física como nervosa — energia sem o desperdício ocasionado pelas palavras, as fugas, o esforço para ultrapassar o que é. Só quando existe essa plena energia pode a mente olhar o que é; e vereis então, por vós mesmos, que, em virtude dessa atenção — que é a energia total aplicada à cosia chamada "medo" — tereis a possibilidade de ficar completamente livres do medo. 

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor     





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