autoconhecimento
Como se pode pôr fim ao pensamento?
A própria atividade da mente é um obstáculo à compreensão de si mesma. Você nunca notou que só há compreensão, quando a mente, como pensamento, não está funcionando? A compreensão se apresenta com o terminar do processo do pensamento, no intervalo entre dois pensamentos. Você diz que a mente deve estar tranquila, no entanto, você quer que ela funcione! Se pudermos ser simples no observar, compreenderemos; mas nossa maneira de observar é tão complexa, que impede a compreensão. Ora, por certo, o que nos interessa não é a disciplina, o controle, a repressão, a resistência, mas o "processo" e a cessação do próprio pensamento. Que se entende, quando dizemos que a mente foge? Entende-se, simplesmente, que o pensamento é atraído incessantemente de um objeto para outro, de uma associação para outra, e se acha em constante agitação. Pode o pensamento cessar?
(...) Você pergunta como se pode pôr fim ao pensamento. Ora, você, o pensador, é uma coisa separada de seus pensamentos? É inteiramente distinto dos seus pensamentos? O pensamento pode colocar o pensador num nível muito elevado e lhe dar um nome, separá-lo de si mesmo; entretanto, o pensador continua a fazer parte do processo do pensamento, não é verdade? Só há pensamento, e o pensamento cria o pensador; o pensamento dá forma ao pensador, como entidade separada, permanente. O pensamento, vendo-se impermanente, num fluir constante, gera o pensador como entidade permanente, separada e distinta dele próprio. E o pensador quer então atuar sobre o pensamento; o pensador diz: "Tenho de pôr fim ao pensamento". Mas o que existe é só o processo do pensamento, não há pensador separado do pensamento. O experimentar desta verdade é uma coisa vital e não uma mera repetição de frases. Só há pensamentos, e não um pensador que produz pensamentos.
"Mas como surgiu o pensamento?"
Pela percepção, o contato, a sensação, o desejo de identificação; "quero", "não quero", e assim por diante. Isso é bastante simples, você não acha? Nosso problema é este: como pode o pensamento cessar? A compulsão, sobre qualquer forma que seja, consciente ou inconsciente, é de todo em todo fútil, porquanto, implica a existência de uma entidade que controla, que disciplina; e tal entidade, como vimos, é inexistente. A disciplina é um processo de condenação, comparação ou justificação; e quando se percebe claramente que não há entidade distinta, representada pelo pensador, pelo disciplinador, então, só há pensamentos, processo de pensamento. O pensamento é reação da memória, da experiência, do passado. Isto também precisa ser percebido, fora do nível verbal, pelo "experimentar". Só então pode haver uma vigilância passiva, sem pensador, um percebimento com completa ausência de pensamento. A mente, a totalidade da experiência, a consciência do "eu", que existe sempre no passado, só pode estar quieta quando não está "projetando" a si mesma; e essa "projeção" é o desejo de "vir a ser".
A mente só está vazia quando o pensamento não existe. O pensamento não pode cessar senão pela passiva vigilância de cada pensamento. Nesse percebimento não há observador nem censor; não havendo censor, só há experimentar. O que foi experimentado é o pensamento, que faz nascer o pensador. Só quando a mente está experimentando existe tranquilidade. um silêncio não elaborado, não juntado pouco a pouco; e só nessa tranquilidade pode surgir o Real. A Realidade não faz parte do tempo, e não é mensurável.
(...) Só há compreensão quando a mente se acha quieta; e não está quieta a mente enquanto se mantém ligada a uma ideologia, dogma ou crença, ou presa ao padrão de sua própria experiência, suas lembranças. A mente não está quieta, enquanto empenhada em adquirir ou "vir a ser". Toda aquisição é conflito, todo "vir a ser" é processo de isolamento. A mente não está quieta, quando é disciplinada, controlada, refreada: esta é uma mente morta, pois está a isolar-se por meio de várias formas de resistência; por consequência, ela cria, inevitavelmente, sofrimentos para si própria e para outros.
A mente só está tranquila quando não está presa na rede do pensamento — a rede tecida por sua própria atividade. Quando a mente está tranquila — mas não foi obrigada a estar tranquila — surge então um fator verdadeiro — o amor.
(...) o que tem existência contínua nunca poderá renovar-se, nunca poderá ser "o novo" e nunca compreenderá o desconhecido. Continuidade é duração, e o que dura sempre não é atemporal. Tem de haver findar, para que surja "o novo". "O novo" não está na continuidade do pensamento. O pensamento é movimento contínuo no tempo; esse pensamento não pode conter um "estado de ser" não-temporal. O pensamento está fundado no passado, sua própria essência é o tempo. O tempo não é apenas cronológico, mas é pensamento, como movimento do passado, através do presente, para o futuro; é o movimento da memória, da palavra, da imagem, do símbolo, é registro, repetição. O pensamento, a memória, tem existência contínua através da palavra e da repetição. O terminar do pensamento é o começar do "novo"; a morte do pensamento é vida eterna. Tem de haver um terminar constante, para que o "novo" possa ter existência. O que é novo, não é contínuo; o "novo" nunca pode achar-se dentro da esfera do tempo. O novo só existe na morte, momento por momento. É preciso haver morte todos os dias, para que tenha existência o desconhecido. Findar é começar, mas o medo impede o findar.
(...) Nós todos desejamos alguma espécie de permanência, e vendo que estamos rodeados pela impermanência, o pensamento cria o pensador, que se supõe permanente. Começa então o pensador a construir outros estados mais elevados de permanência: alma, atman, eu superior, e por aí além. O pensamento é a base de toda essa estrutura.
(...) A especulação e a imaginação constituem um empecilho ao descobrimento da Verdade. A mente que especula, nunca conhecerá a beleza de o que é; está presa na rede de suas próprias imagens e palavras. Por mais longe que alcance, na criação de imagens, ela permanece na sombra de sua própria estrutura, sem poder jamais perceber o que se acha além. A mente sensível não é imaginativa. A faculdade de criar imagens limita a mente; presa que está ao passado, à lembrança, ela se torna insensível. Só a mente tranquila é sensível. Acumulação, sob qualquer forma, é uma carga. E como pode ser livre a mente que leva uma carga? Só a mente livre é sensível. No estar livre, "aberto", encontra-se o imponderável, o implícito, o desconhecido. A imaginação e a especulação impedem o estado "aberto", sensível.
(...) O pensamento é sensação, não é verdade? pela percepção e pelo contato temos a sensação; dela nasce o desejo, desejo disto e não daquilo. O desejo é o começo da identificação — "o que é meu" e "o que não é meu". O pensamento é sensação verbalizada; o pensamento é reação que vem da memória, da palavra, da experiência, da imagem. O pensamento é transitório, variável, impermanente, e busca permanência. Assim, pois, o pensamento cria o pensador, que se torna então "o permanente"; este assume as funções de censor, de guia, de controlador e de modelador do pensamento. Esta ilusória identidade permanente é produto do pensamento, do transitório. Esta entidade é pensamento; sem o pensamento, ela não existe. O pensador é constituído de suas qualidades; as qualidades não podem ser separadas dele. "O controlador" é o "controlado"; ele está, meramente, ludibriando a si mesmo. Enquanto não se vê o falso como falso, a verdade não existe... Enquanto existir o experimentador que se lembra da experiência, a Verdade não existe. A Verdade não é uma coisa de que podemos lembrar-nos, que podemos arquivar, registrar, e tirar do arquivo quando o desejamos. O que se pode arquivar não é a Verdade. O desejo de experiência cria o experimentador, que guarda e se lembra. O desejo produz a separação do pensador e dos seus pensamentos; o desejo de "vir a ser", experimentar, ser mais ou ser menos, leva à divisão entre experimentador e a experiência. A percepção do funcionamento do desejo é autoconhecimento. Autoconhecimento é o começo da meditação.
(...)Nossos pensamentos são transitórios, modificando-se incessantemente; são a reação proveniente do fundo psicológico. Se fui criado numa certa classe social, num certo meio cultural, reagirei a todos os desafios e estímulos de acordo com meu condicionamento. Na maioria de nós esse condicionamento tem raízes tão profundas que a reação é quase sempre de acordo com o padrão. Nossos pensamentos são a reação do fundo psicológico. Nós somos o fundo; esse condicionamento não é separado ou dissimilar de nós. Com as variações do fundo, os nossos pensamentos também variam.
"Mas sem dúvida o pensador é todo diferente do fundo, não?"
É mesmo? O pensador é todo diferente dos seus pensamentos? Existe uma entidade separada, um pensador distinto dos seus pensamentos? O pensamento não criou o pensador, dando-lhe permanência, em meio à impermanência dos pensamentos? O pensador é o refúgio do pensamento, e o pensador se coloca em diferentes níveis de permanência... O pensamento é a reação do fundo, da memória; a memória é conhecimento, resultado da experiência. Essa memória, graças a novas experiências e novas reações, torna-se mais vigorosa, mais ampla, mais aguçada e eficiente. Pode-se substituir uma forma de condicionamento por outra, mas esta é ainda condicionamento... A reação da memória é chamada ação, mas é apenas reação; esta "ação" gera nova reação, formando-se, assim, uma cadeia a que chamamos causa e efeito. Mas a causa não é também o efeito?
(...) A tranquilidade da mente não pode ser provocada ou produzida por nenhuma prática ou disciplina. Se fazemos a mente tranquila, então, tudo o que nela se manifestar será simples "autoprojeção", reação da memória. Com a compreensão de seu condicionamento, com o percebimento imparcial de suas próprias reações, como pensamento e como sentimento, a mente encontra tranquilidade... Quando não existe mais a palavra, o nome, a associação, a experiência, só então a mente está tranquila, não apenas nas suas camadas superficiais, mas completamente, integralmente.
(...) Para você conhecer a mente, não deve estar cônscio de suas atividades? A mente é só experiência, não apenas a experiência imediata mas também a experiência acumulada. A mente é o passado reagindo ao presente, o que vai constituir o futuro. O processo total da mente precisa ser compreendido.
"Por onde começar?"
Pelo único começo: as relações. Relações é vida; viver é estar em relação. Só no espelho das relações pode a mente ser compreendida, e você deve começar por olhar-se nesse espelho.
(...) É bom estarmos cônscios dos movimentos do nosso próprio pensar. O desejo interior de segurança se expressa exteriormente pela "exclusão" e a violência, e enquanto o seu "processo" não for perfeitamente compreendido não poderá haver amor. O amor não é um refúgio diferente, na busca da segurança. O desejo de segurança tem de cessar completamente, para que o amor possa vir. O amor não é uma coisa que podemos fazer mediante compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a negação mesma do amor... Só o amor pode promover uma revolução ou transformação radical nas relações; e o amor não é produto da mente. O pensamento pode planear e formular as mais estupendas e promissoras estruturas, mas o pensamento só pode levar a mais conflito, confusão e miséria. O amor existe quando a mente astuciosa, a mente egocêntrica, não mais existe.
"Como pode operar a fusão do pensador e dos seus pensamentos?"
Ela não pode ser operada pela ação da vontade, nem pela disciplina, nem por nenhuma espécie de exercício, de controle, de concentração, nem por nenhum outro meio. O uso de um meio implica um agente atuando, não é verdade? Enquanto existir agente, haverá separação. A fusão só se realiza quando a mente está de todo tranquila, sem esforço para estar tranquila. Esta tranquilidade existe, não quando o pensador deixa de existir, mas quando o próprio pensamento deixa de existir. É necessária a libertação dessa reação condicionada, que é o pensamento. Qualquer problema só pode ser resolvido, quando não existe nem a idéia nem a conclusão; a conclusão, a idéia, o pensamento, é um estado de agitação da mente. Como pode existir compreensão numa mente agitada? Todo empenho sério deve temperar-se com a veloz mobilidade da espontaneidade. Você descobrirá — se escutou tudo o que se esteve dizendo — que a verdade se apresenta no momento em que não estamos à sua espera. Deixe-me dizê-lo: Mantenha-se "aberto", sensível, plenamente cônscio de o que é, momento por momento. Não levante em torno de você uma inexpugnável muralha de pensamento. A bem-aventurança da verdade vem a nós, quando a nossa mente não está toda tomada pelas suas próprias atividades.
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