autoconhecimento
Descobrindo a verdadeira natureza do amor, da beleza e da morte
Passemos a
aprender o que é o Amor. Eis uma palavra muito usada e repetida, que você tem rodeado de fórmulas de toda espécie: o amor é divino, o amor é sagrado, o amor não é profano... Com isso você pensa tê-lo compreendido. Você sabem o que é o amor? Se você é realmente sincero, não hipócrita, dirá: “Não sei; só sei o que é o ciúme, o que é o prazer sexual — a que chamamos amor; só sei das agonias por que passamos por causa dessa coisa que chamamos amor”. Mas a natureza do amor, a sua beleza, essa, em verdade, você desconhece.
O que é, pois, o amor? Não tenha nenhuma opinião, nenhuma fórmula a seu respeito. Se você as tem, cessou de aprender. Você compreende o que é amor? Investiguemos isso juntos. Se compreendo verbalmente o seu significado, o que compreendo não é, de modo nenhum, amor. O que é amor? É prazer? É desejo? É um produto do pensamento? É amar a Deus e odiar o homem? É isso o que você faz — ama a Deus e oprime o seu semelhante. Você ama o líder político, ou talvez não o ama, mas ama o seu patrão, sua esposa. Você realmente ama a sua esposa? Sim?(*) O que significa isso? Quando você ama uma coisa, você vela por ela. Senhor, você ama os seus filhos, isto é, vela por eles não só quando são pequeninos, mas também ao se tornarem maiores, cuidando de que recebam correta educação? Se você os ama, terá cuidado em não lhes ensinar apenas em que eles obtenham empregos seguros, casem-se e se estabilizem, seguindo o padrão de sua própria geração.
E o amor é ciúme, é? Um homem ambicioso e decidido a alcançar a qualquer preço os seus alvos jamais compreenderá o que é o amor, não acha? Pode um homem violento compreender o que é o amor? E o homem, com efeito, é violento, agressivo, ambicioso, competidor. O que você chama de amor é apenas prazer. Você diz que ama sua família. Você sabe o que significa amar alguém? Pode um homem amar sua esposa e filhos se é ambicioso, se, nos negócios, quer prosperar enganando seus semelhantes?
Por conseguinte, para você descobrir o que é o amor, a ele deve chegar negativamente: não ser ambicioso. Se você diz: “Se eu não for ambicioso, serei destruído por este mundo” — deixe que o destrua; porque, afinal de contas, este é um mundo estúpido, monstruoso, imoral. Se você realmente deseja descobrir a beleza, a verdadeira natureza do amor, deve renegar toda a moral cultivada pelo homem. O que você tem cultivado é a ambição, a avidez, a inveja, a competição, o apego ao seu desprezível “eu”, a sua insignificante família. Sua família é você mesmo. Você está identificado com ela e, por conseguinte, ama a si mesmo, não a sua família, a seus filhos. Se de fato você amasse seus filhos, o mundo seria diferente, não haveria guerras. Assim, para você descobrir o que é o amor, deve afastar o que ele não é. Você está disposto a isso? Ora, você está disposto a tudo, menos isso; quer frequentar seus templos, seus gurus, ler incessantemente seus livros sagrados, recitar mantras, iludir a si mesmo, e falar sobre o amor de Deus e sua devoção a seu guru. Não quer fazer a única coisa certa, que é: descobrir o que significa amar, descobrir, por si mesmo, o que significa não ser agressivo.
Assim, o homem que no coração não tem amor, mas só coisas feitas pelo pensamento, esse homem fará um mundo monstruoso, edificará uma sociedade totalmente imoral. E foi isso que você fez. Dessa forma, para você descobrir o amor deve desmanchar tudo o que fez, não por meio do tempo, dizendo: “Eu o desmancharei gradativamente”. Esse é outro artifício da mente. Você diz: “Isto é meu Karma”. Se você compreender realmente a agressividade, compreender quanto ela é terrível, quer em pequena, quer em grande escala, você a abandonará instantaneamente. Nesse abandono, há grande beleza.
E cumpre-nos também descobrir o que significa morrer. Você já viu a morte. Já viu pessoas morrerem e serem transportadas para o túmulo, mas não sabe o que significa morrer, sabe? Você tem teorias e crenças sobre a morte, sobre o que acontecerá após a morte ou diz “Creio na encarnação”. Todos vocês creem na encarnação, não?
(Vozes: Nós cremos)
Você sabe o que isto significa — reencarnação? Escutem bem quietos. Você adotou a suposição de que, após a morte, você renascerá; você acredita nisso. O que é “você”? — O dinheiro depositado no banco, a casa, o emprego, lembranças, disputas, ansiedades, dores, medo — tudo isso não é “você”? Você nega que isso seja “você”, dizendo que o “eu” é muito superior a essas coisas? Se você diz que o “eu” não é seus móveis, sua família, seu emprego, mas uma coisa infinitamente superior, quem é que o diz, e como você sabe que existe “uma coisa infinitamente superior”? Quem o diz é o pensamento e, portanto, essa coisa “infinitamente superior”, esse “superego”, esse Atman, está ainda no campo do tempo, no campo do pensamento, e o pensamento é “você” — seus móveis, sua conta no banco, seu apego à família, à nação, a seus livros, a seus desejos não preenchidos. Se você realmente acreditasse — com o coração e não com sua mente desprezível — que na vida futura reencarnaria, você estaria vivendo hoje de maneira totalmente diferente, porque, pelo que hoje você faz, terá de pagar amanhã, na “vida futura”.
Ao morrer, você perderá seu depósito bancário, pois você não pode leva-lo consigo; poderá retê-lo até o último minuto, e a maioria das pessoas quer retê-lo até o último instante — muito cômico, não é? Assim, como realmente você sabe nada sobre a morte, vamos aprender o que ela é — aprender, e não apenas repetir o que o orador diz, porque, se o repetir, verá que são meras palavras — nada.
O organismo físico, decerto, perecerá. O cientista poderá dar-lhe mais uns cinquenta anos, mas, ao cabo deles, o organismo morrerá, porque está sendo submetido a constante uso e abuso. O organismo vive sujeito a tensões e pressões de toda espécie; dele se abusa com bebidas, drogas, comidas impróprias, incessante luta. Tais excessos cansam o organismo, de onde surgem os colapsos cardíacos, as doenças, etc.
O corpo perecerá, e que mais morrerá com ele? Sua mobília, seu saber, suas esperanças, desesperos e preenchimentos. O que é, pois, morrer? Aprenda isso, por favor. Nós estamos aprendendo juntos. Para você descobrir o que é a morte, deve morrer, não? Se você é ambicioso, deve morrer para a sua ambição, seu desejo de poder, posição, prestígio; morrer para os seus hábitos, suas tradições. Compreende? Não se pode discutir com a morte, lhe dizer: “Preciso de mais uns dias, não acabei de escrever o meu livro; quero mais um filho, etc.” nada se pode alegar; portanto, se abstenha de argumentar, de justificar.
Morra para toda e qualquer coisa: sua vaidade, suas aspirações, as imagens que tem de si mesmo, de seu guru, de sua esposa. Se você o fizer, compreenderá o significado da morte, saberá o que é uma mente morta para o passado. Só a mente que morre todos os dias tem a possibilidade de transcender o tempo.
Bem, senhores, estiveram ouvindo esta palestra; por conseguinte, aprenderam o que é o medo, o que é o prazer. E, se o aprenderam, já sabem o que é o amor — aquele estado da mente — e por “mente” entendo o cérebro, o coração, a totalidade — em que não existe divisão, fragmentação de espécie alguma. E, agora, se alcançaram esse estado, se têm essa mente excelente, esse coração puro, depois de saírem daqui, nesta tarde, morram para tudo o que aprenderam hoje, a fim de despertarem, amanhã, mais uma vez completamente novo. Do contrário, se, transportarem para amanhã a carga de hoje, darão continuidade ao medo. Morram, pois, a cada dia, para conhecerem a beleza da vida, a beleza da Verdade, e não precisaram aprender nada de ninguém, porque você estará aprendendo.
Krishnamurti – Bombaim, 14 de fevereiro d 1971
(*) palavra dirigida a um ouvinte que respondeu afirmativamente.
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