autoconhecimento
É possível nos livramos da autoridade do conhecimento?
É possível nos livrarmos do conhecimento? Conhecimento é o que se vai acumulando, de contínuo, do passado. Toda experiência que vocês têm é logo traduzida, guardada, registrada; e com esse registro vamos ao encontro da próxima experiência. Por conseguinte, nunca compreendem uma experiência; ficam apenas traduzindo cada desafio em conformidade com a reação do passado e, dessa maneira, estão reforçando o registro. Isso é o que se passa no cérebro eletrônico, no computador. Mas, nós somos apenas pobres imitações desse maravilhoso instrumento mecânico chamado "computador". É possível sermos livres? De outro modo, não se pode descobrir o que é a Verdade; vocês podem falar incessantemente a respeito dela, como os políticos citam o Gita. A vocês, cabe investigar. Mas, essa investigação não é verbal; é o estado mental de escuta.
O conhecimento se torna nossa autoridade — autoridade, na forma de tradição, de experiência, de coisas lidas, aprendidas, e a autoridade imposta por aqueles que dizem que sabem. No momento em que um homem diz que sabe, não sabe! A Verdade não é cognoscível. Ela tem de ser percebida a cada instante, como a beleza da árvore, do céu, do sol-poente. O conhecimento, como vimos, se torna a autoridade que nos guia e molda e nos dá coragem, forças para prosseguir. Tenham a bondade de prestar atenção a tudo isso, porque temos de compreender a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da Lei, a autoridade do policial, a autoridade psicológica constituída por nossas experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou inconscientemente; tudo isso se torna nosso guia, se torna um sinal de advertência que nos indica o que se deve fazer e o que não se deve fazer. Tudo isso se encontro nos domínios da memória. E esta constitui, efetivamente, o que somos. Nossa mente é o resultado de milhares de experiências, com suas lembranças, suas "arranhaduras", resultado das tradições transmitidas pela sociedade, pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão repleta de memórias tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio da memória. Portanto, devemos nos livrar da autoridade.
Não sei se vocês compreendem o significado da palavra "autoridade". O significado da palavra, em si, é "o originador", "aquele que cria algo novo". Considerem a própria religião de vocês. Não sei se são verdadeiramente religiosos — provavelmente não são. Costumam ir ao templo, engrolar um amontoado de palavras, repetir certas frases, e a isso chamam "ser religioso". Ora, que peso extraordinário de tradição os chamados guias espirituais e "santos" implantaram na mente de vocês — o Gita, o Upanishads, Sankhara e outros intérpretes do Gita! os interpretadores, estribados no Gita, interpretam a vocês seguem interpretando. E consideram uma coisa extraordinária essa interpretação, e a quem sabem interpretar o chama de "homem religioso". Mas, essa pessoa está condicionada pelos seus próprios temores; adora uma pedra esculpida pela mão ou pela mente! Essa tradição lhes é inculcada através de uma propaganda milenar — e não por propaganda recentemente criada; vocês a aceitam; ela lhes molda o pensar.
Assim, se desejam ser livres, têm de varrer tudo isso — varrer os Sankharas, os Budas, todos os livros e instrutores religiosos — para serem vocês mesmos, para serem capazes de descobrir. De outro modo, jamais conhecerão a extraordinária beleza e o significado da Verdade, jamais conhecerão o Amor.
Assim, podem vocês, que foram moldados por Sankhara, por tantos "santos", pelos templos, varrê-los todos da mente de vocês? Vocês têm de apagá-los da mente. Vocês têm de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada temer; só então serão capazes de descobrir. Para serem capazes de apagá-los, de negá-los totalmente — não apenas dizer, negativamente, "os larguemos", porém, negá-los totalmente, devem compreender toda a anatomia e estrutura, toda a essência da autoridade; devem compreender o homem que busca a autoridade. Não podem arrebatar a autoridade ao homem que a deseja, porque ela é seu único consolo, seu pão de cada dia — como também o é do político, do sacerdote, do filósofo. Mas, se desejam compreender essa coisa extraordinária chamada Verdade, não devem aceitar autoridade de espécie alguma. Porque, só a mente que está fresca, inocente, que é jovem e vibrante, pode compreender tais coisas, e não aquela que está sendo impelida, moldada, debilitada, sujeitada pelo passado. Ou uma coisa ou outra. Ou vocês dizem: "Não é possível ficar-se livre do passado, do conhecimento, da autoridade que a mente busca, em sua pobreza, em seus desespero e de cujo escoro necessita. A mente não pode em tempo algum ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que aprendeu, adquiriu, acumulou". Ou, ainda, vocês dizem que a mente pode ficar livre do passado. Mas, vocês têm de investigar, descobrir; não podem simplesmente dizer que ela pode ser livre ou não pode ser livre; isso significa apenas entreter uma opinião absolutamente sem valor — deixem isso a cargo dos filósofos. Se querem descobrir, devem investigar se aquilo é possível ou não; não podem simplesmente admiti-lo ou negá-lo.
Vocês têm, pois, de aprender o significado do conhecimento e da autoridade. Quando se aprende, não há contradição, porque então se está aprendendo. Mas, quando se está meramente adquirindo conhecimento, nesse caso há contradição. Por favor, procurem perceber isso. Se estão meramente acumulando conhecimento, se verão em conflito, porque a coisa sobre a qual estão adquirindo conhecimentos é uma coisa viva, móvel, mutável e, por conseguinte, entre o que vão acumulando e a realidade, se apresenta uma contradição. Mas, se estão aprendendo o significado dessa coisa, não há contradição nenhuma; por conseguinte, não há conflito. Mas, quando a mente só se interessa em acumular, adicionar e, por conseguinte, em olhar, observar, com base em seu conhecimento, então há contradição; há então conflito e, portanto, dissipação de energia.
Assim, pois, o homem que aprende não tem conflito; mas o homem que meramente acumula conhecimentos, a fim de viver em conformidade com determinado padrão estabelecido por ele próprio ou pela sociedade em que vive, ou por uma certa personalidade religiosa — não importa qual seja — esse homem se acha em contradição e, por conseguinte, em conflito.
E, como disse outro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O conflito não surge apenas do passado, mas também em relação com o presente. Surge também quando vocês têm ideais — "que devem ser isto" ou que "devem se achar em tal estado"; quando entretêm idéias "esplêndidas", "nobilitantes". Muito importa compreender a natureza de um ideal. O ideal não é a realidade. Uma idéia, projetada da mente que se acha em conflito, torna-se o ideal, de acordo com o qual essa mente deverá viver; por conseguinte, a mente fica em conflito, em contradição. Mas, a mente que está escutando um fato, não um ideal — essa mente não se acha em conflito e, por conseguinte, se está movendo de fato para fato. Essa mente se encontra num estado de energia. Sem essa energia vocês não podem ir muito longe. Mas estão dissipando a energia de vocês em contradições, na luta para se tornarem isto e não aquilo.
Cumpre a vocês, pois, observar, escutar, ver o fato — o que é — e com ele ficar. Isso é dificílimo.
Evidentemente, vocês nunca refletiram sobre estas coisas ou provavelmente elas não lhes vêm natural e espontaneamente, assim como as chuvas descem do céu. Vocês estão, talvez, as ouvindo pela primeira vez ou já lerão algo a respeito delas. Como este orador tem falado tantas vezes sobre elas, dirão, porventura: "Eis ele de volta, com suas velhas falas". Mas, se vocês estão escutando, se estão cônscios das intenções do orador, verão o fato, isto é, que tudo o que vocês têm é conhecimento, e ficarão com esse fato. O fato é que são, completamente, o passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado, mas vocês estarão sempre movendo e existindo no passado.
Ora, que entendemos por "viver com um fato?" Entendemos: não aceitá-lo, não rejeitá-lo, porém, escutá-lo; escutar todos os sutis movimentos, insinuações e sugestões, e perguntas e respostas que ele determina; não negá-lo, porque isso não é possível — se o fizerem, podem ir parar num hospício. Eis, com efeito, o que significa observar o fato e "viver com ele".
Ora, quando vivem com alguma pessoa ou coisa — com sua esposa, seus filhos, com uma árvore, com sua idéia — ou ficam acostumados com ela que ela deixa de existir, ou vivem com ela, tudo observando. No momento em que se acostumam com uma coisa, tornam-se insensíveis. Se eu me acostumo com esta árvore, torno-me insensível a ela. Se fico insensível a árvore, fico insensível ao que é sórdido, insensível às pessoas; fico insensível a tudo. Mas, estar atento a alguma coisa não significa acostumar-se com ela, não significa acostumar-se com o que é sórdido, imundo, acostumar-se com a família, a esposa, os filhos. O não nos acostumarmos com uma coisa exige grande soma de atenção e, por conseguinte, de energia. Espero que estejam seguindo minhas palavras.
Por conseguinte, a mente que deseja compreender o que é verdadeiro, tem de compreender, não idealmente, o inteiro significado do que é liberdade. Liberdade não significa a libertação que se alcança num certo mundo celestial, porém, sim, a liberdade em seu sentido usual; a liberdade que consiste em estar livre do ciúme, do apego, da ambição, da competição — que representa
o mais: "preciso me tornar melhor", "sou isto e preciso me tornar aquilo". Mas, quando se observam como são não há então se tornar diferente do que são; ocorre então uma imediata transformação
do que é.
Assim, a mente que deseja ir muito longe, deve começar com o que está muito perto. Mas vocês não podem ir muito longe, se tratam apenas de verbalizar a respeito de algo que o homem criou e a que chamou Verdade ou Deus. Devem começar com o que está muito perto, para lançarem a base adequada. E mesmo para lançar esta base, se necessita de liberdade. Assentem, pois a base na liberdade e em plena liberdade; assim, já não será uma base: será um movimento, e não uma coisa estática.
Só quando a mente compreendeu a indescritível natureza do conhecimento, da liberdade e do aprender, pode o conflito cessar; só então poderá se tornar perfeitamente lúcida e precisa. Já não se verá embrenhada em opiniões e juízos; se achará num estado de atenção e, por conseguinte, num estado de energia integral e de aprender — que não significa "aprender a respeito de quê?" — Só a mente tranquila é capaz de aprender; e o importante não é "a respeito de quê" a mente aprende; o que importa é o estado de aprender, o estado de silêncio, no qual ela está aprendendo.
Madrasta, 15 de janeiro de 1964
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