autoconhecimento
Não somos entes normalmente felizes, sadiamente felizes
[...] Nossos problemas são tão complexos, porque, segundo sinto, perdemos, fundamentalmente — ou quem sabe, jamais tivemos — a liberdade, a confiança em nós mesmos, e o vigor necessário para o descobrimento da felicidade e da verdade contida em qualquer problema. Não somos entes normalmente felizes, sadiamente felizes; temos muitas obrigações, muitas preocupações; nossa segurança tanto física como psicológica está sendo ameaçada a todas as horas; não há mais fé em coisa alguma, nem esperança; a fé que possuímos, evaporou-se. Os líderes nos conduziram a piores confusões, piores sofrimentos, pior competição, piores conflitos; e, do meio dessa confusão, escolhemos os nossos gurus, os nossos líderes políticos; naturalmente, quando escolhemos um guru ou um líder, do meio da confusão, do sofrimento, do conflito, aquele que escolhemos será inevitavelmente confuso, estará também lutando e batalhando como nós. Assim, pois, quando seguimos alguém, seguimos invariavelmente aqueles que representam o nosso próprio estado psicológico e não outra coisa, diferente de todo; as personalidades que nos representam serão talvez mais ilustradas: jamais, são, porém, o contrário do que somos.
Acho muito importante, principalmente em presença de uma crise, que tenhamos, nós mesmos, muita clareza, porquanto não há mais quem possa nos representar. Não vejo nisso nada de extraordinário, se se compreender que não há mais gurus nem líderes que sirvam, pois perdemos inteiramente a fé neles; não podemos recorrer a nenhuma panaceia política, como solução; nos vemos, por essa razão, forçados a pensar nos problemas por nós mesmos e para nós mesmos; a perceber por nós mesmos a verdade contida no problema que ora se apresenta; a pensar cabalmente, por nós mesmos, se possível, individualmente e mais tarde, talvez, coletivamente, em cada problema que nos defronta.
A Verdade, ou a Felicidade, ou como a chamarem, não pode resultar de escolha; não é uma questão de escolha. Nossas mentes, porém, apenas são capazes de escolher, de diferenciar, não tendo, por conseguinte, um discernimento profundo do problema. São pequenas as nossas mentes — estreitas, intolerantes, superficiais. Não importa seja a mente ilustrada ou experimentada: uma mente assim ainda é superficial, ainda é mesquinha.
[...] Enquanto estiverem escolhendo entre "o bom" e "o mau", entre o nobre e o ignóbil, entre este guru e aquele guru, entre este líder político e aquele outro líder político, enquanto houver qualquer escolha não pode existir a Verdade. A escolha representa apenas a capacidade de diferenciar, da mente, e o processo de diferenciação resulta de uma mente confusa; e, por muito que escolham, analiticamente, subjetivamente ou pela investigação de todas as circunstâncias, a escolha de vocês produzirá, não obstante, conflito. O que se faz necessário hoje em dia não é a escolha entre isto e aquilo, mas a compreensão completa de cada problema em si, sem comparar, sem julgar, mas o investigando profundamente, sob todos os seus aspectos, e colocando-se à margem as próprias inclinações e preconceitos. Nossas mentes se tornaram intolerantes por causa da escolha, por causa de sua capacidade de diferenciar. Reflitam sobre isso; não o rejeitem.
Na atualidade, são tão estreitas, tão confusas e pervertidas as nossas mentes, que somos incapazes de perceber, diretamente, imediatamente, numa experiência, a coisa que é verdadeira. Queremos confirmação, e o homem que busca seriamente confirmação nunca encontrará ou experimentará aquilo que é verdadeiro. Nos é dificílimo, porém, com nossas mentes superficiais e capazes de pensar só em termos de relativos ao amanhã ou a resultados imediatos, promover uma revolução fundamental no nosso pensar.
[...] Há necessidade de uma transformação em nosso pensar; e ela só poderá efetuar-se se investigarmos realmente a questão da escolha — o que não significa que devamos nos tornar obstinados. A mente analítica, dotada da capacidade de ver o que convém e o que não convém, a mente que escolhe, edificará, forçosamente, uma sociedade baseada em resultados, na memória de experiências passadas, ou na necessidade imediata. Essa mente, por conseguinte, será de todo em todo incapaz de criar um mundo em que haja o senso de visão "integrada" do processo total da vida. [...] São tão complexos os nossos problemas, que só podemos nos abeirar deles de maneira muito simples e direta. Não podemos resolvê-los com o auxílio de um livro, de uma filosofia, de um sistema, de um líder; só o resolverão pela compreensão de si mesmos, pelo percebimento de si mesmos, nas suas relações, exatamente como são e não como "deveriam ser". O "deveria ser" denota escolha e está sempre muito distante do que é. O que sou na realidade é o que importa, e não o que eu "deveria ser". O "deveria ser" é de ordem teórica e ideológica e não tem valor algum; não é mais do que uma fuga ao que sou. Nossa sociedade, nossas religiões e nossa estrutura moral estão baseadas no que "deveria ser", que é fuga ao que sou. O que importa é que eu descubra o que sou realmente, de momento a momento, no que não há escolha de espécie alguma. Quando a mente for incapaz de escolher o que "deveria ser", dará atenção ao que é. O que é tem muita importância, mas só no mundo da ação, mas também psicologicamente, interiormente. Só haverá ação direta se eu compreender "o que é" e não "o que desejo ser".
Enquanto introduzirmos a escolha na nossa ação, ela estará sempre baseada em nosso pensamento e por conseguinte não nos dará a limitação do temor; por essa razão, temos sempre luta e sempre dor; e se pudermos compreender "o que é", que se modifica constantemente e nunca é estático, essa compreensão mesma será dinâmica e, por conseguinte, criadora; nela há libertação. Devemos observar realmente, nas nossas relações de cada dia, de cada momento, o nosso exato estado, o que somos de fato, não procurando transformá-lo nunca coisa nobre. Não se pode transformar estupidez em inteligência. Vejam bem a importância disso, e criarão um novo mundo. Enquanto estiverem lutando para serem diferentes do que são, haverá destruição, sofrimento, confusão. Só quando compreendo a coisa que sou, momento por momento, só então a compreensão me conduz às profundezas inconscientes do meu ser; a compreensão por conseguinte é que nos dará libertação do temor; e a libertação do temor é o estado de felicidade.
Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — A Base da Sabedoria
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