O "outro estado" não vem por palavras e conjecturas
autoconhecimento

O "outro estado" não vem por palavras e conjecturas


A Verdade, a Realidade, ou "o outro estado", não se acha num ponto fixo, não se pode alcançar por um certo caminho, e temos de descobri-la de momento a momento. Se está num ponto fixo, nesse caso esse ponto se acha dentro dos limites do tempo. Para um ponto fixo pode haver um caminho, como há um caminho para suas casas; mas para uma coisa viva que não tem pouso fixo, que não tem começo nem fim, não pode haver caminho algum. 

[...] o que é reconhecível, não pode ser aquele outro estado. O outro estado não é reconhecível, pois nunca foi conhecido; não é uma coisa que já experimentaram e que são capazes de reconhecer. O "outro estado" é uma coisa que tem de ser descoberta de momento a momento; e para descobri-la, a mente tem de ser livre. Senhor, a mente tem de estar livre para descobrir qualquer coisa; e a mente agrilhoada pela tradição, antiga ou moderna, a mente que leva a carga da crença, dos dogmas, dos ritos, não é livre, evidentemente. 

[...] Aspiramos àquele outro estado, e uma vez que não sabemos como alcançá-lo, passamos invariavelmente a depender de alguém, a quem chamamos de instrutor, guru, ou a depender de um livro, ou de nossa experiência. E está criada a dependência, e onde há dependência há também autoridade. A mente se torna, por conseguinte, escrava da autoridade, escrava da tradição, e essa mente, evidentemente, não é livre. Só a mente que é livre, pode descobrir; e contar com a ajuda de outrem para o despertar da mente, é o mesmo que recorrer a uma droga que os fará ver as coisas com muita nitidez, muita clareza. Há drogas que podem fazer a vida parecer momentaneamente, muito mais "vital", de modo que todas as coisas assumem um relevo, um brilho extraordinário — as cores que veem todos os dias, sem lhes dar atenção, se tornam extraordinariamente belas, etc. Tal poderá ser o "despertar" da mente de vocês, mas estarão então na dependência da droga, como dependem agora do seu guru ou de um certo livro sagrado. E quando se torna dependente, a mente se embota. Da dependência provém o medo — o medo de não se realizar o que se quer, o medo de não ganhar. Quando dependemos do outro, seja o Salvador, seja outro qualquer, isso significa que a mente está em busca de um resultado feliz, um fim satisfatório. Podem chamá-lo Deus, a Verdade, ou como quiserem  mas é sempre uma coisa que se quer ganhar. E assim, a mente fica aprisionada, se torna escrava e, não importa o que faça — se sacrificar, se disciplinar, se torturar — essa mente nunca descobrirá o outro estado. 

O problema, pois, não é quem seja o instrutor correto, mas sim descobrir se a mente pode se manter desperta. E isso só se pode descobrir quando todas as relações se tornam um espelho, em que ela SE VÊ EXATAMENTE COMO É. Mas a mente não pode se ver como é, QUANDO HÁ CONDENAÇÃO OU JUSTIFICAÇÃO daquilo que vê, OU SE HÁ QUALQUER TIPO DE IDENTIFICAÇÃO. Todas essas coisas tornam a mente embotada e, embotados que estamos, desejamos ser despertados. Por essa razão nos amparamos em outro, para que nos desperte. Mas, em virtude do próprio desejo de ser despertada, a mente embotada se torna mais embotada ainda, porquanto não percebe a causa de seu embotamento. É só quando a mente percebe e compreende todo esse processo, e não depende de explicações de ninguém, é só então que ela é capaz de se libertar. 

Mas, COMO É FÁCIL NOS SATISFAZERMOS COM PALAVRAS, COM EXPLICAÇÕES! São POUQUÍSSIMOS  os que rompem a barreira das explicações, ultrapassando as palavras e descobrindo POR SI MESMOS o que é verdadeiro. A capacidade é produto da aplicação, não é? Mas nós não nos aplicamos, PORQUE NOS SATISFAZEMOS COM PALAVRAS, com especulações, com as tradicionais respostas e explicações com que fomos criados. 

Jiddu Krishnamurti em, Da solidão à plenitude humana




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