Sofremos as consequências do condicionamento materialista, mecanicista e reducionista, implícito no paradigma cartesiano-newtoniano que caracteria a Idade Moderna. Descartes afirmava que os filósofos da sua época não compreendiam o homem por não compreenderem suficientemente a máquina. A vitoriosa metáfora cartesiana do homem-máquina foi ampliada e projetada ao Cosmos pelo gênio de Newton, na sua Física Mecânica, que foi identificada, durante séculos, com a própria ciência. Foi assim que o determinismo mecanicista entranhou-se, visceralmente, no racionalismo científico.
O homem, então, se fez máquina. Robotizou a sua mente e mecanizou sua rotina existêncial. Reduziu o seu Mistério a engrenagens. Nous, o espírito, degenerou-se em intelecto, como denunciou Jung.
A existência foi compartimentalizada. Das oito às dezoito horas, o indivíduo veste uma persona profissional. Em casa, ostenta outro papel — de pai, mãe, filho, irmão, etc. Folga no final de semana e, geralmente na manhã de domingo, aparenta-se religioso. No banheiro relaxa. Uma vez por ano tira férias dos papéis habituais, troca de rotinas. E quase nunca se pergunta: além desses papéis triviais, quem sou eu?
Sendo tratadao e tratando-se como máquina, o cidadão é confiado aos técnicos. Se o seu problema parece ser o coração, por exemplo, é conduzido a um técnico de coração denominado cardiologista. Assim como quando o cano de escapamento do seu carro estraga é levado a uma oficina do tipo "Só Escapamento". Da pré-maternidade ao cemitério e à missa do sétimo dia, a vastidão do indivíduo é entregue aos técnicos, especialistas em fragmentos. A que preço?
Alienação e empobrecimento do ser. Perda do encantamento advindo da inteireza. Redução a uma miséria qualquer.
Cada um aperta, ad infinitum, o parafuso que lhe cabe. A genial sátira de Chaplin, Tempos Modernos, muito bem o demonstra. O filósofo pensa, o matemático cálcula, o seminarista reza, o padeiro faz o pão, o poeta sente, o marceneiro martela, o místico delira, o cientista comprova, o professor ensina... e tantos parafusos mais. Esse retalhamento de funções conforma a ratoeira da dependência generalizada. Todos dependemos de todos. Alienados da consciência de inteireza, sofremos de um tipo de invalidez psíquica e de certa imbecilidade funcional. Enfim, de infelicidade crônica, pois a autêntica felicidade é uma função da capacidade do indivíduo ser inteiro e verdadeiro. Ser feliz é ser o que se é. Nem mais, nem menos.
Roberto Crema — do livro: Rumo à Nova Transdisciplinaridade - Ed. Summus Editorial
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