A simples mudança periférica, um mero ajustamento na circunferência, — ajustamento político, econômico, social ou, mesmo, religioso — não é revolução. A revolução, naturalmente, tem de operar-se no centro, e não na circunferência, no lado externo; e como pode realizar-se essa revolução no centro?
Estou empregando a palavra "revolução" com conhecimento de causa, visto que, se houver uma mudança no centro, teremos uma verdadeira revolução, uma completa transformação do pensamento; e só ao verificar-se esta revolução no centro podem operar-se mudanças significativas no exterior, na periferia.
Mas nós, geralmente falando, não queremos a revolução central e, sim, apenas, mudanças exteriores — queremos uma situação econômica melhor, mais riqueza, mais conforto, mais prosperidade, mais luxo, e uma maior variedade de entretenimento e distrações.
É isso o que interessa à maioria de nós. Ou, trocamos uma especialidade por outra, uma religião por outra, um dogma por outro, o que significa, simplesmente, passar de uma gaiola velha para uma gaiola nova.
E se temos disposições sérias, falamos sobre a necessidade de abolir a guerra — o que, mais uma vez, significa cogitar sobre a maneira de produzir modificação no interior.
As pesquisas científicas, as reformas sociais, os ajustamentos políticos, tudo isso — assim como as várias religiões e sociedades sectárias — só diz respeito a modificações exteriores.
Ora, como produzir uma transformação no centro? Este é o problema da maioria de nós, não achais? Se estamos seriamente intencionados e reconhecermos quanto é superficial andarmos só em busca de um emprego melhor ou de uma solução imediata para os nossos problemas econômicos, políticos ou religiosos, desejaremos naturalmente saber se é possível efetuar-se uma transformação no centro, a qual, por sua vez, produza uma transformação em nossas relações com a família, com os companheiros, enfim, com a sociedade.
(...) Temos tentado durante anos reformar-nos exteriormente, procuramos transformar as nossas maneiras, pensamentos, conduta, nossa sociedade, e daí não resultou nenhuma mudança radical, nenhuma libertação de forças criadoras; e a mim me parece que, sem essa profunda revolução interior, central, será vão todo esforço que empregarmos para modificar as coisas exteriores.
Nossos esforços poderão produzir modificações momentaneamente satisfatórias; entretanto, se a revolução não for efetuada no centro, a mera alteração da circunferência, da parte externa, é mui pouco significativa e poderá, eventualmente, conduzir a malefícios maiores ainda.
Compreendendo isso,averiguemos como se pode efetuar essa transformação, essa revolução no centro.
Que é esse centro? Ora, é a mente; e nós vamos averiguar se a mente pode modificar-se, se pode produzir em si mesma uma revolução interior.
A mente, como é óbvio, é constituída de níveis consciente e níveis inconscientes; e todo o esforço da mente consciente para se modificar está sempre compreendido na esfera exterior. Vede bem a importância disso.
(...) Se a mente puder estar quieta, atenta para o que se acha entre as palavras, se puder pôr-se em tal estado de "afinação", será então capaz de "escutar" integralmente, na totalidade; e é esse escutar, possivelmente, que traz a revolução, e não o esforço consciente para aprender.
A maioria de nós conhece o esforço consciente de modificar, de disciplinar a mente, e, por esse motivo, o que chamamos modificação representa uma operação parcial, e não uma revolução total. E eu estou me referindo à revolução total, integral, e não a ação parcial,d e superfície; e essa revolução total não pode verificar-se por meio de nenhum esforço consciente de nossa parte.
Sabemos o que é a consciência, estamos bem familiarizados com a mente consciente que pensa e deseja, movida pelo impulso, pela intenção, e determina o ajustamento. A mente consciente está sempre forcejando em determinado sentido, ou para ajustar-se pelo temor, ou, ainda pelo temor, transformar-se, a fim de adaptar-se a outro padrão de ação.
Por conseguinte, todo esforço visando uma modificação é um ajustamento sob a influência do temor, do desejo de termos bom êxito ou do desejo de nos tornarmos melhores, para alcançarmos um certo resultado, seja neste mundo, seja no mundo da santidade.
É urgentemente necessária uma revolução profunda, mas, é óbvio, essa revolução deve ser inconsciente; pois, se produzo deliberadamente uma revolução em mim mesmo, essa revolução será resultado de desejo, da memória, do tempo. Desejo tornar-me melhor, conseguir um resultado, descobrir o que é Deus, o que é a Verdade, ser mais feliz; por isso digo que há necessidade de transformação.
O esforço positivo ou negativo, o esforço para ser ou para não ser, se baseia no temor, na ânsia de ganho, de conforto, paz, segurança; assim, pois, toda modificação operada por um esforço consciente não é verdadeira transformação e, sim, puro ajustamento a um padrão diferente. A esse respeito, temos de perceber a verdade completamente.
Como todas as revoluções econômicas, quer da direita, quer da esquerda, o esforço consciente não produz nenhuma transformação no centro. Ambas as coisas só produzem tiranias. O sábio, portanto, não se preocupa essencialmente com modificações periféricas: interessa-lhe só a revolução interior, a revolução que se opera no centro. E como iremos, vós e eu, produzir essa transformação?
(...) Todas as escolas de religião, todas as sociedades religiosas, procuram produzir modificações por meio de esforço consciente, por meio de disciplina, ajustamento, temor, por meio do desejo de alcançar uma situação melhor, quer socialmente, quer religiosa ou psicologicamente; e tudo isso está compreendido na esfera exterior.
Sem dúvida, porém, o homem que, conscientemente, se está tornando virtuoso, é imoral, uma vez que é virtuoso no interesse da própria segurança, do próprio conforto e felicidade. Não estamos falando dessa espécie de mudança ou transformação.
Como então efetuar essa revolução no centro? Vemos que o esforço deliberado e consciente do nosso pensamento ordinário não pode realizá-la. E pode o inconsciente fazê-la?
(...) O inconsciente é o resíduo do passado, não é exato? É o resultado dos instintos raciais, das impressões culturais, de tudo o que fomos no passado, de toda luta do homem contra seus ocultos intentos, compulsões, ímpetos.
Pode esse inconsciente ajudar-nos a operar uma modificação, uma revolução no centro? E existe alguma diferença, algum intervalo ou hiato entre o inconsciente e o consciente?
Sem dúvida, a mente consciente, a mente que está desperta durante o dia, funcionando em nossas atividades diárias, é apenas a orla do inconsciente, não é verdade? Não há diferença fundamental entre os dois (o consciente e o inconsciente). Assim como a folha de uma árvore é produto das suas raízes, aprofundadas no seio da terra, assim também a mente consciente é produto do inconsciente profundo. Não há distinção entre eles; não são duas coisas diversas; nós é que não estamos familiarizados com o inconsciente.
É-nos familiar a mente consciente, a atividade diária de ganância, competição, ciúme, inveja, o desejar uma coisa e não desejar outra, a nossa luta incessante; mas os mesmos impulsos encontram-se também nos níveis mais profundos, não é verdade? Pode-se, pois, contar com o inconsciente para se realizar uma transformação radical?
(...) Qual é o estado da mente quando não há esforço algum, nem por parte do consciente nem do inconsciente? Existe, então um centro? Para a maioria de nós existe um centro, que é o "eu", o "ego"; e se esse centro se acha num nível superior ou inferior, isso não tem grande importância.
O centro é o "eu", o instinto de aquisição, que se expressa no possuir propriedades, no desejo de nos tornarmos melhores, de adquirir virtudes, pelo controle, pela disciplina e tudo o mais.
Temores, ansiedades, disposições de ânimo, anelos, esperanças, fracassos, frustrações — tal é o centro que conhecemos, não é verdade? E o fazer cessar completamente esse centro, é a única revolução verdadeira; essa revolução, porém, não é possível por meio do esforço por parte do consciente ou do inconsciente.
Pois bem. Quando percebemos tudo isso, qual é o estado da nossa mente? Evidentemente, a primeira reação é um sentimento de ansiedade, de temor, de desconhecimento do que vai acontecer.
O "eu", o centro, que é uma acumulação de inúmeras reações, inúmeras influências culturais, políticas e religiosas — esse centro é que tem funcionado até agora; e se queremos que esse centro desapareça de todo, para que a mente seja pura, incorruptível, única, singular, a primeira reação, por certo, é um tremendo sentimento de negação, de não-ser; e mui poucos de nós somos capazes de suportar tal coisa, que significa olhar de frente o que na realidade somos.
(...) Qual é, pois, a função da mente, ao reconhecer que nenhum esforço, consciente ou inconsciente, de sua parte, pode produzir uma transformação completa? Que deve ela fazer? Apenas, ficar tranquila, não é verdade? Todo esforço de sua parte para modificar-se é produto de seu condicionamento, de seu temor, do desejo de bom êxito, da esperança de melhorar as coisas; e tal esforço só pode dificultar o descobrimento da solução correta.
(...) A função da mente, por conseguinte, consiste apenas em perceber como surgem essas reações, e em não procurar conquistar um determinado estado ou produzir uma modificação no centro, pela ação da vontade. O que pode fazer é apenas observar as próprias reações.
O observar, porém, exige paciência infinita; e se sois impacientes, a observação transforma-se num trabalho exaustivo, pois desejais progredir, desejais um resultado.
Krishnamurti — Percepção Criadora