Pode-se "cultivar" a capacidade de amar?
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Pode-se "cultivar" a capacidade de amar?


Pergunta: Você fala de revolução no inconsciente; mas, uma vez que o inconsciente é uma dimensão desconhecida pelo pensamento, como posso saber que houve uma revolução profunda? Você não está empregando estas palavras para nos hipnotizar, nos fazendo imaginar um estado?

Krishnamurti: O inconsciente não é também o consciente? Isto é, a consciência, como a conhecemos, é luta. Só estou consciente, quando há conflito, quando há desafio, quando sofro, quando me esforço conscientemente para fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Mas não existem, atrás desse esforço consciente, muitos "motivos" ocultos, muitas compulsões, impulsos, tradições, que constituem nossa herança secular? Eu sou tanto o consciente como o inconsciente. Um e outro constituem o "processo" do pensamento, não é verdade? Suponhamos que eu costume celebrar rituais, puja; está é uma ação resultante da velha tradição segundo a qual fui educado; essa tradição se baseia no tempo, no desejo de encontrar paz, a esperança, a recompensa, etc.; tal é o "motivo" inconsciente que me leva a executar uma certa ação. Todo o "processo" da consciência não é resultado do pensamento? Posso não pensar na ideia; o inconsciente pode não tê-la elaborado; tudo isso, porém, não constitui o processo do pensar? Eu posso não ter inventado o ritual, mas alguém o inventou e fui condicionado nisso; isso é o inconsciente, meu inconsciente profundo. Fui educado como capitalista, comunista, ou socialista, e dessa base eu ajo e reajo. Os "motivos", os impulsos, as condições inconscientes são o resultado de pensamento criado por mim ou por outro, pela sociedade, pelas circunstâncias. 

Pode o pensamento realizar uma revolução? Prestem atenção a isso. Sendo o condicionado, estando sempre condicionado, pode o pensamento efetuar uma revolução — que se faz tão necessária — revolução radical, e não revolução econômica, parcial? Pode uma revolução profunda, uma revolução fundamental ser realizada pelo pensamento? O pensamento, consciente e inconsciente, é um processo total. Meu inconsciente pode estar encoberto e eu posso não ter me ocupado com ele. Entretanto, nem por isso deixa de estar presente esse inconsciente, e ele é o resultado de pensamentos, pensamentos de meus ancestrais, pensamentos contidos nos livros — saber — experiência. Tudo isso é um produto do pensamento. Reconheço, pois, que todo esse processo é pensamento, e percebo que o pensamento condiciona; como pode, então, o pensamento produzir uma revolução radical? Mas há uma revolução que está além dos limites do pensamento; e é aí, além dos limites do consciente, que se faz necessária a revolução.  

O Amor é coisa cultivável? Sei quando amo? O amor é um "processo" consciente? Se sei que lhe amo, isso é sensação e portanto, não é amor, não acham? Se tenho consciência de ser humilde, se tenho consciência de ser benevolente, isso é humildade, é benevolência? Por conseguinte, o amor, a humildade, não é um estado do qual não tenho consciência, no sentido de "pensamento" — "pensar"?

A revolução de que falo somente é possível quando cessa o pensar, como reação, como estado condicionado. Só então há revolução. Senhores, não afastem isso para o lado, como uma ideia extravagante; procure compreende-lo, investigue-o, sinta-o plenamente. Verá que toda espécie de pensar é condicionada — o pensar comunista, o socialista, o católico, ou o pensar do homem religioso. O pensar é condicionado; e enquanto estivermos operando dentro de um campo condicionado, teremos sempre novos problemas de ações condicionadas; e nisso não há libertação, não há ação criadora. Só há ação criadora, libertação, quando a mente está de todo silenciosa. Esse silêncio não é cultivável conscientemente. Não posso cultivá-lo, porque o esforço consciente feito para produzi-lo é resultado de um pensamento, de um desejo, de um fim condicionado; por esse motivo não há revolução; há apenas uma conclusão, um resultado; e a mente que busca resultado não é revolucionária. 

Assim, pois, só a mente que está tranquila é capaz de receber o que é verdadeiro — não qualquer coisa extraordinária, mas o que é verdadeiro a cada momento, a Verdade daquilo que vemos, a palavra, o pensamento, o sentimento. Só quando a mente está de fato tranquila, sem compulsões e incentivos, se verifica a revolução. Essa revolução é uma revolução de pensamento produzida pela Verdade — não por meio de alguma espécie de cultivo, e sim pelo escutar o que se diz. Não podem escutar, porém, se argumentam comigo — o que não significa que eu queira hipnotizá-los. Em verdade, vocês estão sendo hipnotizados todos os dias, pelos jornais, pelos políticos, pelos "praticantes de boas obras", pela religião de vocês, pelo Bhagavad-Gita, pela Bíblia, pelas pessoas que lhes dominam ou lhes impelem, pela ação dirigida para um fim em vista. Tudo isso não constitui um processo de hipnose? Todo "processo" da propaganda é um sistema de hipnotismo, a que estão submetidos. 

Eu falo de coisa totalmente diferente. As duas coisas não são compatíveis, pertencem a dois mundos totalmente diferentes. Digo tão somente isto: se sabemos escutar, a Verdade libertará uma atividade criadora em entes humanos; e sem esse poder de criar, nós nos tornamos extremamente caóticos, destrutivos; por mais nobre que sejam nossas intenções, todas as nossas ações só produzirão desgraças e malefícios. Essa atividade criadora é Amor. Sem Amor não há revolução, e o amor não é uma ação consciente. O Amor é algo além dos limites do pensamento. Só se pode compreender, sentir, experimentar o amor, quando a mente se acha de todo tranquila; e só então existe a possibilidade de se efetuar uma revolução fundamental no mundo.

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento - Base da Sabedoria




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