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Os Mantras na Meditação Cristã
"A tradição da oração solitária – oração que emprega uma palavra sagrada, repetida de forma contínua, no coração e no pensamento, numa postura de fé – é uma tradição venerável no cristianismo.
Talvez tenha começado como uma forma de reverência pelo nome de Jesus.
Esta utilização do Santo Nome foi adotada mais tarde nas várias formas de Hesychia* e na oração a Jesus da Igreja Ortodoxa.
A primeira descrição detalhada desta forma de oração foi encontrada na tradição dos Padres do deserto (...).
Mil anos depois, em Inglaterra, o autor anônimo da obra “A nuvem do não saber”, recomenda o mesmo tipo de oração, mas sugere que se use um monossílabo como por exemplo “Deus”.
No século XX John Main, ao divulgar esta mesma tradição, recomendou a utilização de uma expressão do Aramaico, maranatha.
Esta palavra, que significa “Vem Senhor”, foi retirada do Novo Testamento. Vem redigida em Aramaico, a língua que Jesus falava, e é uma expressão sagrada na liturgia dos cristãos primitivos.
Há muitos outros exemplos de palavras de oração sugeridas ao longo da história da oração cristã, que refletem a época e a personalidade do líder espiritual que as recomendava, na esperança de conduzir os seus seguidores na senda do silêncio contemplativo e do silencio do coração.
Esta tradição caracteriza-se pela repetição contínua da palavra sagrada com uma fé profunda, mantendo uma grande fidelidade a essa palavra à medida
que ela vai ficando enraizada no coração e nos abre para a graça da contemplação – a nossa entrada no âmbito da oração de Jesus banhada Espírito Santo.
Aqueles que recorriam ao nome de Jesus referem-se à palavra como “O nome” ou “O santo nome”. Cassiano porém não aconselha o nome de Jesus e refere-se à palavra que ele próprio recomenda como “a fórmula” no sentido de “regra ou princípio”, pois “a formula” não tinha um significado sagrado em particular, mas dizia respeito a um modelo ou padrão que implicava o uso da mesma palavra recitada com fé, em qualquer condição de espírito, a qual nos
conduziria a uma oração marcada pela pobreza de espírito.
John Main refere-se à palavra de oração como “a palavra” ou “o mantra”.
Porque é que ele recorre à expressão mantra, uma palavra associada com as
formas orientais de meditação?
Para percebermos isso é necessário recordar a envolvente religiosa na qual John Main pessoalmente evoluiu e onde deu os primeiros passos no ensino da Meditação de acordo com a tradição Cristã. Antes de ser monge, John Main
entrou em contacto com a meditação oriental, muito embora ele sempre tivesse praticado meditação como uma forma de oração cristã. Foi neste contexto que ele descobriu o termo MANTRA, entendido como “uma palavra ou fórmula cantada ou murmurada como um encantamento ou oração”.
Vinte anos mais tarde, ele retoma a sua própria prática e descobre a respectiva dimensão universal, particularmente relevante para a espiritualidade cristã contemporânea.
Por volta de 1975 tornam-se populares no ocidente várias formas de meditação oriental, com particular relevo para a Meditação Transcendental. É assim que a expressão mantra entra no vocabulário comum.
Hoje a palavra Mantra é definida como “texto ou passagem sagrada” . (...)
Muitas pessoas ao verem a palavra mantra relacionada com a oração cristã, sentem-se confusas e duvidosas por causa da sua ligação com a cultura oriental. Porém, desde que John Main a adotou como uma expressão
cristã, tem vindo a ser cada vez mais utilizada pelos cristãos, podendo mesmo afirmar-se hoje, que a palavra já integra o vocabulário da
espiritualidade cristã.
Do mesmo modo, a expressão “meditação”, que remete para as raízes da tradição cristã, deve ser entendida e recuperada a partir do seu significado original, imbuído da dimensão contemplativa. Para muitos cristãos a meditação limita-se a ser uma forma de oração mental, que recorre ao pensamento e à imaginação a partir da leitura da Sagrada Escritura. Esta é uma forma válida de oração.
A “meditação” que, na sua forma original, conduzia a uma forma de oração contemplativa, silenciosa, não discursiva, e sem imagens, tornou-se hoje popular no ocidente através da divulgação de métodos de espiritualidade oriental. O desafio lançado por John Main foi o de recuperar e reintegrar o pleno significado da palavra “meditação” no universo cristão.
Há assim duas novas razões que justificam o uso da expressão mantra. Em primeiro lugar o fato de ela ter hoje uma utilização universal e ser facilmente entendida num contexto cristão. Em segundo lugar, aqueles que contactam pela primeira vez com a dimensão contemplativa da oração, podem necessitar de uma cuidadosa reflexão e discussão. Ao serem encorajados a refletir sobre o significado das expressões mantra e “meditação”, os cristãos modernos
sentem-se estimulados a entender e a recuperar a dimensão contemplativa da sua fé e da sua vida de oração. (...)
A expressão mantra poderá ter de ser explicada como a utilização da expressão “palavra de oração” em vez de mantra. Depois, ao recomendar uma palavra específica – por exemplo, Jesus, ou Abba ou maranatha; “mantras ou palavras sagradas utilizados pelos cristãos primitivos”.
Sensível a este contexto, a experiência da Meditação Cristã, aponta para que a utilização do termo mantra não é de modo algum impeditiva de se progredir na transmissão destes ensinamentos. O maior desafio está em fazer entender, àqueles que têm hábitos de oração sacramental, como podem aceder ao entendimento profundo da oração do coração ou oração contemplativa, a partir da sua própria prática.
Apesar de para algumas pessoas o termo mantra fazer alguma confusão, ao serem ajudadas a entender o seu significado, poderão mais facilmente assimilar o sentido da meditação enquanto forma de aceder ao silêncio de Cristo, que está para além das palavras, pensamentos e imagens.
Isto mesmo está expresso na oração de abertura que John Main compôs para a meditação Cristã:“Pai do Céu, abre o meu coração à presença silenciosa do Espírito do Teu Filho. Conduz-me ao silêncio misterioso onde o Teu amor é revelado a todos que clamam maranatha, “Vem Senhor Jesus”.
*Hesychia - é um processo de recolhimento interior que implica em se aceder a uma experiência de ”visão de Deus”. Pressupõe uma atitude de espectador, de quietude e passividade, fazendo apelo às faculdades contemplativas. A beleza ou Deus serão o foco dessa atitude - o ato de observar com os “olhos do coração”.
Padre Laurence Freeman em Mantras na Meditação Cristã
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