autoconhecimento
Pode haver contato entre um homem livre e outro aprisionado?
Pode haver relações enquanto há separação, divisão? Pode haver relações com outrem, quando não há contato, não apenas físico, mas também em todos os níveis do nosso ser? Podemos estar segurando a mão de uma pessoa e dela estar a mil léguas de distância, absortos em nossos próprios pensamentos e problemas. Podemos nos achar num grupo e ao mesmo tempo estar dolorosamente sós. Assim, perguntamos: pode haver alguma espécie de relação com a árvore, a flor, o ente humano, ou com o céu e o belo pôr do sol, quando a mente, com suas atividades, está se se isolando a si própria?(...) cada um vive dentro de sua própria teia, você na sua, a outra pessoa na dela. Haverá alguma possibilidade de nos libertarmos dessa teia? Essa teia, essa mortalha, esse invólucro, é a palavra? Constitui-se esse invólucro de seu interesse em si mesmo e do interesse da outra pessoa em si própria, de seus desejos, opostos aos dela? Essa cápsula é o passado? É tudo isso junto, você não acha? Não é uma coisa que a mente está levando, porém um feixe inteiro. Você leva a sua própria carga, e o outro a sua. Podemos, em algum tempo, largar essas cargas, a fim de que a mente se encontre com a mente, o coração com o coração? Eis a questão real, você não acha?
(...) Você pode se identificar com aquele aldeão ou com aquela chamejante buganvília — sendo isso um truque mental para simular a unidade. A identificação com alguma coisa é um dos estados mais hipócritas que há. Identificar-se com uma nação, com uma crença e, contudo, continuar só, é uma das maneiras favoritas de enganar a solidão. Ou, tão completamente você se identifica com sua crença, que você é a crença; e esse é um estado neurótico. Ora, coloquemos de lado esse impulso para nos identificar com uma pessoa, ideia ou coisa. Assim, não há harmonia, unidade, amor. A outra questão, portanto, é esta: Você pode se libertar do invólucro, de maneira que ele deixe de existir? Só então haveria possibilidade de contato total. Como podemos nos libertar desse invólucro? Esse “como” não significa método, porém, antes uma indagação que poderá nos abrir a porta.
(...) Rasgamos o invólucro pedaço por pedaço ou o rompemos e dele saímos imediatamente? Se o rasgamos pedaço por pedaço — como certos analistas dizem fazer — esse trabalho nunca terá fim. Não é por meio do tempo que se pode destruir essa separação.(...) Não é você o próprio invólucro?(...) O próprio movimento para você penetrar no outro invólucro, ou estender-se para fora do seu, é determinado por seu próprio invólucro: você é o invólucro. Você é, portanto, o observador do invólucro e é também o próprio invólucro. Nesse caso, você é o observador e a coisa observada; o mesmo é ele — e nisso ficamos. E você tenta alcança-lo e ele tenta alcança-lo. É possível isso? Você é a ilha cercada pelo mar, e ele também é a ilha cercada pelo mar. Veja que você é tanto a ilha como o mar; não há separação entre ambos; você é a terra inteira com o mar. Por conseguinte, não há divisão em “a ilha” e “o mar”. A outra pessoa não vê isso. Ele é a ilha cercada pelo mar; tenta alcançar você, ou você, se é bastante desatinado, tenta alcança-lo. Isso é possível? Como pode haver contato entre um homem livre e outro que está aprisionado? Visto que você é o observador e a coisa observada, você é o inteiro movimento da terra e do mar. Mas, a outra pessoa, que não compreende isso, continua a ser a ilha cercada de água. Ele tenta alcançar você, mas nunca consegue, porque mantém o seu estado isolado. Só depois de deixa-lo e, como você, estar aberto ao movimento do céu, da terra e do mar, poderá haver contato. Aquele que vê que a barreira é ele próprio, não terá mais nenhuma barreira. Por conseguinte, ele, em si próprio, não é separado. O outro não percebeu que ele próprio é a barreira e, por isso, mantém a crença na sua separação. Como pode esse homem alcançar o outro? Impossível.
(...) Há o espaço entre isso que a mente chama o invólucro por ela criado, e ela própria. Há espaço entre o ideal e a ação. Nesses diferentes fragmentos de espaço entre o observador e a coisa observada, ou entre as diferentes coisas que ele observa, acham-se todo o conflito e luta, e todos os problemas da vida. Há separação entre o meu invólucro e o invólucro de outrem. Nesse espaço está toda a nossa existência, todas as nossas relações e nossa luta.
(...) O que é espaço? Há espaço entre você e seu invólucro, espaço entre o outro e o seu invólucro, e há espaço entre os dois invólucros. Todos esses espaço se deparam ao observador. De que são feitos eles? Como se tornam existentes? Qual a qualidade e natureza desses espaços divididos? Se pudéssemos remover esses espaços fragmentários, o que aconteceria? (...) Quando esse espaço desaparece de fato — não verbal ou intelectualmente, porém desaparece realmente, há completa harmonia, união entre você e o outro. Nessa harmonia, você e ele deixam de existir e há apenas aquele vasto espaço que jamais pode ser fragmentado. A limitada estrutura da mente deixa de existir, porque a mente é fragmentação.
(...) Certifique-nos de que ambos compreendemos a mesma coisa quando empregamos a palavra “espaço”. Há o espaço físico entre pessoas e coisas, e há o espaço psicológico entre pessoas e coisas. E há também o espaço entre a ideia e o real. Tudo isso, pois, o físico e o psicológico, é espaço, mais ou menos limitado e definido. Não estamos agora tratando do espaço físico. Estamos falando do espaço psicológico existente entre pessoas e o espaço psicológico existente no próprio ente humano, em seus pensamentos e atividades. Como se torna existente esse espaço? Ele é fictício, ilusório, ou é real? Sinta-o, fique consciente dele, certifique-se de que não tem dele apenas uma imagem mental, lembrando-se de que a descrição nunca é a coisa. Certifique-se de que você sabe do que estamos falando. Fique bem consciente de que esse limitado espaço, essa divisão, existe em você; não se afaste daí, se não o compreender. Ora, como se torna existente esse espaço?(...) Não explique nada, vá penetrando cuidadosamente. Estamos perguntando como esse espaço se tornou existente. Não apresente nenhuma explicação ou causa, porém “fique” com esse espaço, e sinta-o. Então, a causa e a descrição terá pouquíssima significação e nenhum valor. Esse espaço se tornou existente por causa do pensamento, que é o “eu”, e da palavra, que é a divisão. O próprio pensamento é essa distância, essa divisão. Está sempre a se fragmentar e a criar divisão. O pensamento sempre divide em fragmentos aquilo que ele observa no espaço — em você e eu, seu e meu, eu e meus pensamentos, etc. Esse espaço que o pensamento criou entre as coisas que observa, se tornou real; e é esse espaço que se separa. Procura então o pensamento lançar uma ponte sobre essa separação, iludindo dessa maneira a si próprio, na esperança de alcançar a unidade.
(...) Percebendo-se a verdade sobre a natureza do pensamento e de suas atividades, o pensamento se torna quieto. Com o pensamento quieto — não, colocado quieto — existe espaço?(...) A mente se acha agora em perfeita harmonia, não fragmentada; o espaço limitado deixou de existir, e só há espaço. Quando a mente está de todo quieta, há a vastidão do espaço e do silêncio... Esse silêncio é bem-aventurança.
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