Sobre o cultivo da memória
autoconhecimento

Sobre o cultivo da memória


Ensinaram-nos desde a infância a cultivar a memória. A memória é essencial, num determinado nível da existência; entretanto, a memória não nos fornece a verdadeira solução de nenhum problema; ela é tão somente capaz de traduzir o problema em conformidade com sua própria condição, sua própria experiência.(...) Nessas condições, nunca receberão a experiência com a mente não condicionada; e a mente condicionada, ao criar um padrão, uma norma de ação, cria mais problemas, maiores sofrimentos e desgraças.

(...) A vida é um processo de imitação. A própria linguagem que estou usando é resultado da imitação, de cultivo da memória e do conhecimento. O adquirir informações é um processo de imitação.(...) Reconheço que a memória, a experiência, o saber são coisas essenciais em certos níveis de nossa existência; porque, se eu não soubesse fazer uso da linguagem, não teria possibilidade de comunicar-me com ninguém.

(...) Temos aqui um problema dificílimo; a mente está cultivando a memória há séculos e séculos, e ela é o único instrumento de que dispomos. E desse instrumento temos feito uso para resolver nossos problemas. Endeusamos o intelecto (não se entenda, todavia, que devemos nos tornar sentimentais, ou devotos, ou desordenados). É muito difícil enxergar as limitações da mente. Dificílimo perceber que os nossos problemas não podem ter solução por intermédio da mente, por intermédio do "processo" do pensamento, uma vez que o pensamento é sempre condicionado. Não há liberdade de pensamento, visto que o pensamento, que é memória, que é o resultado de várias experiências passadas, é condicionado, limitado; e esse pensamento, quando aplicado a resolver os nossos problemas, só pode aumentá-los e acrescentar-lhes novos problemas. Posso perceber a verdade a respeito do pensamento condicionado e deixar que ocorra uma revolução no nível inconsciente? Porque, no nível inconsciente, não há limitação, não há ajustamento, uma vez que, lá, a mente não interfere, buscando resultado; lá, a mente não se esforça, não recalca, não procura tornar-se alguma coisa; lá, ela está apenas presente. A mente pode compreender o que é a Verdade. A Verdade não é processo de análise, nem a simples observação do conhecimento. Mas a verdade só pode ser compreendida no nível inconsciente, com a mente muito tranquila, não interferindo, não traduzindo. Se percebemos isso fundamentalmente, veremos que há, aí, uma transformação radical da nossa maneira de pensar. Entretanto, como disse, a mente foi exercitada para interferir, para buscar sempre, ativamente, um resultado. É só no nível inconsciente que se pode encontrar o Amor. E só o Amor é capaz de efetuar uma revolução.

(...) Ora, sem dúvida o percebimento da Verdade não depende de nenhuma crença; pelo contrário, as crenças atuam como obstáculos ao percebimento da Verdade. Um homem que crê, que está preso ao dogma, não conhecerá nunca o Real. Jamais conhecerá aquele estado de êxtase do amor. O dogma, a crença, e a experiência são-lhe empecilhos; porque a experiência nada mais é do que conservação da memória. Um homem bem "adubado" de memória, experiência, saber, nunca descobrirá Deus; tão pouco o homem que professa continuamente a sua crença em Deus, é capaz de encontrar a Realidade. A Realidade não se manifesta senão quando a mente está tranquila, quando não é compelida, coagida, disciplinada. Quando a mente está tranquila, há, então, no nível inconsciente, revolução.

Jiddu Krishnamurti — Autoconhecimento — Base da Sabedoria





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