Por que não abandonamos o poço do conhecimento e explicações?
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Por que não abandonamos o poço do conhecimento e explicações?


K: (...) Pode a mente humana dizer o seguinte: está bem, tentamos tudo isso — Marx, Buda, todo mundo chamou atenção para uma coisa ou outra; mas evidentemente, depois de um milhão de anos, ainda estamos de certo modo presos nesse padrão — dizendo que temos que nos interessar, que devemos escutar, que temos que fazer isso, e assim por diante?

DB: Isso ainda é o tempo.

K: Sim. O que acontecerá então se eu abandonar tudo isso, abandoná-lo realmente? Não pensarei nem em termos disso. Não haverá mais explicações, ou novos desvios, que são os mesmos antigos desvios! Vamos então abandonar essa área completamente e encarar o problema de forma diferente; o problema agora é: por que sempre vivo nesse centro do "mim"? Sou um ser humano sério; ouvi tudo isso e depois de decorridos cinqüenta anos conheço todas as explicações — o que deveria fazer, o que não deveria fazer, etc. Posso dizer: está bem, eu me descartarei disso tudo? Isso significa que ficarei completamente sozinho. Isso leva a algum lugar?

DB: Sim, possivelmente.

K: Acho que isso leva efetivamente a algum lugar.

DB: Parece-me que basicamente está dizendo que devemos deixar para trás todo esse conhecimento da humanidade.

K: É isso que estou dizendo.

DB: Aparentemente isso está fora de seu lugar.

K: Sim. Abandonem todo o conhecimento, todas as experiências e explicações que o homem criou — joguem fora tudo isso.

I: Mas ainda somos deixados com a mesma mente.

K: Ah! Eu não possuo essa mente. Não é a mesma mente. Quando eu abandonar tudo isso, minha mente terá mudado. Minha mente será isto.

I: Não, não seria a mente também a estrutura básica?

K: Da qual eu me descartei.

I: Mas você não pode jogar isso fora.

K: Posso sim.

I: Estou me referindo a este organismo.

K: Espere um minuto. O meu organismo foi moldado pelo conhecimento, pela experiência, e pelo conhecimento adicional que adquiri enquanto eu evoluía, enquanto eu crescia. À medida que eu acumulava cada vez mais conhecimento, eu ficava mais forte, e tenho percorrido esse caminho por milênios. Eu digo então: talvez eu tenha que olhar para esse problema de um modo totalmente diferente — que não significa em absoluto percorrer esse caminho, e sim abandonar todo o conhecimento que adquiri.

DB: Nesta área, neste local psicológico.

K: Psicologicamente, é claro.

DB: Na essência, na fonte, o conhecimento é irrelevante.

K: Sim.

DB: Mais adiante ele se torna relevante.

K: Naturalmente. Isso está entendido.

I: Mas eu tenho uma pergunta. A mente no início da sua evolução estava nessa mesma posição. A mente no começo de seja o que for que chamamos de homem estava nessa posição.

K: Não, eu não aceito isso. Por que você faz essa afirmação? No momento em que a mente passa a existir, ela já é capturada pelo conhecimento. Você concordaria?

DB: Acho que está implícito na estrutura do pensamento.

K: Exatamente.

DB: Em primeiro lugar, ter conhecimento do exterior, e depois aplicar esse conhecimento ao interior, sem compreender que iria ficar presa nele. Conseqüentemente, ela estendeu esse conhecimento para a área de transformação psicológica.

I: Bem, se a mente começasse novamente, ela iria cometer de novo o mesmo erro.

K: Não, certamente que não.

I: A não ser que ela tenha aprendido.

K: Não, eu não quero aprender. Você ainda está seguindo o mesmo caminho antigo. Eu não quero aprender. Por favor, permita-me entrar um pouco nisso.

DB: Devemos esclarecer isso, porque em outras ocasiões você disse que é importante aprender, até a respeito da auto-observação.

K: Naturalmente.

DB: Agora você está dizendo uma coisa bastante diferente. Devemos esclarecer por que é diferente. Por que abandonou a noção de aprendizado nesta etapa?

K: Nesta etapa, fiz isso porque ainda estou acumulando memória.

DB: Mas houve um estado em que era importante aprender sobre a mente.

K: Não volte atrás. Estou apenas começando. Eu vivi sessenta, oitenta, ou cem anos. E eu escutei tudo isso — os mestres na Índia, os cristãos, os maometanos; eu ouvi todas as explicações psicológicas, até Freud, Marx, e todos os outros.

DB: Acho que poderíamos ir um pouco mais adiante. Concordamos em que tudo isso é material negativo, mas além disso, talvez eu tenha me observado, e aprendido a meu respeito.

K: A seu respeito, sim, acrescente isso; e, no final, eu digo que essa talvez seja uma maneira errada de encarar a coisa.

DB: Certo. Depois de termos explorado desse modo, finalmente somos capazes de ver que ele talvez esteja errado.

K: Talvez.

DB: Bem, eu diria que de certo modo talvez fosse necessário investigar dessa maneira.

K: Ou não fosse necessário.

DB: Talvez possa não ter sido, mas devido ao conjunto global de condições, isso estava fadado a acontecer.

K: Naturalmente. Chegamos agora ao ponto em que digo: abandonemos — vamos introduzir essa palavra — todo esse conhecimento, porque ele não me conduziu a nenhum lugar, no sentido de que não fiquei livre do meu egocentrismo.

DB: Mas isso sozinho não é suficiente porque se você afirma que se isso não funcionou, pode sempre esperar ou supor que possa. Mas, na verdade, podia perceber que não pode funcionar.

K: Não pode funcionar. Tenho certeza disso.

DB: Não basta dizer que não funcionou; na verdade não pode, efetivamente, funcionar.

K: Não pode funcionar porque está baseado no tempo e no conhecimento, que é o pensamento; e essas explicações estão baseadas no pensamento — com a finalidade de adquirir conhecimento e assim por diante. Acha que é assim?

DB: Até onde avançamos nós as baseamos no conhecimento e no pensamento. Além disso, não apenas o pensamento, como também os padrões habituais de habilidade constituem uma extensão do pensamento.

K: Então, coloco essas coisas de lado, não de maneira casual, não com um interesse no futuro — mas por ver o mesmo padrão ser repetido e repetido; cores diferentes, frases diferentes, quadros diferentes, imagens diferentes — abandono tudo isso. Em vez de prosseguir para o norte, como fiz durante milênios, parei e me dirigi para o leste, o que significa que minha mente mudou.

DB: A estrutura do "mim" desapareceu?

K: Evidentemente.

DB: Sem nenhuma visão intuitiva nela?

K: Não. Não introduzirei a visão intuitiva por enquanto.

DB: Mas houve a visão intuitiva para que isso fosse feito. Quero dizer que aventar a hipótese de fazê-lo representa uma visão intuitiva. A visão intuitiva foi a coisa que funcionou.

K: Não introduzirei essa palavra.

DB: Quando afirmou que a coisa toda não funcionaria, acho que isso foi uma visão intuitiva.

K: Para mim. Percebo que ela não pode funcionar. Mas voltamos, então, em como obter a visão intuitiva e todo o resto.

DB: Mas se deixarmos isso de lado e dissermos apenas que foi uma visão intuitiva; o problema de como adquiri-la não é o que importa.

K: É uma visão intuitiva que diz "fora".

I: Fora com relação ao padrão.

K: Não, chega dessa constante transformação através da experiência, do conhecimento, de padrões. Acabou!

I: Você diria que o tipo de pensamento que ocorre depois é completamente diferente? É evidente que ainda temos que pensar.

K: Não tenho certeza.

I: Bem, pode chamá-lo de outra coisa.

K: Ah, não vou chamá-lo de nenhuma outra coisa. Entenda, eu estou apenas fazendo tentativas. Depois de viver cem anos, vejo todo mundo indicando o caminho para a extinção do eu, e vejo que isso está baseado em pensamento, em tempo, em conhecimento; e eu digo: sinto muito, eu conheço tudo isso, já usei isso. Eu tenho uma visão intuitiva com relação a isso e conseqüentemente isso desaparece. Portanto, a mente rompeu por completo o padrão. Quando deixamos de ir para o norte e nos dirigimos para o leste, rompemos o padrão.

Muitos bem. Suponhamos que o Dr. Bohm tenha essa visão intuitiva e tenha se libertado do padrão. Por favor, permita-nos ajudar outro ser humano a conseguir isso. Não diga que ele tem que estar interessado, que ele tem que escutar, e depois recuar — entende? Qual é a sua comunicação com outro ser humano, para que ele não tenha que passar por toda essa confusão? O que fará com que eu absorva tão completamente o que você disse, de modo que isso fique no meu sangue, no meu cérebro, em tudo, para que eu perceba essa coisa? O que você fará? Ou não há nada a ser feito? Entende minha pergunta? Porque se você possui essa visão intuitiva, ela é uma paixão, e não apenas uma hábil visão intuitiva; você não conseguirá permanecer quieto e relaxar; ela é uma paixão que não permitirá que fique parado; terá que se mover, dar — seja lá o que for. O que você fará? Você possui a paixão dessa imensa visão intuitiva; e essa paixão é como um rio com um grande volume de água que transborda: ela tem que avançar da mesma maneira.

Ora, sou um ser humano comum, razoavelmente inteligente, instruído, experimentado. Tentei isso, aquilo, e aquilo outro, e encontro alguém que está cheio dessa paixão, e digo: por que não o escutarei?

I: Acho que nós escutamos.

K: Escutamos?

I: Sim, acho que sim.

K: Vá bem, bem devagar. Nós escutamos tão completamente que não há resistência, não perguntamos por que, qual é a causa, por que eu deveria? Entende o que eu quero dizer? Já passamos por tudo isso. Percorremos a área continuamente, para trás e para frente, de lado a lado, norte, sul, leste, e oeste. Então, "X", se aproxima e diz: veja, eis aqui um modo de vida diferente, uma coisa totalmente nova; o que significa escutar completamente.

I: Se houver alguma resistência não a percebemos.

K: Não comece novamente a questionar por que você resiste. Eu lhe mostrarei sua resistência, falando. Mas ainda assim você volta.

I: Krishnaji, sua pergunta inicial não foi além disso, quando pediu que parássemos de escutar e que abandonássemos a racionalidade e o pensamento?

K: Sim, mas isso é apenas uma idéia. Você fará isso? "X" se aproxima e diz: "Olhe, coma isto".

I: Eu comeria se pudesse vê-lo.

K: Oh, sim, você pode vê-lo, muito claramente. Nós dissemos, não volte ao padrão. Veja! Você diz então: como vou ver o que é o antigo padrão? Veja apenas! "X" recusa-se a entrar nesse padrão.

I: No padrão da explicação?

K: Do conhecimento, de tudo isso. Ele diz: aproxime-se, não volte.

I: Krishnaji, quero falar sobre uma situação que costuma acontecer no mundo: há várias pessoas que pedem a outras, com palavras semelhantes a essas, que vejam, que coloquem o pensamento de lado; afirmam que se realmente olharmos para essa coisa nós a veremos. É isso que os padres nos dizem. Qual é a diferença, então?

K: Não, não sou um padre. Abandonei tudo isso. Deixei a igreja, os deuses, Jesus, os Budas, os Krishnas, desisti disso tudo, de Marx, de Engels, de todos os analistas, de todos os pânditas, de todo mundo. Veja bem, você não fez isso. Ah, você diz, não, eu não posso fazê-lo até que me mostre que existe alguma coisa além disso. E "X" diz: "sinto muito". Isso faz algum sentido?

DB: Sim. Acho que dizemos: deixe todo o conhecimento para trás; mas o conhecimento adota muitas formas sutis que não percebemos.

K: Naturalmente. Você está inundado por essa visão intuitiva e rejeitou todo o conhecimento por causa disso. Outras pessoas, porém, continuam a brincar com o poço do conhecimento, e você lhes diz que o abandonem. No momento em que começamos a explicar, voltamos ao jogo; portanto, você se recusa a fornecer explicações.

Veja, as explicações representavam o barco que possibilitaria a travessia para a outra margem, mas o homem nessa outra margem diz que não existe um barco. "X", porém, diz: atravesse! Ele está pedindo uma coisa impossível, não é verdade?

DB: Se isso não ocorrer imediatamente, então é impossível.

K: Certamente. Ele está pedindo uma coisa impossível. Encontro-me com "X", que é inabalável. Tenho que circundá-lo, evitá-lo, ou passar por cima dele. Não posso fazer nada disso. "X", porém, não me deixará em paz, no sentido de que encontrei algo imóvel; e essa coisa está ali comigo noite e dia. Não posso lutar contra ela porque não existe nada que eu possa segurar.

O que ocorre comigo, então, quando encontro uma coisa que é completamente sólida, inabalável, totalmente verdadeira? O que ocorre comigo? É esse o problema? O fato de nunca termos encontrado uma coisa assim? Podemos escalar as montanhas do Himalaia, mas o Everest estará sempre ali. Do mesmo modo, talvez os seres humanos nunca tenham encontrado uma coisa inabalável. Algo absolutamente imóvel. Ou ficamos terrivelmente intrigados com isso, ou dizemos que não podemos fazer nada a respeito do assunto. Nós nos afastamos dessa coisa; ou ela é algo que temos que investigar — você sabe — que devemos capturar. Qual dos dois?

Temos aqui uma coisa sólida. Defronto-me com ela. Como disse, poderei afastar-me dela, o que geralmente faço, ou adorá-la; ou tentar entender o que ela é. Quando eu faço todas essas coisas estou de volta ao antigo padrão, e portanto eu me descarto disso. Quando encontro "X", que é inabalável, vejo qual é a sua natureza. Sou móvel, como um ser humano, mas "X" é inabalável. O contato com ele faz alguma coisa, tem que fazer. Não é algo místico, oculto, mas é simples, não é verdade?

I: Senhor, ele funciona como um ímã, mas não rompe nada.

K: Não, porque você não abandonou o padrão. Não é culpa de "X".

I: Não disse que era.

K: Não, estava subentendido. Conseqüentemente, você está de volta, está dependente.

I: O que está ocorrendo?

K: Estou dizendo, você encontra "X"; o que acontece? 

I: Você disse, um esforço para entender.

K: Ah, aí está; você está perdido. Está de volta ao mesmo antigo padrão. Você o vê, sente-o, conhece-o, reconhece-o. Não importa que palavra use, ele está aí.

DB: Bem, não poderíamos dizer que "X" transmite a necessidade absoluta de não voltarmos ao antigo padrão, porque percebemos que ele em absoluto não funciona.

K: Sim, coloque-o em suas próprias palavras. Está bem.

DB: E conseqüentemente isso é inalterável, inabalável — é isso que quer dizer?

K: Sim, sou móvel; "X" é imóvel.

DB: Bem, o que está por trás de "X", o que está atuando em "X" é inabalável. Não diria isso?

K: O que está atuando é no início, naturalmente, uma espécie de choque. Avancei, avancei, avancei, e então encontrei uma coisa imóvel. Obviamente, de repente, algo acontece. Podemos perceber o que está ocorrendo. "X" não está se transformando, e eu estou me transformando. Além disso, "X" eliminou as explicações e todo o resto, e ele mostra que a transformação é dolorosa. (Estou colocando as coisas resumidamente, em poucas palavras.) E eu encontro essa coisa, ocorre então a sensibilidade — está bem, vamos colocar isso de outra maneira. As explicações e a rejeição de todas as explicações tornaram-me sensível e muito mais alerta. Quando eu encontro uma coisa como "X", ocorre naturalmente uma resposta que não está relacionada com a explicação ou o entendimento. Ocorre uma resposta a isso. Ela não pode deixar de acontecer. Explicações foram fornecidas repetidamente. Eu escutei, mas ou elas me tornam apático, ou começo a perceber que as explicações não têm qualquer valor. Assim, nesse processo, tornei-me extremamente sensível com relação a qualquer explicação. Fiquei alérgico!

Existe um perigo nisso também, porque, como sabemos, as pessoas dizem que quando vamos ao guru ele dá, e que portanto devemos ficar silenciosos para recebermos. Isso é uma ilusão. Bem, já disse o bastante.

DB: Poderia dizer apenas que quando percebemos que todo esse processo de tempo, de conhecimento, e de tudo mais, não funciona, esse processo pára, e que isso nos torna mais sensíveis — certo?

K: Sim, a mente torna-se perspicaz.

DB: Toda essa movimentação estava atrapalhando.

K: Sim, psicologicamente, o conhecimento nos tornou apáticos.

DB: Ele manteve o cérebro funcionando de uma maneira desnecessária.

I: Todo o conhecimento?

DB: Bem, não. Poderíamos dizer que em certo sentido o conhecimento não precisaria torná-lo apático, suponho, se ele partir da pureza onde não temos esse conhecimento na essência...

K: Sim. Lembre-se que também dissemos, nas nossas conversas, que a base não é o conhecimento.

DB: Veja bem, em primeiro lugar, a mente cria o vazio.

K: Exatamente.

DB: Mas não ainda a base, não imediatamente a base.

K: Isso mesmo. Veja, já abordamos tudo isso; escuto isso numa fita, está escrito num livro, e digo que sim, que entendo. Quando leio, obtive a explicação, adquiri conhecimento. Então digo: tenho que ter isso.

DB: O perigo está em que existe uma grande dificuldade em transmitirmos isso num livro porque é excessivamente rígido.

K: Mas é isso que geralmente acontece.

DB: Acho, porém, que o ponto principal, que poderia transmiti-lo, é percebermos que o conhecimento, em todas as suas formas, sutis e óbvias, não pode solucionar o problema psicológico; ele só pode torná-lo pior; existe, porém, outra energia que está envolvida.

K: Vê agora o que está acontecendo? Se surge qualquer problema, vou a um psicólogo. Em qualquer perturbação familiar, procuro alguém que me dirá o que fazer. Tudo à minha volta está sendo organizado, e tornando-me cada vez mais desamparado. É isso que está acontecendo.

10 de abril de 1980, Ojai, Califórnia

Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO





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