autoconhecimento
Por que temos tanto medo de estar sem nada a fazer?
É bastante óbvio que a maioria de nós está intelectualmente confusa. Vemos que os chamados guias ou chefes, em todos os setores da vida, não têm uma solução completa para as nossas várias questões e problemas. Os numerosos e antagônicos partidos políticos da direita ou da esquerda não parecem ter encontrado a solução correta para as nossas dissenções nacionais e internacionais, e vemos também, socialmente, processar-se uma destruição completa dos valores morais.
Tudo em torno de nós parece desintegrar-se: os valores morais e éticos tornaram-se simples questão de tradição sem sentido. A guerra, o conflito entre a direita e a esquerda, parece um fator constante e frequente nas nossas vidas; por toda a parte vê-se destruição, confusão. Dentro de nós estamos completamente confusos, embora não gostemos de admiti-lo; vemos confusão em todas as coisas, e não sabemos ao certo o que devemos fazer.
A maioria de nós, reconhecendo esta confusão, esta incerteza, deseja fazer alguma coisa, e quanto mais confusos nos achamos, tanto mais ansiosamente desejamos agir. Assim, para aqueles que já reconheceram que existe confusão neles próprios e em redor de si, a ação se torna extremamente importante. Mas se um homem está confuso, como pode agir? Tudo o que ele faça, qualquer que seja o seu método de ação, há de ser confuso, e essa ação criará, naturalmente, infalivelmente, maior confusão.
Seja qual for o partido, a instituição ou organização a que pertença, enquanto não afastar de si a confusão, tudo o que ele fizer há de, necessariamente, produzir caos maior. Que deve fazer então? Que deve fazer um homem que sente sincero empenho, um desejo sincero de dissipar a confusão que há em si e ao redor de si? Qual o seu primeiro dever: agir, ou dissipar a confusão dentro de si, e, portanto, fora de si?
Ora, nós tememos estar inativos; e recolher-se por um período de tempo para estudar todo o problema requer extraordinária inteligência. Se vocês se recolhessem por algum tempo para considerar, reapreciar o problema, seus amigos, seus camaradas, lhes considerariam um "escapista". Vocês se tornariam inexistentes, socialmente não estariam em parte alguma. Se quando todos agitam bandeiras e você não o faz, se quando todos colocam um determinado boné e você não usa esse boné, você se sente esquecido; e como a maioria de nós não gosta de ficar no segundo plano, nos atiramos à ação.
Assim, é muito importante compreender o problema da ação e da inação. Não é necessário ficar inativo, para considerar o problema no seu todo? É claro que precisamos continuar a atender à nossa diária responsabilidade de ganhar a subsistência: todas as coisas necessárias têm de continuar.
Mas as organizações políticas, religiosas, sociais, os grupos, as comissões, etc. etc. — há necessidade de pertencermos a elas? Se temos muito empenho, não é necessário que reconsideremos, que tornemos a analisar todo o problema da existência? E para tal, não é necessário, por ora, que nos afastemos, a fim de estudar, ponderar, meditar? Esse afastamento não é, verdadeiramente, ação? Nessa chamada inação há a extraordinária ação de reconsiderar toda a matéria, de reapreciar, de meditar sobre a confusão em que vivemos. Por que temos tanto medo de estarmos inativos? É inação considerar novamente um problema? Claro que não.
Sem dúvida, quem está evitando a ação é o homem que está ativo, sem ter reconsiderado o problema. Esse é que é o verdadeiro "escapista". Está confuso, e para escapar à sua confusão, à sua insuficiência, atira-se à ação, ingressa numa sociedade, num partido, numa organização. Está, na realidade, fugindo ao problema fundamental, que é a confusão. Estamos, pois, empregando mal as palavras.
O homem que se atira à ação sem reconsiderar o problema, pensando que vai reformar o mundo com o simples ingressar numa sociedade ou partido — esse homem é que está criando maior confusão e maiores desditas; enquanto o homem a que chamam inativo porque se retira e estuda seriamente o problema — não há dúvida de que esse homem está muito mais ativo.
Nos nossos tempos, principalmente, em que todo o mundo se acha à beira do precipício e acontecimentos catastróficos estão se verificando, não se torna necessário que uns poucos, pelo menos, fiquem inativos, e, deliberadamente, não se deixem colher por esta máquina, esta máquina atômica da ação, que nada produz a não ser maior confusão, maior caos? Certo, os que têm empenho hão de retirar-se, não da vida, não das atividades diárias, mas retirar-se a fim de descobrir, estudar, explorar, investigar a causa da confusão; e para perceber , descobrir, explorar, não há necessidade de aderirmos aos numerosos planos e esquemas do que uma nova sociedade deveria ou não deveria ter.
Tais planos, evidentemente, são inúteis de todo; porque o homem que está confuso e só cuida de colocar em prática certos planos, ocasionará maior confusão. Por conseguinte, como tenho dito e redito, o que mais importa, se desejamos compreender a causa da confusão, é o autoconhecimento. Sem compreendermos a nós mesmos, não pode haver ordem no mundo; sem explorarmos a fundo o processo do pensamento, do sentimento e da ação, em nós mesmos, nunca haverá possibilidade de paz mundial, de ordem e segurança.
Krishnamurti em, A ARTE DA LIBERTAÇÃO
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