Qual a diferença entre o selvagem e o homem civilizado? O selvagem — e uso a expressão em seu sentido literal — pinta o seu corpo, orna-se de penas e contas e usa outros métodos molestos para se adornar externamente. O homem aparentemente civilizado, tem as complicações da beleza interior; tem suas penas mentais, suas pinturas emocionais; suas inúmeras contas doutrinais. O homem civilizado do mundo, poderá não adornar o seu corpo à maneira bárbara do selvagem; somente não o mostra exteriormente. Mas o homem verdadeiramente está pra além de todos os adornos, para além de todas as complicações, e, para sua beleza, não depende de coisas externas, porque alcançou a simplicidade da vida.
Por homem civilizado não entendo o homem que haja dominado o maquinismo da vida moderna.
A civilização é o resultado dessa cultura que constitui a expressão destrutiva da percepção individual da verdade.
Um homem civilizado, antes de mais nada, nada deve pedir para si mesmo, seja de quem for e nada deve querer para si mesmo. Este é o primeiro requisito de acordo com o meu ponto de vista, para um homem civilizado, um homem culto. Se, portanto, nada deve pedir de outrem, isto significa que ele é um padrão para si próprio, uma luz para si mesmo, e, portanto, não lançará sombras no caminho de outrem.
Não se acha limitado pelo medo, ou pela autoridade externa, pelo temor de um deus desconhecido, por superstição, por tradições, pois, desde o momento em que o homem confie em outrem, a sua percepção da verdade diminuirá.
Portanto, ele deve ser guiado pela intuição, que é o ápice da inteligência — por inteligência entendo a ação completa no presente, a ausência de toda a experiência e desta vem a intuição. E, se quiserem despertar essa intuição que necessariamente, deve ser o único guia e influência única, devem conservar entusiasticamente desperta a inteligência de vocês. Daí, um homem civilizado, um homem culto, deve ser tolerante, deve ser capaz de discernir qualquer assunto imparcialmente, sem preconceitos, deve ser despido de travas, capaz de exame crítico de algo novo, antes de rejeitá-lo ou descartá-lo. A maioria das pessoas no mundo são dominadas pelo medo, medo do desconhecido, medo da superstição, medo do preconceito, medo dos desejos, medo dos deuses, medo das crenças, dos sistemas, das filosofias. Um homem civilizado ou culto não deve ter medo, pois eu afirmo que o homem verdadeiramente culto, no sentido próprio do termo, que estou usando, é a forma mais elevada de conquista espiritual. Tal homem verdadeiramente conseguiu; tal homem, na verdade, recebeu em seu coração, as águas da vida. E assim, como as águas vagueiam, assim vagueia ele no mundo, nada desejando, nada temendo, nada querendo para si mesmo. E só se pode chegar a isto, se se tiver por meta como árbitro final, como final autoridade.
Tal homem é simples, é puro. É lúcido e calmo como a montanha pela manhã, pois chegou ao ponto onde está absolutamente livre de toda a experiência, por ter passado através de todas elas. Tal homem preencheu a sua vida, pois deixou a vida pintar o quadro que deseja; nem ele, pela estreiteza, pelas suas limitações, deturpou e corrompeu a vida.
Se considerarem seus pensamentos e os atos deles originados, verificarão, que, onde existir o desejo de fuga, deverá coexistir a busca de segurança; porque encontram conflito na vida com todas as suas ações, suas afeições, seus pensamentos; dele desejam escapar para uma segurança satisfatória, uma permanência. Assim, toda a ação de vocês se acha baseada nesse desejo de segurança. Mas realmente, não há segurança na vida — nem física, nem intelectual; nem emocional, nem espiritual.
Se vocês se sentirem seguros, jamais poderão encontrar essa realidade vivente.
Na vitalidade da insegurança, reside o eterno.
Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK