Relato de krishnamurti de sua experiência decisiva
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Relato de krishnamurti de sua experiência decisiva


Carta escrita por Krishnamurti em 17 de agosto, onde relata ter passado pela experiência que foi o ponto decisivo, a qual lhe modificou a vida.

Desde que deixei a Austrália pensei na mensagem que o Mestre K.H. me enviou enquanto estive lá e deliberei sobre ela. Eu queria, naturalmente, cumprir essas ordens o mais depressa que pudesse e, até certo ponto, não tinha muita certeza quanto ao melhor método de alcançar os ideais que me haviam sido propostos. Não creio que se passasse um dia sem que eu pensasse um pouco sobre isso, mas envergonho-me de dizer que tudo se fez da maneira mais casual e com certa negligência.

Pois bem, desde o dia 3 de agosto comecei a meditar, regularmente, por trinta minutos, todas as manhãs. Para meu espanto, constatei que eu era capaz de concentrar-me com muita facilidade e, dali a poucos dias, principiei a ver claramente onde falhara e onde estava falhando. Sem perda de tempo, conscientemente, pus-me a anular todas as acumulações erradas dos anos passados. Com a mesma deliberação entrei a procurar modos e meios de atingir meu objetivo. Primeiro que tudo, compreendi que eu tinha de harmonizar todos os meus outros corpos com o plano búdico [o plano mais elevado da consciência] e, para produzir essa feliz combinação, tinha de descobrir o que meu ego desejava no plano búdico. A fim de harmonizar os vários corpos eu precisava mantê-los vibrando no mesmo ritmo do búdico e, para consegui-lo, tinha de averiguar qual era o interesse vital do búdico. Com uma felicidade que me espantou, verifiquei que o principal interesse nesse plano elevado era servir o Senhor Maitreya e os Mestres. Com essa idéia clara em minha mente física, cumpria-me dirigir e controlar os outros corpos para agirem e pensarem como no nobre plano espiritual. Nesse período de menos de três semanas, concentrei-me para reter na mente a imagem do Senhor Maitreya durante o dia inteiro, e não me foi difícil fazê-lo. Descobri que eu estava ficando mais calmo e mais sereno. Todo o meu modo de ver a vida se modificou.

Depois, no dia 17 de agosto, senti uma dor aguda na nuca e precisei reduzir minha meditação para quinze minutos. Em lugar de melhorar, como eu esperava, a dor piorou. O clímax foi atingido no dia 19. Eu não podia pensar, nem fazer o que quer que fosse, e meus amigos obrigaram-me a ir para a cama. Em seguida fiquei inconsciente, embora me advertisse muito bem de tudo o que estava acontecendo à minha volta. Eu tornava em mim mais ou menos às doze horas, todos os dias. No primeiro em que me vi nesse estado, e mais consciente das coisas à minha volta, tive a primeira experiência extraordinária. havia um homem consertando a estrada; esse homem era eu; a picareta que ele segurava era eu; a própria pedra que ele estava quebrando era uma parte de mim; a tenra haste de relva era o meu ser, a árvore ao lado do homem era eu mesmo. Eu quase podia sentir e pensar como o homem que consertava a estrada, podia sentir o vento que passava pela árvore, e também podia sentir a formiguinha na haste da relva. Os pássaros, a poeira e o próprio ruído eram uma parte de mim. Nesse momento, um carro passava a alguma distância; eu era o motorista, o motor e os pneus; à medida que o carro se distanciava de mim, eu saía de mim mesmo. Eu estava em tudo, ou melhor, tudo estava em mim, inanimado e animado, a montanha, o verme e todas as coisas que respiram. Durante o dia permaneci nesse estado feliz. Não podia comer nada e, mais uma vez, por volta das seis horas, principiei a perder meu corpo físico e, naturalmente, o elemental¹ físico fez o que bem entendia; eu estava semiconsciente. 

A manhã do dia seguinte (dia 20) foi quase igual à do dia anterior, e não me era possível tolerar a presença de muita gente no quarto. Eu sentia as pessoas de forma curiosa e suas vibrações me davam nos nervos. Nesse entardecer, mais ou menos à mesma hora, ou seja, às seis da tarde, senti-me pior do que nunca. Eu não queria ninguém perto de mim nem queria que ninguém me tocasse. Eu estava extremamente cansado e fraco. Creio que chorava de exaustão e por falta de domínio. Minha cabeça ficou péssima e seu coruto dava a impressão de estar sendo atravessado por uma infinidade de agulhas. Enquanto eu me achava nesse estado, senti que a cama em que me deitava, a mesma em que estivera deitado na véspera, estava suja e nojenta além do que permitia a imaginação e não pude continuar deitado nela. De repente me vi sentado no chão e Nitya e Rosalind me pediam que voltasse para a cama. Pedi-lhes que não me tocassem e gritei que a cama não estava limpa. Continuei assim por algum tempo até que finalmente fui para a varanda e ali me sentei por alguns momentos, exausto, mas um pouco mais calmo. Principiei a recobrar consciência e, por fim, o Sr. Warrington me pediu para ir ficar debaixo da aroeira-mole, que se ergue perto da casa. Ali me sentei com as pernas cruzadas, na postura de meditação. Depois de ficar assim por algum tempo, senti que eu saía do meu corpo. Vi-o sentado, debaixo das delicadas folhas da árvore. Eu tinha os olhos voltados para o Leste. Diante de mim estava meu corpo e sobre minha cabeça, a Estrela, brilhante e clara. A seguir, percebi as vibrações do Senhor Buda; vi o Senhor Maitreya e Mestre K.H. Eu me sentia profundamente feliz, calmo e pacificado. Ainda via meu corpo e pairava perto dele. havia uma calma profunda, assim no ar como dentro de mim mesmo, a calma de um lago fundo e insondável. Como o lago, senti que meu corpo físico, com sua mente e emoções, poderia encrespar-se à superfície, mas nada, nada de nada perturbaria a serenidade de minha alma. A Presença dos poderosos Entes esteve comigo por algum tempo e depois Eles se foram. Eu me sentia supremamente feliz, pois vira. Nada mais viria a ser o mesmo. Bebi das águas claras e puras da fonte da vida e minha sede se aplacou. Nunca mais eu teria sede, nunca mais me veria na escuridão absoluta. Eu vi a luz. Eu toquei a compaixão que cura toda a tristeza e todo o sofrimento; não para mim, mas para o mundo. Estive em pé no topo da montanha e olhei para os Entes poderosos. Nunca estarei na treva total; vi a Luz gloriosa e curativa. A Fonte da Verdade me foi revelada e a treva, dissipada. O amor em toda a sua glória embriagou-me o coração; bebi na fonte da Alegria e da Beleza eterna. Estou bêbado de Deus.

(…)
No dia 2 de setembro krishnaji escrevia cartas para a Sra. Besant, leadbeater e Lady Emily. A Leadbeater escreveu:

(…) Como você está farto de saber, não tenho sido o que se chama “feliz” por muitos anos; tudo o que eu tocava me trazia descontentamento; minha condição mental, meu queridíssimo irmão, tem sido deplorável. Eu não sabia o que queria nem procurava em sabê-lo; tudo me enfadava depois de pouco tempo e, na verdade, eu não me encontrava. Pelo que Nitya escreveu e pelo que acrescentei às palavras dele, verá que mudei consideravelmente em relação ao que eu era quando estive na Austrália. naturalmente tenho refletido clara e deliberadamente acerca da mensagem que Mestre K.H. me mandou durante minha estada na Austrália. Eu começara a meditar regularmente todas as manhãs, por meia hora. Depois de alguns dias de meditação, principiei a ver com clareza onde falhara e onde estava falhando e comecei a destruir consciente e deliberadamente as acumulações erradas dos anos passados desde que tive a desventura de deixá-lo. Deixe-me aqui reconhecer envergonhado que meus sentimentos por você não eram o que deviam ter sido. Agora são inteiramente diferentes, e creio que o amo e respeito como pouca gente o faz. O amor que eu lhe consagrava quando nos encontramos pela primeira vez em Adyar voltou trazendo consigo o amor do passado. Não imagine, por favor, que estou escrevendo simples banalidades e frases batidas. Eles não são uma coisa nem outra e você, irmão muito querido, me conhece melhor do que eu mesmo. Eu quisera de todo o coração, poder vê-lo neste momento.

Depois do dia 20 de agosto sei o que quero fazer e o que me espera — nada mais do que servir os Mestres e o Senhor. A partir dessa data me tornei muito mais sensível e ligeiramente clarividente, visto que o vi em companhia da presidenta, na outra noite, enquanto eu estava sentado ao luar. Fazia mais de sete anos que uma coisa dessas não me acontecia. Nos últimos sete anos, com efeito, tenho estado espiritualmente cego, tenho estado metido numa masmorra, sem luz, sem ar fresco. Agora sinto que estou ao sol, com a energia de muitos, não física senão mental e emocional. Sinto-me novamente em contato com o Senhor Maitreya e o Mestre e não há mais nada a fazer senão serví-Los. Toda a minha vida, agora, no plano físico, é conscientemente dedicada ao trabalho e não é provável que eu mude.

Diga-me, por favor, sem reservas, o que pensa de tudo o que escrevi e senti.
Krishnamurti
Krishnamurti: Os anos do despertar – Mary Lutyens  - Cuktrix     




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