Relato de uma confrade agradecida
autoconhecimento

Relato de uma confrade agradecida


Olá queridos confrades, bom dia. Tudo bem com vocês?

Em primeiro lugar, quero dizer-lhes o quanto sou grata pelo modo atento, afetuoso e amoroso com o qual vocês me receberam desde que apareci lá, na nossa salinha do Paltalk, toda assustada, medrosa, inquieta e cheia de dúvidas.

Sou muito grata à vida, ao universo, ao Ser que habita em mim e que me conduziu até vocês naquela noite. É muito bom ter com quem partilhar do que a gente sente, ter com quem trocar figurinhas sem colar, como diz o Out.

Quando eu encontrei a sala dos pensadores, eu já estava num processo de busca muito grande para as dores e para o sofrimento que passava. Durante muito tempo, busquei respostas nas religiões, já frequentei diversas. Nenhuma parecia responder as minhas inquietações por muito tempo.

Assim que saí da última experiencia religiosa da qual fiz parte, fiz o ciclo: abstinência, dor e prazer. Tenho compulsão alimentar e isso me causava mais sofrimento, culpa, angústia, dor e aí, pra buscar outra forma de entorpecimento, foi rápido. Comecei a ingerir álcool com cada vez mais frequência. Foi quando comecei a procurar a sala dos anônimos da comida e do álcool. No inicio, foi reconfortante encontrar aquela sala, depois, ela passou a não responder mais as minhas questões que iam além da espiritualidade e da comida. Comecei a procurar salas dos alcoólicos, ficava 30 minutos e saia. Entrei em salas com o tema espiritismo, e acontecia a mesma coisa. Até que achei vocês.

Senti uma identificação imediata. Deve ter sido assim com newton quando a maça caiu na cabeça dele...risos...sabe quando dentro de você, sente algo e diz: bingo! Foi assim pra mim. Primeiro, porque já tinha lido o livro do Eckhart Tolle há uns dois ou três anos atrás, tinha achado fantástico, mas na época não encontrei com quem pudesse compartilhar aquelas ideias, aquela proposta fantástica de viver no agora. Pensei que era viagem da minha cabeça, que estava ficando maluca e que se aquilo fosse mesmo algo maravilhoso, muitas outras pessoas já teriam descoberto e estariam vivendo daquele modo.

Então, quando me deparei com a fala de vocês na sala, percebi que era a mesma coisa que eu tinha lido no livro do Tole, mesmo sem ter visto inicialmente, nenhum texto dele no blog. Vi primeiro os textos do Krishnamurti. Mas aí, fui nas perguntas e tomei um susto quando me dei conta do quanto eu estava identificada com tudo aquilo.

No começo, eu sentia muita confusão com essa questão do observador e coisa observada, ficava fazendo um esforço tremendo pra observar sem julgar, fiquei os primeiros dias achando que eu tava maluca com essa história do ego, que não sou eu, que é o pensamento, que o inimigo mora onde você não espera, e apesar da confusão eu fui encontrando algumas respostas. Eu lembro que no começo eu ficava meio que a espreita, esperando o pensamento aparecer, aí quando ele aparecia eu dizia: ahá! Olha aí você, sendo egoísta, vaidosa, orgulhosa, rancorosa, etc e tal. Eu não conseguia não julgar nem não me identificar, eu simplesmente ia pra cima dele. E ai, no final de semana passado, exatamente no sábado, eu assisti um vídeo do Krishnamurti (nesse meio tempo eu já tinha lido vários textos no blog e visto vários vídeos, assistido um filme e tal) cujo título é “mente sã” ou “mente saudável”, onde ele conversa com mais dois homens (não me recordo o nome agora) sobre o assunto, e foi quando eu senti.

A chave era a Atenção. Não era observar, nem julgar, nem fazer esforço pra não me identificar, era apenas atenção. Uma atenção amorosa, intensa, com todo meu coração. Uma sensação indescritível tomou conta de mim. As palavras estavam ali o tempo todo, mas eu percebo que essa experiência é tão individual, tão única, que você pode passar anos e anos falando, escrevendo ou assistindo vídeos sobre ela, apenas quando você conseguir sentir é que você começa a dar o primeiro passo nessa caminhada.

Eu sinto como se tivesse dado o primeiro passo de muitos que ainda tenho pra dar. Mas que a atenção estava me fazendo não agir mais no modo automático, a perceber minhas escolhas, minhas palavras, minha solidão e minha profunda ansiedade. Eu achava que eu sofria porque eu vivia muito no passado, identificada com a mente, com as experiências anteriores, mas depois dessa atenção, eu comecei a perceber o quanto eu vivia no futuro. Estava sempre ansiosa por tudo e por qualquer coisa. Ansiosa por coisas maiores, acontecimentos mais marcantes como um aniversário de um grande amigo, uma festa, um evento, um emprego novo (estou há pouco mais de um mês desempregada, depois de um longo período sem férias e de muito estresse na vida profissional) até pequenas coisas como o que eu ia comer, a aula de amanhã na faculdade, o que eu ia fazer, onde e como eu estaria no dia seguinte. Percebi meu desejo de controle dentro da ansiedade, percebi que eu vivia tanto tempo ocupada e preocupada com o que iria acontecer, porque eu queria controlar tudo, como uma forma de garantir minha felicidade, minha segurança ou seja lá o que for que eu precisasse pra estar bem. Dentro dessa ansiedade também tem um vazio muito grande, tem o medo de errar, tem uma angústia latente.

Bom, mas quando você percebe tudo isso, parece que as emoções ‘evaporam’ de certo modo, quando eu me permiti sentir esse vazio, essa ansiedade, quando eu percebia ela sem julgar, ela desaparecia. Até aí, tudo bem, passei três dias maravilhosos, já estava quase me sentindo a Buda, a iluminada...kkkkk...quando na segunda-feira, eu voltava saltitante e feliz da minha corrida na praia, cheia de endorfina no corpo, completamente desatenta e surge um cara com uma arma na mão na minha frente pra me assaltar. Eu, que me orgulhava de dizer que nunca fui assaltada na vida, que andava super atenta, que não dava bobeira na rua, não saia sozinha tarde da noite, etc e tal..aquele papinho todo de sou a maioral, fui pega justamente quando estava me achando a quase substituta do papa. E aí, como a gente diz aqui: “lascou foi tudo!” kkkkk

Veio a culpa, o medo, voltei a sentir vertigem e tontura (eu tive uma crise de labirintite há alguns dias, fazia muitos anos que não tinha), tive uma crise de pânico na terça-feira, com medo de sair na rua, das pessoas, do mundo...mas crise mesmo, de tremer o corpo inteiro, de ter sensação de desmaio e quase não conseguir chegar em casa sozinha.

Mas eu continuei tentando ficar atenta, perceber o que eu tava sentindo, olhar pra tudo isso, lendo os textos, vendo os vídeos, percebendo a escuta atenta reverberando dentro de mim. A reunião de quarta-feira foi muito importante pra mim. Na quinta-feira eu amanheci muito mais em paz, percebendo as coisas que eu estava sentindo, percebendo que minha mente ficou embotada nos dias anteriores, que mesmo eu não tendo me entregue a nenhuma das compulsões (que sempre foi a primeira coisa que eu fazia quando algo doía muito) eu não consegui estar consciente o tempo todo, que eu agi baseada na dor e no medo.

Um acontecimento marcante esta semana foi que eu percebi a minha ansiedade, sentia ela presente no meu corpo através da adrenalina, mas não conseguia estar presente suficiente no agora para que ela se dissolvesse. Mas eu comecei a tomar decisões um pouco mais conscientes, digamos assim. Durante a manhã eu sempre acordo bem, sempre estou bem. Mas ao longo do dia eu vou ficando irritada com as pessoas, triste, ansiosa pra sair logo daquele estado de insatisfação que por ventura se instale e tal. Aí por perceber isso, eu decidi que iria todas as tardes correr na praia ou andar de bicicleta, que são duas coisas que eu amo fazer. Então, eu saia de casa e ia com o propósito de amenizar os sintomas da minha ansiedade, porque ela é tão forte que é como se eu pudesse tocar. Eu realmente sentia uma descarga de adrenalina muito grande no corpo. Isso tudo foi me dando um certo alívio, mas ainda não era suficiente. Ontem, eu senti muita dor, chorei bastante, fiquei triste por um acontecimento bem especifico envolvendo uma relação familiar que é bem delicada, me permiti sentir, mas não deixei ela doer muito. E a noite, Out falou exatamente na plenitude da dor. Interessante, né?

Chegou um momento em que doeu e eu disse: tá bom. Eu não dou conta, sei que tá doendo, sei que eu não consigo resolver isso agora dentro de mim, não sei o que fazer, e não quero mais que doa. E fui me entorpecer com um pouco de comida. Não muito, como eu fazia antes, que eu comia até passar mal. Foi de certo modo, uma decisão ‘consciente’ sabe?

Hoje, eu percebo que todos esses acontecimentos estão enredados de algum modo, que fazem parte do meu processo de desconstruir e construir. De aprender caindo, afinal, eu estou engatinhando nesse novo modo de viver de forma plena, de estar entregue ao momento presente, atenta ao que sinto, atenta as minhas ações, palavras e ao meu modo de me relacionar com o outro. Não amanheci (como acontecia antes) me sentindo culpada nem sentindo dor. Fui olhar pra o que eu senti, pra o que eu estava tentando esconder e encobrir, e principalmente, que eu posso viver uma dor e uma tristeza de forma plena, porque é só assim que eu vou conseguir atravessá-la ao invés de tentar ter controle sobre os sentimentos.

E cá estou, neste momento, num dos dias com menos ansiedade do que já tive antes. Percebi outra coisa hoje. A aceitação. Não a aceitação resignada de que nada posso fazer pra mudar a minha vida, mas a aceitação de que eu não ‘tenho que’ fazer tanta coisa. Eu não tenho que tentar controlar minha felicidade ou minha infelicidade, eu não tenho que saber todas as respostas, eu não tenho que achar que meu sentimento de ‘ inadequação’ diante do universo em que eu estou, é certo ou errado. Eu não tenho que planejar o que eu vou comer mais tarde ou amanhã. Se eu conseguir me conectar com minha sensibilidade, despertar minha integridade criativa (essa expressão me tocou profundamente quando Out a mencionou) eu vou saber como agir no instante presente quando ele for presente. Estar no momento presente não é apenas percebê-lo, porque não adianta eu perceber que estou lavando a louça desejando estar em outro lugar e pensando: “ah daqui a pouco estarei deitada na cama vendo um filme, tomara que acabe logo isso”. Isso não é estar presente. Estar no agora é sentir a temperatura da água  o movimento das minhas mãos, ouvir minha respiração, conversar com o gato que chega de mansinho se esfregando no meu pé, ouvir o vento bater na janela, sentir o calor infernal que tá fazendo aqui na minha cidade...risos...e perceber o que está acontecendo dentro de mim.

Mas minha ansiedade não me permitia sentir o agora, percebe? Mesmo atenta, eu ficava prestando atenção e desejando o momento seguinte, caso aquele momento não fosse de alegria ou de prazer. Daí a aceitação ser tão importante pra mim neste momento. Eu aceito que estou aqui agora, fazendo isso que estou fazendo. E sentir cada célula do meu corpo vibrando, existindo. Me sentir conectada com o momento presente. Estou agora, sentada, escrevendo para vocês, mas o silencio que existe entre as palavras, aquilo que deixei escapar, que não foi dito, provavelmente, é mais importante que qualquer coisa que eu tenha conseguido escrever. Porque é esse silencio, essa atenção e aceitação do meu agora que faz com que minha mente silencie, meu coração bata no compasso certo, meu corpo não sinta hoje, agora, nenhuma descarga de adrenalina por conta da ansiedade.

E isso eu não tenho como exprimir em palavras.

Um grande abraço fraterno e afetuoso em vocês, tenho um longo caminho a percorrer, estou consciente que ainda vou cambalear muito até conseguir ficar de pé e poder andar. Até lá, muita aceitação do agora pra todos nós.

Meu Ser emana gratidão e profundo amor pelo Ser de vocês.

Beijo no coração,

Lyzbranca




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