autoconhecimento
Se estamos buscando, qual o motivo dessa busca?
Pode uma pessoa buscar, mas se lhe falta "seriedade", sua busca será dispersa, esporádica, desconexa. A "seriedade" acompanha sempre a busca, e é bem evidente que você se acha aqui por que é "sério". Numa tarde de domingo é muito agradável dar um passeio, entretanto você preferiu o incômodo de vir aqui, para escutar — e isso, talvez, porque é "sério". Descontente com as ideias tradicionais e o habitual ponto de vista, você está buscando, e espera, escutando, achar algo novo. Se você se achasse completamente satisfeito com o que tem, não estaria aqui. Por conseguinte, sua presença nesta conferência indica que você está insatisfeito; está buscando alguma coisa, e sua busca se baseia evidentemente no desejo de se satisfazer num nível mais profundo. A satisfação que você está buscando é mais nobre, mais requintada, mas a sua busca é ainda uma busca de satisfação.
Isto é, você deseja achar a integração total do seu ser, porque tem lido, ou escutado, ou imaginado que este é o único estado em que é possível a felicidade livre de perturbações, a paz eterna. Assim, você se torna muito sério, lê, saí a procura de filósofos, analistas, psicólogos, iogues, na esperança de encontrarmos esse estado integrado; mas o impulso, o motivo é ainda o desejo de realizar, de achar alguma espécie de satisfação, um estado mental que nunca seja perturbado.
Ora bem, se você deseja realmente investigar esta questão, a sua investigação tem de se basear, certamente, no pensamento negativo, que é a forma suprema do pensar. Não é possível investigar, quando a mente está presa a alguma diretiva ou fórmula positiva. Se aceita-se ou supõem-se alguma coisa, nesse caso, a investigação é inútil. Só se pode investigar, buscar, quando há pensamento negativo, quando não seguimos nenhuma linha positiva de pensamento. Geralmente, estamos convencidos de ser necessário o pensamento positivo, para que se possa descobrir o Verdadeiro. Por pensamento positivo entendo a aceitação da experiência dos outros, ou nossas próprias experiências, sem compreendermos a mente condicionada que pensa. propriamente falando, todo o nosso pensar está atualmente baseado no nosso "fundo" — a tradição, a experiência, o saber que temos acumulado. Acho que isso é bastante claro. O saber dá uma direção positiva ao nosso pensar e, seguindo esse direção positiva, esperamos encontrar a Verdade, Deus, ou o que você quiser; mas o que realmente encontramos está baseado na experiência e no processo de reconhecimento. Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória; da experiência acumulada denominada saber. Se você reconhece uma coisa, essa coisa não é nova, e enquanto essa busca se basear no reconhecimento, tudo o que achar é coisa já experimentada, procedendo portanto do "fundo", da memória. Reconheço-lhe, porque já me encontrei com você antes. Uma coisa totalmente nova não pode ser reconhecida. Deus, a Verdade, ou o que quer que seja que resulte da integração total da consciência, não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; e a própria busca desse estado implica um processo de reconhecimento, não acha?
(...) Quase todos desejamos achar alguma coisa — por ora, vamos chamá-la, Deus ou a Verdade — o que quer que isso signifique. Como podemos saber o que é a Verdade ou Deus? Sabemos porque temos lido a seu respeito, ou porque o experimentamos; e, quando essa experiência se apresenta, somos capazes de reconhecê-la como a Verdade, ou Deus. Esse reconhecimento só pode provir de nosso "fundo" de reconhecimento prévio, e portanto, a coisa reconhecida não é nova; consequentemente, não pode ser a Verdade, Deus. A coisa é o que pensamos que seja.
(...) Quando andamos de guru para guru, quando praticamos variadas disciplinas, quando sacrificamos, meditamos ou exercitamos a mente de alguma maneira, o impulso existente atrás de todo esse esforço, é o estímulo para encontrarmos alguma coisa, e o que se encontra tem de ser reconhecível, senão, não poderia ser encontrado. Nessas condições, o que a mente acha só pode ser produto de seu próprio fundo, seu próprio condicionamento; e uma vez compreendido esse fato pela mente, a busca não pode ter tal significação, pode ter então um significado totalmente diferente. A mente pode então cessar de buscar, de todo — o que não significa que está aceitando o seu condicionamento, suas tribulações, suas misérias. Afinal de contas, foi a própria mente que criou essas misérias e quando a mente começa a compreender o seu próprio processo, é então possível realizar-se o outro estado, o que quer que ele seja, sem esforço perene para "encontrar".
(...) Você deve ter observado quantos milhões de pessoas andam buscando, cada um seguindo determinado guru ou praticando determinado sistema de meditação; ou, ainda, andando de instrutor para instrutor, ingressando numa Sociedade, saindo ela e passando para outra, buscando incessantemente, buscando, buscando, buscando, buscando, o que naturalmente pode, afinal, tornar-se um jogo. Assim, pois, talvez você já tenha perguntado a si mesmo o que significa tudo isso. Você lê o Upanishads, ou o Gita, ou escuta uma palestra em que se dão certas explicações, em que descrevem certos estados, e todos dizem: "Faça isso, abandone aquilo, e descobrirá o Eterno". Todos, num certo grau, estamos buscando, intensamente ou de maneira moderada, e julgo importante averiguar o que significa essa busca. Podemos perguntar a nós mesmos, com toda simplicidade e diretamente, se estamos buscando, e, se estamos buscando, qual o motivo dessa busca?
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA
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