autoconhecimento
Somos uma repetição de opiniões, juízos e conclusões
Krishnamurti: Vejamos antes de tudo se a nossa mente está entregue a uma dada experiência, uma dada conclusão ou crença, que está nos tornando obstinados, inflexíveis, no sentido profundo. Só quero compeçar daí, porque, como pode haver investigação, quando a mente é incapaz de ceder? Lemos o Gita, a Bíblia, o Upanishads, tal ou tal livro, o qual deu uma tendência à nossa mente, uma certa conclusão a que ela ficou amarrada. Uma mente em tais condições é capaz de investigar? Não é isso que acontece com a maioria de nós? e não deve a nossa mente ficar livre de todos os compromissos decorrentes de sermos hinduístas, teosofistas, católicos, ou o que mais seja, antes de podermos investigar? E porque não estamos livres dessas coisas? Quando temos compromissos e queremos investigar, não pode haver verdadeira investigação, mas tão somente uma repetição de opiniões, juízos e conclusões. Assim, nesta nossa palestra desta tarde, poderemos largar todas as nossas conclusões?
Certamente, até os maiores cientistas têm abandonado todo o seu saber, antes de poderem descobrir qualquer coisa nova; e se você sério, esse abandono do conhecimento, da crença, da experiência, tem de efetuar-se realmente. A maioria de nós somos um tanto "sérios", quando se trata de nossas próprias conclusões, mas eu acho que isso de modo nenhum é seriedade. Isso não tem valor nenhum. O homem sério, sem dúvida, é aquele que é capaz de abandonar as suas conclusões porque percebe que só assim está capacitado para investigar.
Interrogante: Podemos dizer que abandonamos as nossas conclusões; entretanto, elas tornam a surgir.
Krishnamurti: Sabemos que nossas mentes estão ancoradas numa conclusão? Está a mente cônscia de que se acha dominada por determinada crença? Deixe-me, senhor, expressá-lo de maneira muito simples. Morre meu filho e me sinto desolado — e eis que se me apresenta a crença da reencarnação. Esta crença encerra muitas esperanças e promessas e, portanto, a minha mente a ela se apega. Ora, essa mente é agora capaz de investigar o problema da morte, em vez de investigar, apenas, a questão da vida além-túmulo? Pode minha mente abandonar essa conclusão? E não deve abandoná-la, se quer descobrir o que é verdadeiro — abandoná-la, mas não sob compulsão de qualquer espécie, nem esperança de recompensa, mas porque a própria investigação exige o seu abandono? Se não a abandono, não sou "sério".
Senhores e senhoras, não se deixem desalentar pelas minhas perguntas, que parecem tão óbvias. Se minha mente está atada à estaca da crença, da experiência ou do conhecimento, ela não pode ir muito longe; e a investigação implica que se esteja livre da estaca, não acham? Se realmente estou buscando, então esse estado tem de se acabar — preciso romper as amarras, cortar a corda. Não existe, então, nenhuma questão de como cortar a corda. Quando há a percepção de que a investigação só é possível quando estamos livres de nossa obstinação, do apego a uma outra crença, então esse próprio percebimento liberta-nos a mente.
Ora, porque não sucede isso a cada um de nós?
Interpelante: É porque nos sentimos mais seguros com a corda.
Krishnamurti: Exatamente, não é? Vocês se sentem mais seguros quando a mente de vocês está condicionada, e eis porque não há aventurar, ousar — e toda a nossa estrutura social está construída dessa maneira. Conheço todas essas respostas. Mas porque não abandonam a crença de vocês? Se não o fazem, não são sérios. Se estão realmente investigando, não dizem: "Estou investigando, numa determinada direção e devo ser tolerante a respeito de qualquer direção diferente da que estou seguindo" — pois, quando estão realmente investigando, essa maneira de pensar desaparece completamente. Não existe então a divisão de "seu caminho" e "meu caminho", acaba-se o místico e o oculto, são afastadas definitivamente todas as estúpidas explicações do homem que quer explorar outros homens.
(...) Estou dizendo que não pode haver investigação quando a mente tem algum apego. Quase todos nós dizemos que estamos buscando, e buscar significa realmente investigar; e eu estou perguntando: "vocês podem investigar, enquanto suas mentes estão apegadas a alguma conclusão?" Obviamente, quando lhes é feita esta pergunta, respondem: "Não, naturalmente".
(...) Eu estou perguntando: sua mente está agrilhoada? Sua mente é obstinada, está apegada a alguma experiência, a alguma forma de conhecimento ou crença? Se está, neste caso, é incapaz de investigação. Você dirá, porventura: "Estou buscando" — mas é bem evidente que não está buscando, senhor. Como pode a mente ter liberdade de movimentos, se está presa? Dizemos que estamos buscando, mas, na realidade, não há busca. Buscar implica estar livre de apego a qualquer fórmula, qualquer experiência, qualquer espécie de conhecimento, porque só então a mente é capaz de mover-se amplamente. Isto é um fato, não? Se desejo ir a Banaras, não posso estar amarrado, preso num quarto; preciso sair do quarto e dirigir-me para lá. De maneira semelhante, sua mente agora está presa e você diz que está buscando; mas eu digo que não pode buscar nem investigar, com a mente presa — e isso é um fato que todos reconhecem. Porque então não se liberta a mente? Se ela não o fizer, como poderemos, você e eu, investigar juntos? Esta é a nossa dificuldade, não acham, senhores?
Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA
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