autoconhecimento
Sobre o que não é simplicidade
Pergunta: Que é simplicidade? Significa ver muito claramente as coisas essenciais e abandonar todas as outras?
Krishnamurti: Vejamos o que a simplicidade não é. Não digais que isso é negação. Nada se pode dizer de maneira positiva, que é uma maneira imatura e irrefletida de nos expressarmos. Os que os fazem são exploradores, porque têm algo para dar-vos, algo que desejais e que lhes serve de meio de explorar-vos. Não estamos fazendo nada disso. Estamos tentando descobrir a verdade a respeito da simplicidade. Consequentemente, tendes de rejeitar umas tantas coisas e observar. O homem que muito possui teme a revolução interior e exterior. Averiguemos, pois, o que não é simplicidade. A mente complicada, não é simples, é? A mente engenhosa não é simples; a mente que tem um fim em vista e trabalha pela consecução do mesmo, como recompensa, como punição, não é uma mente simples, é? Senhores, não concordeis comigo. Não se trata de concordar. Trata-se de nossa vida. A mente que está pejada de saber, não é uma mente simples; a mente paralisada pela crença, não é uma mente simples, é? Pensamos, porém, que vida simples é possuir só uma tanga, ou talvez duas; queremos a ostentação externa da simplicidade, e facilmente nos iludimos com ela. Eis porque o homem muito rico venera o homem que renuncia.
Que é simplicidade? Pode a simplicidade consistir em rejeitar as coisas não essenciais e visar as coisas essenciais — o que implica escolha? Notai bem: não é isso escolha, não significa escolher? Escolho as coisas essenciais e rejeito as não-essenciais. Em que consiste esse processo de escolha? Pensai profundamente. Qual é a entidade que escolhe? A mente, não é verdade? Não importa como a chameis. Dizeis: "Escolherei esta coisa essencial". Como sabeis o que é essencial? Isso significa, ou que tendes um padrão estabelecido por outras pessoas, ou a vossa própria experiência vos indica o que é essencial. Podeis confiar na vossa experiência? Porque, quando escolheis, a vossa escolha está baseada no desejo; o que chamais essencial é aquilo que vos dá satisfação. E voltais, assim, ao mesmo processo, não é verdade? Pode a mente confusa escolher? Se ela escolhe, a sua escolha será também confusa.
Por conseguinte, a escolha entre essencial e não-essencial não é simplicidade. É conflito. A mente que está em conflito, em confusão, nunca pode ser simples. Assim, quando rejeitardes, quando perceberdes todas as coisas falsas e todos os artifícios da mente, observando-os, examinando-os, sabereis, então, o que é simplicidade. A mente que está vinculada plea crença, nunca é uma mente simples. A mente sobrecarregada de saber não é simples. A mente que se distrai com Deus, com mulheres e música, não é uma mente simples. A mente aprisionada na rotina da profissão, dos ritos, dos mantras, não é simples. Simplicidade é ação sem ideia, coisa raríssima, que significa criação. Enquanto não há criação, somos centros de malefícios, sofrimento e destruição. A simplicidade não é coisa que se possa cultivar e experimentar. A simplicidade, tal como uma flor que desabrocha, surge no momento exato em que cada um de nós compreende todo o processo da existência e das relações. Porque não costumamos pensar nela, porque não costumamos observá-la, não sabemos o que ela é. Apreciamos de certa maneira todas as formas exteriores da simplicidade: raspar a cabeça, vestir-se ou despir-se de certa maneira. Essas coisas não são simplicidade. Não se acha a simplicidade. A simplicidade não está entre o que é essencial e o que não é essencial. Ela nasce quando não há "eu", quando o "eu" não está envolvido em especulações, conclusões, crenças, ideações. Só a mente assim pode achar a verdade. Só essa mente pode receber o que é imensurável, aquilo que se não pode dar nome. Isso é que é simplicidade.
Krishnamurti em, Quando o pensamento cessa
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