Treze toques sobre autoconhecimento
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Treze toques sobre autoconhecimento


O autoconhecimento não pode ser aprendido de outrem. Eu não posso dizer-vos o que ele é. Mas pode-se ver como a mente opera, não apenas a mente que está ativa todos os dias, porém a totalidade da mente — a mente consciente e a mente oculta. Todas as numerosas camadas da mente têm de ser percebidas, investigadas, mas não pela introspecção. A auto-análise não revela a totalidade da mente, porque há sempre a separação entre o analista e a coisa analisada. Mas se puderdes observar as operações de vossa mente, sem tendência para julgar, avaliar, sem condenação ou comparação — observar, simplesmente, como se observa uma estrela, desapaixonadamente, tranquilamente, sem ansiedade — vereis então que o autoconhecimento não depende do tempo, não é processo de penetração do inconsciente com o fim de remover todos os "motivos" ou de compreender os vários impulsos e compulsões. O que cria o tempo é a comparação, não resta dúvida; e porque nossa mente é resultado do tempo, só pode pensar em termos de mais - sendo isso o que chamamos progresso.(1)

Já se disse que conhecer a si próprio é a mais alta sabedoria, mas mui poucos dentre nós têm cuidado disso. Falta-nos a necessária paciência, intensidade ou paixão, para descobrirmos o que somos. Nós temos a necessária energia, mas valemo-nos da energia de outros; precisamos que outros nos digam o que somos.(2)

Liberdade significa não condenardes nada do que vedes em vós mesmo. Em geral condenamos, ou explicamos, justificamos. Nunca olhamos sem justificação ou condenação. Por conseguinte, a primeira coisa que cumpre fazer — e esta é talvez a última coisa — é observar sem nenhuma espécie de condenação. Isso vai ser muito difícil, porque é nossa cultura, nossa tradição, comparar, justificar ou condenar o que somos. Dizemos "isto é certo e isso é errado; isto é verdadeiro e isto é falso, isto é belo, etc.", e isso nos impede de observar o que realmente somos.(3)

Estamos empenhados em várias atividades, alternadamente — ganhar a vida, criar filhos; ou assumimos certas responsabilidades perante várias organizações; estamos tão cheios de compromissos, de diferentes espécies, que dificilmente encontramos tempo para a reflexão sobre nós mesmos, para observarmos e estudarmos. Assim com efeito, a responsabilidade da reação é nossa, e de mais ninguém. Andar pelo mundo em busca de gurus e de seus sistemas, ler os livros mais recentes sobre esta ou aquela matéria, etc., parece-me completamente vão, completamente fútil. Podemos percorrer toda a Terra, mas teremos de voltar a nós mesmos. E, visto que em geral nos desconhecemos totalmente, é dificílimo começarmos a ver com clareza o processo do nosso pensar, sentir e agir.(4)

Quanto mais uma pessoa se conhece, tanto mais clareza existe. O autoconhecimento é infinito; nunca se chega a um remate, nunca se chega a uma conclusão. É um rio sem fim. Estudando-o e penetrando-o mais e mais, encontramos a paz. Só quando a mente está tranquila — em virtude do autoconhecimento e não da autodisciplina — só então, nessa tranquilidade, nesse silêncio, pode manifestar-se a realidade. Só então pode haver bem-aventurança, ação criadora. E se, sem termos esta compreensão, esta experiência, pomo-nos a ler livros, a assistir conferências, a fazer propaganda, isto me parece extremamente infantil, uma simples atividade sem muita significação. Mas se, ao contrário, o indivíduo for capaz de compreender a si mesmo e, por conseguinte, de fazer nascer aquela felicidade criadora, aquele experimentar de algo não produzido pela mente, então talvez possa haver transformação imediata das relações, ao redor de nós, e, por conseguinte, no mundo em que vivemos.(5)

Somos criados com a ideia de que o guru é essencial, porque é um homem que sabe e irá dizer-nos o que devemos fazer; estamos completamente imbuídos desta tradição e cumpre cortar-lhe imediatamente a raiz, para que sejamos capazes de compreender as questões que vamos examinar. Vede, senhores, temos medo de ficar privados dos nossos guias, porque nos achamos sumamente confusos; e quando agimos, em meio à nossa confusão, aumenta-se a confusão. Mas a confusão só pode ser dissipada por cada um de nós, sendo esta a razão por que tanto importa o indivíduo compreender a si mesmo. Com a compreensão vem uma ação que não é confusa nem causadora de confusão. O autoconhecimento, portanto, é essencial, mas não o autoconhecimento que se ensina nos livros, porque isso não é autoconhecimento, de modo nenhum, e sim, meramente, vã repetição.(6)

Preciso conhecer a mim mesmo, não como ideologicamente gostaria de ser, mas como realmente sou, bonito ou feio, ciumento, invejoso, ganancioso. Mas é muito difícil ver-nos tal qual somos sem desejar mudar, e esse mesmo desejo de mudança é outra forma de condicionamento; e assim prosseguimos, de condicionamento a condicionamento, nunca chegando a algo que esteja além do que é limitado.(7)

No momento, somos meros gramofones repetidores, eventualmente trocando gravações quando pressionados mas, em geral, tocando as mesmas melodias para todas as ocasiões. E é esse repetir constante, esse perpetuar da tradição, a origem do problema com todas as suas complexidades. Parecemos incapazes de escapar da conformidade, embora saibamos substituir a atual conformidade por uma outra, ou até mesmo sejamos capazes de tentar mudar o modelo atual. Trata-se de um processo constante de repetição, de imitação... e a repetição, seguramente, não irá solucionar os problemas humanos... por meio do autoconhecimento, é possível livrar-se desse eterno repetir.(8)

É essencial para um homem de paz, para um homem de pensamento, compreender a si mesmo. Pois sem autoconhecimento, seus esforços só criarão mais confusão e desgraças. Tome ciência do processo total de você mesmo. Você não precisa de gurus, de livros, para entender a cada novo momento o seu relacionamento com as coisas.(9)

Nós somos a sociedade. Se querem que a sociedade seja algo diferente, os senhores tem de começar, tem de por suas casas em ordem, as casas que são os senhores.(10)

Autoconhecimento não significa conhecer-se, mas conhecer a atividade do pensamento. Porque o eu é pensamento, a ideia. Portanto, observe cada movimento do pensamento, não deixando nunca que um pensamento passe sem se certificar do que ele é. Tente. Faça isso e você verá o que acontece. Isso revigora o cérebro. Veja: o pensamento é medo, o pensamento é prazer, o pensamento é tristeza. E o pensamento não é amor. O pensamento não é compaixão.(11)

Tendes que ser "impiedosos" com vós mesmos e viver no "verdadeiro estado de investigação". A menos que vos investigueis profundamente, em vosso interior, não tendes a possibilidade de descobrir o que é verdadeiro. Ninguém vos pode levar a esse descobrimento — ninguém! — e, por consequência, nenhum sistema. A verdade não é uma coisa estática, que fica à vossa espera, enquanto seguis um sistema uniforme, enquanto praticais dia a dia um certo método, enquanto aprimorais a vossa mente e o vosso coração para alcançar aquele estado a que chamais "a verdade". A Verdade não espera por vós!(12)

Se você achar difícil estar atento, então experimente escrever todo pensamento e sentimento que surge ao longo do dia, anote suas reações de ciúme, inveja, vaidade, sensualidade, as intenções atrás de suas palavras, e assim por diante. Reserve algum tempo antes do café para escrever isto – o que pode exigir sair mais cedo da cama e abandonar alguma atividade social. Se você anota estas coisas sempre que pode, e à noite antes de adormecer olha tudo que escreveu durante o dia, estuda e examina isto sem julgamento, sem condenação, você começará a descobrir as causas ocultas de seus pensamentos e sentimentos, desejos e palavras. ... Agora, o importante nisto é estudar com a inteligência livre tudo que você escreveu, e estudando isto você se dará conta de seu próprio estado. Na chama da autoconsciência, do autoconhecimento, as causas do conflito são expostas e consumidas. Você deveria continuar a escrever seus pensamentos e percepções, intenções e reações, não uma vez ou outra, mas por um número considerável de dias até que você possa estar imediatamente atento a eles ... Meditação não é só autoconsciência constante, mas abandono constante do ego. Além do pensamento de comum conhecido, existe a meditação, da qual provém a tranqüilidade da sabedoria, e na serenidade algo maior acontece. Ao escrever o que a pessoa pensa e sente, os seus desejos e suas reações, propicia a consciência interior, a cooperação do inconsciente com o consciente, e isto por sua vez conduz em troca à integração e à compreensão.(13)

(1)   Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(2)   Krishnamurti - Fora da Violência - Ed. Cultrix
(3)   Krishnamurti - Fora da Violência - Ed. Cultrix
(4)   Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Cultrix
(5)   Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Cultrix
(6)   Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(7)   Krishnamurti - Sobre Deus - Ed. Cultrix
(8)   Krishnamurti - Sobre Relacionamentos - Ed. Cultrix
(9)   Krishnamurti - Sobre Relacionamentos - Ed. Cultrix
(10) Krishnamurti - O Futuro é Agora - Cultrix
(11) Krishnamurti - Diálogos sobre a visão intuitiva - Cultrix
(12) Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir 
(13) Krishnamurti - O Livro da Vida





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