autoconhecimento
Um caminho sem caminho para uma alquimia psíquica
Quem responderá, totalmente liberto de mecanismos defesa, de forma minuciosa e destemida, as 35 perguntas que constam de nossa experiência sobre o limitante, fragmentador e separatista processo do pensar condicionado? Quem demonstrará um real interesse em meditar com seriedade sobre a natureza dos passos que foram dados ao ponto de se relacionar estas questões?
Antes de tudo é preciso tempo e, pode alguém que é prisioneiro do tempo, ter tempo para questionar o que está fazendo com a qualidade do seu tempo, ao ponto de se interessar pelo revelar de algo que se encontra fora dos limites do tempo?
Para responder essas perguntas é preciso observar o que busca o ser humano, que de humano, nada tem e, que, em sua grande maioria, vive confinado num processo inconsciente de descontentamento o qual não consegue perceber por causa dos vários mecanismos de fuga; como nas palavras de Gui Tesla, "enquanto nossas verdadeiras necessidades afundam no mar do esquecimento, o povo se mantêm firme, sustentando seus próprios meios de alienação". Por estar sempre insatisfeito e descontente, sem se aperceber que isso é um movimento interno, vive o homem numa inconsequente busca externa por aquilo que denomina como "bens de consumo", com os quais acredita conseguir satisfazer sua não questionada necessidade de segurança psicológica, respeitabilidade social e senso de pertencer. Por nunca em sua vida ter se deparado com um processo de genuína educação psíquica, profundamente libertária e, portanto, potencializadora de sua inteligência original, muito ao contrário, ter sido sistematicamente exposto a um processo de formatação em série, sustentado por antigas crenças e tradições, nunca se questiona o homem quanto a realidade daquilo que lhe foi ensinado a ver como sendo um "bem" duradouro. Mas, o que é um "bem"? Segundo o dicionário, "bem" é a qualidade atribuída a ações e obras humanas, e que lhes confere um caráter moral. Mas, austeridade, virtude, felicidade e ventura, podem ser conseguidas quando se busca ser favorecido, beneficiado, obter vantagens e proveitos pessoais, sem levar em conta o bem-estar comum do coletivo? Em geral, o que se vê em nosso acelerado e mecânico cotidiano — tido por quase todos como normal, como uma vida de sucesso — é a conquista e manutenção de privilégios pessoais, profundamente separatistas, os quais superam em muito aquilo que deveria ser de direito comum. E, enquanto acredita o homem que pode saciar através de valores finitos sua perene insatisfação criada pelo seu mental condicionado — por mentes dele totalmente desconhecidas —, como pode ele, diante de tamanho desconforto gerado por tais ânsias, despertar para a observação de valores perenes? E, é nessa inversão de valores que, progressivamente — e por vezes de forma totalmente irreparável —, desvaloriza o homem, em grande parte de forma inconsciente e inconsequente, sua saúde psíquica, emocional, física e consciencial.
Para que o homem possa, com autêntica seriedade — esta expressa pela capacidade de uma escuta atenta, isenta de qualquer tipo de comparação ou medição —, se deparar com o novo paradigma que se apresenta no conteúdo dos textos, áudios e vídeos que através deste blog procuramos compartilhar, antes de tudo, precisa ele ter vivenciado o deserto do real no que diz respeito a sua busca de satisfação interna através de acúmulo de descartáveis "bens de consumo", em "bens de transitório valor econômico", valor esse que, por não estar em seu controle, torna-se fonte de constante insegurança. Sem que ocorra um primeiro "choque psíquico" que aponte para esse primeiro despertar referente a ilusão da identificação com os falsos e transitórios valores da matéria, torna-se impossível o contato com o "a-b-c psíquico", torna-se impossível a iniciação de uma psíquica educação.
Uma vez tido o homem esse primeiro e estruturante choque psíquico, inicialmente, começa ele a buscar — ainda na ilusão do externo, através de consolidados sistemas de crença organizadas locais, erroneamente tidos por religião — respostas para seu constante estado de insatisfação, tédio e falta de sentido existencial. Inicia então, através do acolhimento de bom grado à novos e momentaneamente necessários condicionamentos, uma peregrinação desilusória — isto desde que não aborte seu processo de recentramento através da droga da "respeitabilidade da autoridade espiritual"; onde há "autoridade", inevitavelmente haverá o exercício do orgulho, da falta de modéstia e do abuso do poder. Essa respeitabilidade adquirida pela auto-aceitação da postura de autoridade espiritual, mostra-se uma grande pedra de tropeço no caminho da descoberta daquele "anônimo algo mais" que possa por fim a eterna busca do homem; busca essa que, em última análise, tem por essência, a descoberta do que costumamos chamar de "a verdadeira liberdade do espírito humano", ou se preferir, a descoberta de um estado de satisfação infinita, dotado de felicidade, liberdade e senso de comunhão consigo mesmo, com os demais seres humanos e com a natureza da qual é parte integrante. Caso consiga ele, superar a mórbida tendência à estagnação resultante da "venda" da respeitabilidade espiritual — venda esta que impede a visão de novos paradigmas que apontam para um estado de consciência mais "madura", um novo choquepsíquico se apresenta diante do estado de solidão psicológica que esse novo poder de visão lhe faculta, o qual chamamos de "a experiência do desertodo real".
Diante da instalação desse deserto, começa o homem a caminhar pelo que convencionou-se chamar de a trilha menos percorrida, o caminho do herói, a jornada do peregrino, caminhar este a qual costumamos chamar de o ingresso numa "carreira solo psíquica". Aqui, passa o homem a ser um grande frequentador das megalivrarias e sebos, numa constante busca pelas estantes de autoajuda, espiritualidade, filosofia e esoterismo, atrás das obras literárias daqueles homens e mulheres que ousaram abrir mão do respeito à tradição em nome da busca do amor pela verdade, pelo inusitado e que, nessa ousadia, acabaram "se deparando com o certo" e, para nossa sorte — desde que vistos tão somente como setas orientadoras a serem deixadas pelo caminho —, nos brindando com suas observações referentes a busca de respostas pelo sentido da existência humana. Este é, sem dúvida alguma, um momento extremamente fecundo, pois, o subir nos ombros desses homens e mulheres que "se depararam com o certo", acaba nos brindando com um olhar de longo alcance, infinitamente superior ao limitadíssimo olhar da inconsciência coletiva. Aqui, o grande perigo se encontra numa outra forma mórbida de tendência estagnante, a qual se caracteriza pelo exercício de um "ácido, amargo e preconceituoso" olhar separatista, sempre exteriorizado para o sonâmbulo e decadente comportamento social, olhar este que acaba se mostrando como outra grande pedra de tropeço, a qual impede o alcance do reconhecimento do único inimigo oculto a ser enfrentado: seu próprio poderoso, orgulhoso e imodesto ego, o qual lhe impede a percepção da presença, da consciência real do que é. Esse separatista, ácido e amargo olhar, resultante do acúmulo de conhecimento de segunda mão, colhido ao longo de décadas pela filiação em várias instituições e no conhecimento livresco, mantém o homem estagnado em outra forma de respeitabilidade autoritária, esta, formada pelo enorme "currículo de suas experiências passadas" mais o acúmulo de suas incertas certezas emprestadas.
Há também aquele que, em meio de sua bem disfarçada confusão — esta causada pelo exercício de uma mente hermeticamente fechada —, deixa-se afundar nas areias movediças do escapismo místico estratosférico de "mil e uma dimensões", escapismo esse que lhe impede de fazer frente à única coisa necessária: a compreensão de seu sofrimento resultante de sua identificação mental, a qual lhe impede de saber o que é o genuíno amor e compaixão, aqui e agora, nesta dimensão, pela qual perambula — visivelmente para aqueles que se encontram um pouco mais despertos —, de forma mecanicamente, totalmente alienado de sua natureza real, ao longo de uma existência sem vida. No entanto, — talvez por uma ação da graça — uma vez compreendido o que estes homens e mulheres que se depararam com o certo, tentaram deixar nas entrelinhas de seus textos; se compreendido que tudo que nos deixaram aponta tão somente para o "autoconhecimento" e para o "autoenfrentamento" — sem qualquer tipo de escolha ou fuga —, inevitavelmente, se depara o homem com um enorme e fecundo deserto existencial, onde se dá a amarga, porém libertária consciência de que todo seu conhecimento, seja ele proveniente de suas próprias experiências passadas ou do acúmulo da indevida apropriação do conhecimento alheio, não lhe é capaz de brindar com a sabedoria que aponta para o frescor da descoberta da "verdadeira natureza humana", natureza esta, dotada com liberdade, felicidade, integridade e unidade com tudo aquilo que é.
De fato, não é nada fácil fazer frente à este doloroso deserto existencial e, não raro, muitos são aqueles que, em momentos de delírio, resultante de inconfessáveis ansiedades, medos e desejos não reorientados, decidem optar pelo isolamento neurótico ou pela fuga ao ajustamento servil ao que lhe é conhecido, mesmo que já devidamente visto como sendo algo profundamente insatisfatório. Poucos são aqueles que conseguem ser fiéis e fazer frente às "dores de parto de um novo homem", dores estas que se fazem sentir através do tédio, da insatisfação e do total descontentamento diante da idéia de possibilidade de um ajustamento forçado ao antigo e desinteligente modo de existir baseado na sustentação de um mundo de imagens que não traduzem o frescor do real. Os que são fiéis às "dores de parto" — sem recorrer aos antigos ou novos sistemas de fuga — em seu devido tempo, vivenciam aquilo que podemos chamar de uma genuína, poderosa e intransferível "experiência religiosa", experiência essa através da qual, as sementes de sua integridade pessoal, até então adormecidas, encontram o terreno fértil da "prontificação", onde são capazes de lançar seus frutos, entre eles, a manifestação de um estado de unidade entre mente e coração, estes, agora guiados por uma consciência dotada de uma inefável inteligência amorosa, profundamente criativa, abarcante e dotada de genuína compaixão. Podemos afirmar sem a menor sombra de dúvida que, a capacidade de fazer frente às dores resultantes da experiência deserto, funciona como um portal que leva o homem do irreal ao Real, portal este que, em última análise, separa os psicologicamente adultos, dos adolescentes. Só aquele que consegue atravessar esse portal é capaz descobrir uma nova maneira de estar na vida de relação, com uma nova e atenta maneira de escutar, a qual lhe brinda com um novo e contagiante som em sua fala, uma inefável e poderosa presença em sua presença, quando diante de outros, presente.
Parece ser somente quando, diante desta poderosa experiência do deserto, que o homem consegue se aperceber da natureza exata, do "fator X" de toda forma de manifestação de padrões de comportamento obsessivo compulsivo que, uma vez com eles plenamente identificado, alimenta toda forma reativa produtora de seu conflito e sofrimento; só aqui se faz presente a "manifestação relâmpago" de um estado de consciência diante do incessante, mecânico, acelerado e autômato fluxo do pensamento, com sua cadeia de imagens e diálogos na ponte do tempo psicológico — passado e futuro — ponte esta que lhe impede o desfrute de uma vivência holística e qualitativa do Agora. No deserto do real, começa o homem, pelo estado de presença, a meditar, a perceber, a observar e a discernir sua impotência diante de seu herdado e nefasto mecânico processo de pensar, o qual lhe mantém numa constante produção de medos, desejos e ansiedades que, uma vez com eles identificados, resultam sempre num agravante estado de insatisfação diante dos resultados que se apresentam, resultados estes que sustentam um enclausurante círculo vicioso que impossibilita a manifestação de um estado de ser dotado de genuína inteligência criativa, amorosidade e compaixão, os quais apontam para a verdadeira responsabilidade social, manifesta pelo desinteressado compartilhar de um processo de educação psíquica e consciencial, qualitativa e visivelmente, libertária.
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