A importância de um minucioso e destemido inventário moral
autoconhecimento

A importância de um minucioso e destemido inventário moral



O mergulho introspectivo nas profundezas do caráter e da capacidade do estudante é uma aventura que deve ser feita com frieza e destemor. Inevitavelmente, haverá resistências inatas, oposições instintivas e impedimentos emocionais para obstruir a descida. Tais fatores decorrem naturalmente das tendências inatas, bem como do meio ambiente, da educação e das circunstâncias. Trata-se, na maior parte dos casos, de fraquezas disfarçadas ou repressões psicológicas. Não obstante, ao inteirar-se delas através de uma tranquila autocrítica, o estudante encontrará na sua própria presença — se tiver uma mentalidade filosófica — um incentivo especial para corrigi-las e assegurar à sua vida o desejado ajustamento. Exige-se para tanto grande dose de honestidade intelectual com a consequente recusa em fugir à realidade, e uma coragem intelectual ainda maior para superar o obscurantismo; trata-se, portanto, de uma tarefa para um herói mental que não se envergonhe de reconhecer que precisa mudar e não receie contribuir voluntariamente para as modificações requeridas. É um processo de metabolismo interno que provoca sofrimentos temporários mas leva a uma saúde permanente. E é a única forma pela qual o estudante pode colocar-se em condições de dominar a filosofia oculta. 

Imensamente difícil é convencer as pessoas a contrariar ou modificar seus antigos hábitos de raciocínio, porque a natureza humana é basicamente conservadora. E esses velhos hábitos se reafirmam teimosamente a cada passo. No entanto, se a pessoa achar que essas qualificações psicológicas estão muito além do seu alcance, e que esse padrão de conduta intelectual é demasiado elevado, não é preciso que se mortifique. Os notáveis resultados clínicos conseguidos com o auxílio da psicoterapia estão a mostrar as insuspeitadas forças de auto-aperfeiçoamento que existem em estado latente na mente humana. Nenhum de nós atingiu o limite extremo da sua capacidade. Sempre acumulamos mais discernimento quando buscamos novos horizontes. Numerosos homens poderiam tornar-se filósofos se se pusessem em ação, se quisessem pagar o preço de um esforço persistente e ininterrupto no sentido de romper o encanto dos velhos vícios, se se dedicassem com afinco a um tipo de vida em que iriam ganhando fé à medida que as suas possibilidades fossem crescendo. 

Anos atrás costumávamos pensar que o homem nascia com um caráter estabelecido, um grau fixo de capacidade, uma dose limitada de força mental, e que jamais poderiam exceder tais limites. Hoje em dia a percuciente análise psicológica relegou esse mito ao esquecimento em que merece ficar. Assim como o poder da cultura física é hoje reconhecido como definitivo, assim como sabemos que os nossos músculos podem ser fortalecidos e a nossa circulação sanguínea ativada através da exercitação diária, assim também sabemos que a nossa capacidade mental e as nossas características naturais poderão ser desenvolvidas de uma forma bem precisa, se atacarmos corretamente a tarefa. 

[...]Nós podemos refazer a nossa mentalidade se assim o desejarmos. Pois as teorias da psicologia e as realidades da experiência demonstram claramente o fato de que a capacidade da mente é extraordinariamente flexível e expansível. Essa capacidade pode desenvolver-se de forma inimaginável quando um esforço paciente no sentido de compreender aquilo que na aparência é incompreensível se aliar à esperança, que é a derradeira das possessões humanas, assim como a sabedoria é a melhor. Por isso, é preciso que nos disciplinemos mentalmente e nos moldemos eticamente para despertar a atitude correta para a árdua jornada que temos pela frente. Essa é a providência preliminar. 

[...] Quase todos nós começamos (no paradigma) como pecadores; cabe-nos esperar que terminemos um dia como sábios. Mas há uma enorme diferença entre o homem que se limita a chafurdar nos seus pecados e o homem que se ergue descontente e insatisfeito depois de cada ocasião de pecar. O primeiro está atolado e sem perspectivas, ao passo que o segundo não apenas se movimenta como também o faz na direção certa. Pois a alegria de enobrecer o caráter, aguçar a inteligência e ganhar fortaleza à medida que vivemos é uma das inúmeras vantagens da filosofia. Um simples olhar para as qualidades necessárias a esse estudo purificador mostrará que não se trata de um mero esmalte superficial destinado a pôr em relevo o intelecto do indivíduo e nem mesmo de um ornamento cultural; elas exigem muito do homem mas, no final, dão-lhe ainda mais em troca, pois têm ação preponderante no que diz respeito tanto a vida material como a eterna. Essas qualidades levam ainda a uma equilibrada compreensão da engrenagem da vida, não para efeitos de demonstrações teóricas mas para uma ação efetiva e sensata. Já foi demonstrado que a justificação prática da religião é a defesa que ela faz da boa vida; demonstrar-se-á mais tarde que a justificação da filosofia é a defesa que ela faz da melhor vida. Ainda que o presente estudo mais não faça, os objetivos práticos e psicológicos que nos apresentam lançam um sólido fundamento mental e moral para uma personalidade excepcional, que, mais cedo ou mais tarde, está fadada a distinguir-se numa ou noutra esfera de atividade. Ele será um guia seguro para uma conduta adequada e uma satisfação dos mais puros e exaltados sentimentos. Nós temos de sofrer uma profunda transformação com vistas à melhoria da atitude, das perspectivas e dos hábitos. Assim sendo, aquelas horas dedicadas à disciplina filosófica ou ao estudo não são em vão. A divindade que por essa forma adoramos recompensa os seus fiéis devotos.[...]

Em todos os estágios da disciplina filosófica o estudante deve reprimir suas emoções e seus sentimentos sempre que estes entrem em conflito com a razão. Sempre que se analisou o processo psicológico, constatou-se que, particularmente no exame dos problemas complexos, bem como na apreciação das idéias rivais, a tendência das pessoas indisciplinadas a embaralhar um raciocínio claro por meio de um confuso emaranhado emocional era incontrolável. Via de regra, tais pessoas vêem o mundo e interpretam as experiências da vida através dessa bruma. Cabe ao estudante desobstruir o caminho.

A personagem humana encerra em seu seio conglomerados de desejos antagônicos e impulsos contraditórios. Ela abriga paixões indistintas e antigos anseios cujo caráter arraigado nem sempre é suspeitado enquanto os momentos críticos não o traz à baila. Todas essas forças são tão poderosas que é acertado dizer que os homens vivem mais no sentimento do que na razão. A consequência é que pintam a maior parte dos seus pensamentos com desejos e anseios conscientes ou subconscientes, com temores irracionais e outros complexos emocionais. Não raro colocam cadeias nos próprios pés na forma de indecorosos anseios pessoais que são essencialmente danosos aos seus interesses. O fluxo e refluxo desses sentimentos e impulsos empurra-as contra a sua vontade e torna difícil para elas basear sua atitude genérica face à vida em fatos concretos ou no raciocínio correto.

[...] As rajadas emocionais mais fortes erigem uma barricada contra a qual nada podem os ataques da razão. A emoção não controlada pela razão é um dos grandes traidores da humanidade. Duas emoções poderosas — o ódio e a cobiça — respondem em conjunto por numerosos crimes na história do mundo. As paixões criadas pelo sexo são responsáveis por terríveis distúrbios. Aqui está uma das causas dos tradicionais vetos que a sociedade vem colocando à livre e plena manifestação da emoção no convívio humano decente.

O estudante de filosofia em particular não se pode dar ao luxo dessas explosões emocionais. Ele sabe que quando o sentimento inunda a vida do homem, isto se faz em detrimento da sua natureza intelectual.

E uma vez que o principal instrumento de penetração no domínio da verdade não é senão a própria mente, devidamente aguçada, ele, mais cedo ou mais tarde, terá de chegar a uma escolha definitiva entre o exercício constante da razão e da contenção ou o abandono à emoção e à paixão. Mais do que os outros, deve ele precaver-se contra as ilusões fomentadas pelos sentimentos pessoais, contra a prevalência do entusiasmo contagioso sobre o julgamento sóbrio, contra o sacrifício do fato objetivo à imaginação acalorada ou contra as ilusões ocasionadas pelos sentimentos pessoais ou pelo desejo sexual. Ele não poderá, de forma alguma, descobrir a verdade, se não estiver disposto a partir de uma posição fidedigna.

[...] Os desejos humanos, especialmente, são deveras competentes em seduzir a razão. Poucas pessoas reconhecem os reais motivos para as suas ações mais importantes. Há numerosas barreiras íntimas a tal reconhecimento erigidas pela própria pessoa ou então puramente inatas. E numerosos complexos emocionais envolveram-nas em suas ataduras que precisarão ser agora penosamente removidas a fim de que a verdade possa ser vista. Não raro o conhecimento é distorcido de modo a atender às conveniências da pessoa. É possível, por hipótese, que um estudante seja dotado de uma inteligência aguda e desenvolvida e ainda assim a sua dependência aos desejos faça-o acreditar na materialidade derradeira do mundo físico, quando todas as provas estiverem a indicar que essa derradeira natureza é essencialmente espiritual.

[...] A superfície de um lago só é capaz de refletir sem distorção uma imagem quando livre da ação do vento; a mente só pode investigar devidamente a verdade quando livre da ação dos sentimentos fortes. A racionalização do desejo é sempre agradável mas amiúde muito pouco proveitosa.

A esperança da filosofia está em obedecer à razão e não de frustrá-la obedecendo a desejos desordenados e excentricidades emocionais. Até mesmo a ambição desequilibrada e a vaidade indevida distorcerão o raciocínio e impedirão a aquisição de um conhecimento exato. Contudo, a ira e o ódio são desencaminhadores confessos. Quando irrefreadas, todas essas emoções são enganosos invasores que não obstante alegam propalar a verdade. Daí, aqueles que insistem em negar a razão no interesse dos seus sentimentos tornarem-se inaptos para esta busca, da mesma forma pela qual aqueles que preferem manter desvirtuada a sua mentalidade, descontrolada a sua paixão e irrefreada a sua repulsão instintiva jamais chegarão a uma verdadeira compreensão do significado da vida. Pois se entregarão ao esforço fútil e até mesmo impossível de acomodar a verdade num rijo leito de compulsões involuntárias e internas.[...] Chegamos assim à antiga sabedoria de que, se no reino dos homens a emoção impera momentaneamente, no final a razão deverá impor-se.[...]

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga




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