O que é pensar?
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O que é pensar?


Em termos bem simples, o pensar é evidentemente a reação do conhecimento e da experiência como memória. O computador registra em sua fita eletrônica uma enorme quantidade de dados e, se lhe fazemos uma pergunta adequada receberemos a resposta correta. De modo idêntico, uma grande quantidade de conhecimento herdados e adquiridos está gravada no cérebro humano como memória, e, quando desafiado, o cérebro reage de acordo com os conhecimentos armazenados, de acordo com as lembranças de suas várias atividades e experiências. A memória, seja consciente, seja inconsciente, é sempre condicionada. Como o computador, ela não pode transcender a si própria, passar além dos dados que lhe foram fornecidos. Nós, como entes humanos, não podemos transcender-nos porque estamos condicionados; estamos amarrados a nosso saber, nossos conhecimentos, nossa experiência, nosso passado. É o passado que responde a toda pergunta, e a resposta chamamos “pensamento”. A resposta pode exigir muito ou pouco tempo, e esse processo é bastante simples e claro. Uma pergunta familiar pode ser respondida imediatamente, ao passo que uma pergunta totalmente estranha exigirá um mais longo lapso de tempo — o intervalo entre a pergunta e a resposta será maior.

Assim, o que chamamos pensamento é sempre condicionado. Quanto mais a pessoa pensa no prazer e evita a dor, tanto mais fortemente se lhe enraízam na mente os valores e imagens do desejo. Ora, decerto, isso é muito simples. Entretanto, é correto e natural “reagirmos” ao que vemos. Ao vermos um belo carro, por exemplo, reagimos, e essa reação tem de ocorrer, pois, do contrário, estamos cegos, paralisados ou insensibilizados. Mas, por que ficar pensando nele? Se você deseja um carro, e tem meios para compra-lo, pode adquiri-lo. Se não tem os necessários recursos, por que continuar a cultivar na mente a imagem do prazer? Começamos, pois, a perceber que o desejo não é uma coisa a que devemos ter horror, que devemos controlar ou reprimir, porém, antes, devemos compreender como se origina e o que lhe dá continuidade. Uma vez que compreendemos esse quadro todo inteiro, o desejo terá significado bem diferente. Já não nos torturará a mente.

Pois bem. Se está claro o que se disse, já se pode perceber que o que chamamos “pensamento” é a origem do conflito. Nosso pensamento, sendo “reação” do passado, enfrenta inadequadamente, o desafio do presente e, por essa razão, há conflito. Dizemos, então, que o pensamento precisa ser controlado; mas esse próprio controle do pensamento só serve para aumentar o nosso conflito com a vida, a vida que, como aquela corrente, está em perene movimento. O pensamento, pois, não nos traz a compreensão da vida; o pensamento não liberta o espírito do sofrimento; o pensamento não criará a paz. O pensamento é a “reação” do passado, e, por conseguinte, é, sempre e necessariamente, limitado, condicionado. Enquanto a mente estiver traduzindo as atividades da vida em termos de pensamento, e enquanto o pensamento gerar ação, só poderá criar mais conflito e aflição.

Que é então a paz? A paz pode ser procurada por meio do pensamento, do prazer como “ideia organizada” Claro que não. A paz é um estado de espírito em que a imagem, ou a ideia, ou o prazer como “ideia organizada”, não se manifesta.

Vejam, por favor, que estamos pedindo à mente que faça uma coisa extraordinária, uma coisa que antes nunca fez. Estamos habituados a manter uma série de pensamentos, conclusões, fórmulas, de acordo com os quais agimos. Mas eu digo que tal processo não é, absolutamente, produtivo de paz. O que produz a paz é a compreensão de todo mecanismo do pensamento, do prazer e da ideia. Uma vez compreendido esse mecanismo, verifica-se, então, uma tranquilidade que o pensamento nunca vem perturbar. Não há, então, pensamento a não ser quando necessário.

(...) Como disse, se não compreendermos a natureza do pensamento, a natureza do prazer como ideia organizada, não haverá paz. Nós temos de viver neste mundo, que se vai tornando cada vez mais complexo e cada vez mais tirânico. O rádio, a televisão, os jornais, os políticos, os sacerdotes, as religiões organizadas, com suas crenças, dogmas, rituais, estão nos condicionando e sua propaganda se tornando cada vez mais hábil. Conhecem todos os truques psicológicos próprios para controlar a mente do homem. Devemos, pois, tornar-nos cônscios de todos esses processos, dessas inúmeras influências que nos estão assaltando continuamente, e delas libertar-nos. É aí que começa a simplicidade. Não é o espírito engenhoso, o erudito, porém o de natureza simples, que pode ver diretamente, sem nenhuma desfiguração; e haverá desfiguração enquanto em nós existir a imagem do prazer.

A mente simples é uma mente austera. Sabem o que significa “ser austero”? Por “mente austera” entende-se, em geral, aquela que rigorosamente se disciplinou, controlou, reprimiu, a que penosamente se ajusta a um padrão. Mas ela não é simples nem austera; é apenas temerosa e, por isso, se ajusta. Esse ajustamento é chamado “austeridade”; mas nós estamos falando de uma austeridade em que não há ajustamento de espécie alguma. Não estamos empregando a palavra “austero” em referência ao indivíduo que se disciplina de acordo com um padrão, porém, aquele que está perfeitamente cônscio de tudo o que o prazer implica, e da imagem ou centro. Esse próprio percebimento cria uma disciplina espontânea — e é essa a austeridade a que me refiro.


A pessoa não pode ser austera se não é apaixonada. Como sabem, para a maioria de nós, a palavra “paixão” se traduz em “carnalidade”, ou falamos em paixão pelo trabalho, paixão por expressar-nos, ou paixão por “vir a ser alguma coisa”. Mas eu a emprego no sentido de intensidade. Há uma acumulação de energia, que se torna extraordinariamente intensa — e isso é paixão. Sem essa paixão, não há austeridade e, por conseguinte, não há simplicidade.  Necessita-se de imensa paixão para se ser simples; e com essa paixão, essa intensidade, estão aptos a enfrentar o sofrimento. Não podem dissolver ou terminar o sofrimento, se você não têm paixão, extraordinária energia; e dissipa-se energia quando há conflito, isto é, quando dizem: “não devo sofrer”, ou tentam descobrir a causa do sofrimento, ou dele fugir. Vocês têm necessidade de toda energia de vocês, de toda a atenção, para enfrentar o sofrimento. Há um estado de intensa, apaixonada atenção, que, embora, não se ajuste, é altamente disciplinada e, por conseguinte, sobremodo austera. Nesse estado, a mente é bem simples, e, assim, capaz de enfrentar essa coisa que se chama “sofrimento”. Descobrirá, então, ela, por si própria, que o sofrimento tem um fim e, por conseguinte, o desespero, a frustração, o isolamento — que tudo isso também termina. Apenas com o cessar do sofrimento existe a liberdade, e é só então que a mente está livre e é, a um tempo, sábia e ativa. 

Jiddu Krishnamurti — O descobrimento do amor 





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