A família como sistema divisor
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A família como sistema divisor


A família não é um grupo autônomo, em oposição a sociedade? Ela não é o centro de irradiação de todas as atividades, não constitui uma relação que exclui e domina todas as outras formas de relação? Não é uma atividade geradora de divisão, de separação, do superior e do inferior, do poderoso e do fraco? A família, como sistema, existe para resistir ao todo; cada família está em oposição às outras famílias, aos outros grupos. A família, com suas propriedades, seus bens, não é uma das causas da guerra?
(…) A família, como hoje existe, é uma unidade, um centro de relações limitadas, egocêntricas e “exclusivas”. Muitos reformadores e desses chamados revolucionários têm procurado eliminar esse espírito “exclusivo” da família, gerador de atividades anti-sociais de toda ordem. Entretanto, ela é um centro de estabilidade, em oposição à insegurança, e a presente estrutura social, no mundo inteiro, não pode existir sem essa segurança. A família não é uma mera unidade econômica, e é bem evidente que todo esforço para resolver o problema nesse nível, está fadado a falhar. O desejo de segurança não é apenas de natureza econômica, porém muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança, dadas pelo Estado, pela coletividade, pela crença, etc. etc.; e qualquer dessas coisas gera, por sua vez, os seus problemas próprios. Temos de compreender o nosso desejo de segurança interior, psicológica, e não apenas cuidar de substituir um padrão de segurança por outro.
O problema, pois, não é a família, mas o desejo de estar em segurança. O desejo de segurança, em qualquer nível que seja, não é “exclusivo”? Esse espírito de exclusão se manifesta na família, na propriedade, no estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não constrói formas exteriores de segurança sempre “exclusivas”? O próprio desejo de estar em segurança destrói a segurança. A “exclusão”, a separação, tem de acarretar, inevitavelmente, a desintegração, o nacionalismo; o antagonismo de classes e a guerra são os seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordens e catástrofes sociais.
(…) Enquanto a família for um centro de segurança, haverá desintegração social; enquanto a família servir de meio para um fim autoprotetório, terá de haver conflito e sofrimentos. Não se espante, pois isto é muito simples. Enquanto eu faço uso de você ou de outro, para a minha própria segurança interior, psicológica, tenho de ser “exclusivo”; Eu sou importantíssimo, Eu tenho a máxima significação; esta é a minha família, minha propriedade. As relações utilitárias estão baseadas na violência. A família como meio de mútua segurança interior é um fator de conflito e confusão.
(…) Fazer uso do outro como meio de satisfação e segurança, não é amor. O amor nunca é segurança; é um estado de vulnerabilidade; é o único estado em que a “exclusão”, a inimizade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, uma família pode tornar-se existente, mas não será “exclusiva”, egocêntrica.
(…) É bom estarmos conscientes dos movimentos do nosso pensar. O desejo interior de segurança se expressa exteriormente pela “exclusão” e a violência, e enquanto o seu “processo” não for perfeitamente compreendido não poderá haver amor. O amor não é um refúgio diferente, na busca de segurança. O desejo de segurança tem de cessar completamente, para que o amor possa vir. O amor não é uma coisa que podemos fazer surgir mediante compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a negação mesma do amor. Um revolucionário, com uma ideologia, não é nenhum revolucionário: apenas oferece um substituto, uma segurança de qualidade diferente, uma nova esperança; e esperança é morte. Só o amor pode promover uma revolução ou transformação radical nas relações; e o amor não é produto da mente. O pensamento pode planear e formular as mais estupendas e promissoras estruturas, mas o pensamento só pode levar a mais conflito, confusão e miséria. O amor existe quando a mente astuciosa, a mente egocêntrica, não mais existe.
Krishnamurti – Reflexões sobre avida




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