autoconhecimento
O que se entende por verdadeira liberdade?
[...]O que nos interessa é só obter emprego ou fazer uso do nosso saber como meio de satisfação e engrandecimento próprio, como meio de progredir no mundo. Não é importante averiguarmos o que se entende por "verdadeira liberdade"? Se o compreendermos, talvez então o ensino de uma técnica de especialização profissional tenha seu valor. O mero cultivar da capacidade técnica, porém, sem se compreender o que é a verdadeira liberdade, leva à destruição, a e guerras maiores. E isso, de fato, está acontecendo no mundo atualmente. Vejamos, pois, o que se entende por verdadeira liberdade.
Evidentemente, o primeiro requisito da liberdade é a isenção de temor; não só o temor imposto pela sociedade, mas também o temor psicológico à insegurança. Vocês podem ter um ótimo emprego e estar galgando a escada do sucesso; entretanto, se há ambição, se há luta para ser alguém, não redunda isso em temor? E não implica isso, por conseguinte, em que o homem bem-sucedido na vida não é verdadeiramente livre? Dessa forma, o medo imposto pela tradição, pela chamada "responsabilidade", ou o acatamento aos decretos da sociedade, ou o próprio temor da morte, da insegurança, da doença, impede a verdadeira liberdade, no viver de vocês, não acham? Não é possível, pois, haver liberdade, quando há qualquer forma de compulsão exterior ou interior. Manifesta-se a compulsão sempre que há o impulso de ajustamento ao padrão da sociedade ou ao padrão que criaram para si mesmos, seja ele bom ou mau. O padrão é criado pelo pensamento, que é produto do passado, da sua tradição, sua educação, de toda experiência dua baseada no passado. Assim, enquanto houver qualquer espécie de compulsão — governamental, religiosa, ou do próprio padrão que criaram para si mesmos, no desejo de preenchimento e engrandecimento de vocês — não haverá a verdadeira liberdade. Isso não é fácil, nem é fácil compreender o que se entende por "verdadeira liberdade". Mas pode-se ver que, enquanto há temor, sob qualquer forma, não podemos saber o que é a verdadeira liberdade. Se, individual ou coletivamente, há temor, compulsão, não pode haver liberdade. Podemos especular a respeito da liberdade, mas a liberdade verdadeira é diferente das ideias especulativas a respeito da liberdade.
Nessas condições, enquanto a mente estiver buscando a segurança, sob qualquer forma — e é isso o que quase todos nós desejamos — enquanto a mente estiver buscando qualquer espécie de permanência, não haverá liberdade. Enquanto, individual ou coletivamente, buscarmos a segurança, tem de haver guerra — o que constitui um fato muito evidente; é o que está ocorrendo no mundo, hoje em dia. Por conseguinte, só pode haver a verdadeira liberdade quando a mente compreende todo esse "processo" do desejo de segurança, de permanência. Afinal é isso o que vocês desejam de seus deuses e de seus gurus. Nas suas relações sociais, nos seus governos, querem achar segurança; revestem os seus Deuses da suprema segurança, a qual paira acima de vocês; revestem essa imagem com a ideia de que, se, como entidade, possuem uma existência transitória, lá, pelo menos, lhes está garantida a permanência. Começam, pois, com o desejo de ser religiosamente permanente; e todas as suas atividades políticas, religiosas e sociais, quaisquer que elas sejam, se baseiam nesse desejo de permanência — esse desejo de estarem seguros, de se perpetuarem através da família, da nação, de uma ideia, ou de um filho. Como pode essa mente que, consciente ou inconscientemente, busca sem cessar, a segurança, como pode essa mente em algum tempo alcançar a liberdade?
Com efeito, não buscamos a verdadeira liberdade. Estamos buscando coisa diferente da liberdade: melhores condições de vida, uma situação melhor. Não queremos a liberdade, queremos condições melhores, superiores, mais dignas; e a isso chamamos "educação".[...] Em vez de serem entes humanos integrados, pensam de maneira separativa; suas atividades são fracionárias, fragmentárias, não são "integradas".
A atual maneira de viver de vocês denota que não desejam realmente a liberdade; o que desejam é meramente uma profissão melhor, mais segurança, mais satisfação — se sentirem seguros nos seus empregos, bem seguros nas suas posições, religiosa e politicamente. Tais indivíduos não podem criar um mundo novo. Não são pessoas religiosas. Não são pessoas inteligentes. Pensão tão-somente em termos de resultados imediatos, tal como os políticos. E enquanto deixarem o mundo entregue aos políticos, haverão de ter destruição, guerras e desgraças. Senhores, não sorriam, por favor. A responsabilidade é toda de vocês, e não de seus líderes; é responsabilidade individual de vocês. A liberdade surge por si; não pode ser procurada. Surge a Liberdade, quando não há mais temor, quando há amor no coração de vocês. Vocês não podem ter amor, se pensam como hinduísta, cristão, muçulmano, parsi ou o que mais seja. Vem a liberdade, quando a mente já não busca segurança para si, seja na tradição, seja no saber. A mente tolhida, sobrecarregada de conhecimento, não é uma mente livre. A mente só é livre, quando é capaz de, a cada momento que passa, ir ao encontro da vida, ao encontro da Realidade que se revela em cada incidente, cada pensamento, cada experiência; e essa revolução não é possível quando a mente está tolhida, inutilizada.
É dever do educador criar um novo ente humano, um ser humano diferente, sem medo, confiante em si, e disposto a criar sua própria sociedade — uma sociedade de todo dissemelhante da atual, baseada que está no temor, na inveja, na ambição, na corrupção. Só pode surgir a verdadeira liberdade no despontar da inteligência, que é a compreensão do inteiro "processo" da existência.
Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria
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