autoconhecimento
A importância de se compreender as tendências do "eu"
[...] As pessoas que pensam seriamente não podem deixar de reconhecer que o "eu" é a verdadeira causa de todas as iniquidades e sofrimentos. Penso que as pessoas mais refletidas estão bem cônscias disso. É evidente que a maioria das organizações religiosas se limitam a formular teorias, encarecendo de maneira vaga a necessidade de se abandonar completamente o "eu". Temos lido o que dizem os livros a respeito do abandono do "eu". Se temos inclinação religiosa, dispomos de um variado repertório de frases a respeito;talvez recitemos mantras, etc. Apesar de tudo isso, persistem nosso percebimento e nossas vagas concepções do "eu", sob a forma muito sutil ou muito primária. Penso que, por mais fácil que isso seja, deveríamos cuidar de compreender as várias expressões do "eu", para ver se não podemos desarraigá-lo de todo; pois creio que, sem a compreensão de toda a complexidade do "eu", não podemos ir mais longe — quer o "eu" esteja dividido em "alto" e "baixo", quer não, pois isso é sem relevância, só interessando à mente, que efetua tal divisão, com o fim de garantir a própria segurança. A menos que compreendamos todo esse complexo processo, não haverá a possibilidade de paz no mundo. Nós bem o sabemos. Estamos bem a par desse fato, consciente ou inconscientemente; entretanto, não tem ele influência alguma em nossa vida diária; não o trazemos para a realidade.
A questão sobre que temos discutido é a seguinte: Como é possível reconhecer as várias atividades do "eu" e suas formas sutis, atrás das quais a mente se abriga? Vemos o "eu", sua atividade, sua ação baseada na ideia. A ação baseada em ideia é uma forma do "eu", porque este dá finalidade e continuidade a tal ação. Assim, a ideia, posta em ação, se transforma em meio de dar continuidade ao "eu". Não existindo a ideia, tem a ação um significado inteiramente diferente, não oriundo do "eu". A busca de poder, de posição, de autoridade, a ambição, etc., são forma do "eu", manifestações de suas diferentes tendências.
O que mais importa, porém, é que se compreenda o "eu", e estou bem certo de que estais convencidos disso tanto quanto eu. Permita-me acrescentar que devemos interessar-nos vivamente por essa questão, pois creio que, se vós e eu, como indivíduos — e não como um grupo de pessoas pertencentes a certas classes, certas sociedades, certas divisões climáticas — pudermos compreendê-la e agir de acordo com essa compreensão, haverá uma revolução real. Quando um movimento se torna universal e melhor organizado, o "eu" nele se refugia; ao passo que, se vós e eu, como indivíduos, formos capazes de amar e colocar em prática essa capacidade na vida diária, essa revolução, tão necessária, virá sem falta, não por ter sido organizada com a cooperação de vários grupos, mas sim porque há uma revolução individual permanente.
[...] Sabeis o que entendo por "eu"? Com essa palavra quero significar a ideia, a memória, a conclusão, a experiência, as várias formas de intenções, confessáveis e inconfessáveis, o esforço consciente para ser ou para não ser, a memória acumulada do inconsciente, da raça, do grupo, do indivíduo, da tribo, etc., tudo isso, quer projetado exteriormente como ação, quer projetado espiritualmente como virtude; a luta que dai resulta é o "eu". Nele está incluída a competição, o desejo de ser. A totalidade desse processo constitui o "eu"; e sabemos realmente, quando nos vemos frente a frente com ele, que se trata de uma coisa perniciosa. Emprego propositadamente a palavra "perniciosa", porque o "eu" é um fator de divisão, o "eu" é egocêntrico, suas atividades, por mais nobres que pareçam, são separadas e isoladas. Sabemos de tudo isso. Sabemos também como são extraordinários os momentos de ausência do "eu", momentos em que não há sensação de luta, de esforço, o que acontece quando há amor.
Julgo importante compreender como a experiência que fortalece o "eu". Se sentimos verdadeiro interesse, cumpre-nos compreender esse problema da experiência. Ora, que entendemos por experiência? Temos constantes experiências, impressões; e essas, nós as traduzimos , a elas reagindo; ou estamos agindo em conformidade com essas impressões; somos calculistas, etc. Há constante ação recíproca entre o que vemos objetivamente e a nossa reação ao que vemos, uma ação recíproca entre o inconsciente e as lembranças inconscientes.
Não aprendais de cor o que estou dizendo. Observai — se me permitis sugeri-lo — observai as vossas próprias mentes e as atividades que nelas ocorrem, enquanto falo, e vereis. Não decorei as coisas que estou dizendo: estou simplesmente falando, à medida que elas vão ocorrendo.
Segundo as minhas lembranças, reajo a tudo o que vejo e a tudo o que sinto. Nesse processo de reação ao que vejo, ao que sinto, ao que sei, ao que creio, ocorre a experiência. Não é assim? A reação ao estímulo produzido por algo que vimos é experiência. Quando vos vejo, reajo; essa reação é experiência. Se não dou nome à reação, ela não é experiência. Por favor, observai. Observai vossas próprias reações e o que está ocorrendo em vós. Não há experiência, se não há ao mesmo tempo um processo de denominação. Se não vos reconheço, como posso ter experiência? Isso parece muito simples e exato. Isto é, se não reajo, diante de vós, de acordo com minhas lembranças, de acordo com minhas condições, de acordo com meus preconceitos, como posso saber que tive uma experiência? É um dos exemplos.
Há, também, a projeção dos vários desejos. Desejo estar protegido, ter segurança interior; ou desejo ser um Mestre, um guru, um instrutor, um Deus; e "experimento" o que projetei. Isto é, projetei um desejo, que assumiu uma forma, a que dei um nome; a essa coisa reajo. Ela é projeção minha. Tem o nome que lhe dei. Esse desejo que me proporciona uma experiência, faz-me dizer: "Compreendi", "Experimentei", "Encontrei-me com o Mestre". Vós conheceis todo o processo de dar o nome e "experimentar". Desejo é o que chamais experiência, não é verdade?
Quando desejo o silêncio da mente, que está ocorrendo? Que acontece? Reconheço a importância de se ter a mente silenciosa, a mente tranquila, por várias razões: porque os Upanishads o disseram, porque o disseram as escrituras religiosas, os santos e, ainda, porque, ocasionalmente, também eu sei como é bom estar tranquilo, pois minha mente gosta tanto de tagarelar! Às vezes tenho o sentimento de que é muito agradável ter a mente serena, a mente silenciosa. Desejar a mente silenciosa é experimentar o silêncio. Desejo ter a mente silenciosa, e por isso vos pergunto: "Como consegui-lo?" Sei o que diz este ou aquele livro sobre a meditação e as várias formas de disciplina. Desejo uma mente silenciosa, por meio da disciplina, e "experimento" o silêncio. O "eu" se instalou na experiência do silêncio. Estou-me fazendo claro? Quero compreender o que é a verdade; tal é o meu desejo, minha ânsia; dá-se, então, minha "projeção" daquilo que considero como sendo a verdade, porque li muito a respeito; ouvi muitas pessoas falarem a respeito; as escrituras religiosas a descreveram. Desejo tudo isso. Que acontece? O próprio desejo é "projetado", e tenho experiência, porque reconheço esse estado. Se eu não reconhecesse esse estado, essa "verdade", eu não o chamaria "verdade". Reconheço-o e experimento-o. Essa experiência fortalece o "eu". Não é verdade? O "Eu", portanto, se entrincheira na experiência. E dizeis, então: "Sei", "Existe o Mestre", "Existe Deus", ou "Não existe Deus" Dizeis que desejais o advento de determinado sistema político, porque ele é justo e todos os outros são injustos.
Vemos, pois, que a experiência está sempre fortalecendo o "eu". Quanto mais vos fortaleceis, tanto mais ficais entrincheirados na vossa experiência, e tanto mais se fortifica o "eu". Como resultado disso, tendes uma certa força de caráter, uma certa força de conhecimento, de crença, que conseguis impor aos outros, porque sabeis que eles não são inteligentes como vós, e porque tendes o dom de manejar a pena e sois muito sagaz. Como o "eu" continua a operar, sempre, vossas crenças, vossos Mestres, vossas castas, vosso sistema econômico são um processo de isolamento e, portanto, uma fonte de disputas. Deveis, se sentis verdadeiro interesse, dissolver completamente essa coisa, em vez de a justificar. Eis porque é necessário compreender o processo da experiência.
É possível à mente, ao "eu", deixar de projetar, de desejar, de experimentar? Percebemos que as experiências do "eu" são sempre uma negação, uma destruição e no entanto chamamo-las ação positiva. Não é verdade? É isso o que chamamos a maneira positiva de viver. O desfazer esse processo é que chamais negação. Tendes razão? Não há nada positivo. podemos, vós e eu, como indivíduos, penetrar até a raiz do processo do "eu", e compreendê-lo? Ora, qual é o elemento que o dissolve? Que é que causa a dissolução do "eu"? Grupos religiosos e outros têm explicado o meio de dissolver o "eu" pela identificação. Identificai-vos com algo maior, e o "eu" desaparecerá — dizem eles. Nós, porém, dizemos que a identificação continua a ser um processo do "eu". Não sei se estais compreendendo isso. Todas as variadas formas de disciplina, de crenças e de conhecimento, só servem para fortalecer o "eu".[...]
Krishnamurti em, Quando o Pensamento Cessa
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