A mutação mental que ocorre sem drogas e sem desejo
autoconhecimento

A mutação mental que ocorre sem drogas e sem desejo


O homem tem tentado todos os meios para fugir dos problemas, evitá-los ou encontrar algum pretexto para não resolvê-los. Falta-nos provavelmente a capacidade, a energia, o impulso necessários para os resolvermos e, tão habilmente preparamos as nossas vias de fuga, que nem sequer percebemos que estamos fugindo. Uma mudança total me parece ser necessária, uma radical revolução da mente, revolução que não seja uma "continuidade modificada", porém uma total mutação psicológica que liberte a mente, de todo, de sua sujeição ao tempo; que a torne capaz de ultrapassar a estrutura do pensamento, não para ingressar numa certa região metafísica, porém, sim, numa dimensão atemporal, onde ela não estará fechada em sua estrutura e seus problemas.... Temos tentando muitos meios, inclusive o L.S.D., crenças, dogmas, seitas religiosas, disciplinas, meditação. E, ao fim de tudo isso, a mente tem permanecido exatamente a mesma: vulgar, estreita, limitada, ansiosa, ainda que tenha passado por períodos de iluminação, lucidez. É isso o que está fazendo a maioria de nós, em nosso esforço para alcançarmos uma certa visão, uma clareza, algo que não seja produto do pensamento — para sempre voltar ao mesmo estado de confusão. A liberdade parece inexistente... Não sabemos o que significa liberdade. Só somos capazes de formar uma imagem, uma ideia, uma conclusão, a respeito dela — o que ela deve ser, o que não deve ser. Para a experimentarmos, para a encontrarmos realmente, requer-se muito exame, muita penetração do nosso processo pensante.

Nessa tarde, desejo investigar se é possível ao homem, ao ente humano, libertar-se inteiramente do medo, do esforço, de toda espécie de ansiedade. Essa libertação deve ser inconsciente, isto é, não deve ser deliberadamente provocada. Para compreendermos esta questão temos de examinar o que significa mudança. Nossa mente está acorrentada, condicionada pela sociedade, por nossa experiência, nossa herança racial, enfim, por todas as influências a que o homem está sujeito. Pode um ente humano libertar-se de tudo isso e, por si mesmo, descobrir um estado mental inteiramente incontaminado pelo tempo? Afinal, é isso o que todos nós estamos buscando. Cansados das diárias experiências da vida, de seu tédio, de sua trivialidade, desejamos alcançar, através da experiência, algo muito superior. Chamamos esse estado de Deus, uma visão, ou damos-lhe não importa o nome.

(...) Nós temos de mudar. Há em nós muito do animal: agressividade, violência, avidez, ambição, busca de sucesso, esforço para dominar. Podem esses remanescentes do animal ser totalmente erradicados, de modo que a mente deixe de ser violenta, agressiva? A menos que a mente se encontre em perfeita paz, em completa tranquilidade, não há a possibilidade de descobrir-se nada novo. Sem esse descobrimento, sem a transformação da mente, ficaremos meramente vivendo no processo temporal da imitação, continuaremos com o que era, a viver no passado. O passado não só está presente, mas também o presente é o passado.

Que se entende por mudança? Ela é uma inadiável necessidade, porquanto nossa vida é bastante trivial, vazia, monótona e estúpida, sem significação. Ter de frequentar diariamente um escritório durante os próximos quarenta anos, gera alguns filhos, estar sempre à procura de entretenimento, na igreja ou no campo de futebol — tudo isso, para um homem amadurecido, é muito pouco significativo. Sabemos disso, mas não sabemos o que devemos fazer; não sabemos como deter o processo temporal.

(...) Mudança, para a maioria de nós, significa um movimento em direção ao conhecido. Ora, isso não é uma mudança real, porém, uma continuação do que era, num padrão modificado. Todas as revoluções sociais se baseiam nessa espécie de mudança... Mas, isso não é nenhuma mudança, porém, mera reação; e a reação é sempre "imitativa".

Quando falamos de mudança, não se trata de mudança ou mutação de o que era para o que deveria ser. Espero que estejais observando o processo de vosso próprio pensar e percebendo não só a necessidade de mudança, mas também o vosso condicionamento, as limitações, os temores, as ansiedades, a total solidão e monotonia da vida. Estamos nos perguntando se essa estrutura pode ser totalmente demolida, para que possa se tornar existente um novo estado mental. Esse estado mental não pode ser preconcebido; se assim for, trata-se meramente de um conceito, de uma ideia; e uma ideia nunca é real.

(...) Só conhecemos o esforço como meio de efetuar qualquer mudança — mudança motivada sempre pelo prazer ou pela dor, pela recompensa ou a punição. Para se compreender a mudança, no sentido que damos à palavra, no sentido de mutação, de transformação total da mente, temos de investigar a questão do prazer. Se não compreendermos a estrutura do prazer, a mudança ficará sempre na dependência de prazer e da dor, da recompensa ou da punição. O que todos queremos é prazer, cada vez mais prazer — ou o prazer físico, do sexo, das posses, do luxo, etc. — o qual é muito fácil de compreender e de rejeitar — ou o prazer psicológico, no qual estão baseados todos os nossos valores morais, éticos, espirituais.

(...) O animal só deseja prazer. E, como disse, há muito do animal em nós. A menos que compreendamos a natureza da estrutura do prazer, a mudança ou mutação será uma mera forma de continuidade do prazer, no qual está sempre contida a dor... Que é prazer? Por que busca a mente com tanta persistência essa coisa chamada prazer? Por prazer entendo o sentir-nos superiores, psicologicamente, a violência e seu oposto, a não violência. Cada oposto contém o oposto respectivo; a não violência, por conseguinte, não é, de modo nenhum, não violência. A violência proporciona grande prazer. Há enorme prazer em adquirir, em dominar; e, psicologicamente, no sentimento de possuir uma certa capacidade, de ter alcançado um objetivo importante, no sentimento de ser inteiramente diferente de outra pessoa. Nesse princípio do prazer estão baseadas as nossas relações; nele se alicerçam os nossos valores éticos e morais. O prazer supremo não é só o sexo, porém a ideia de termos descoberto Deus, de termos descoberto algo totalmente novo. Estamos constantemente a esforçar-nos por alcançar esse prazer supremo. Alteramos os padrões de nossas relações. Não gosto de minha mulher e procuro vários pretextos para escolher outra mulher. É dessa maneira que estamos vivendo — nessa batalha constante, nessa luta interminável. Nunca refletimos sobre o que é o prazer, sobre se, psicologicamente, existe um estado real de prazer. Por meio do pensamento concebemos ou formulamos o prazer e desejamos alcançar esse prazer. O prazer, pois, pode ser produto do pensar.

Cumpre compreender tudo isso muito profundamente, perceber com máxima clareza a estrutura inteira do prazer, em vez de tratarmos de nos livrar dele, que é falta de maturidade. É isso o que fazem os monges, por todo este mundo. Estamos empregando a palavra "compreender" num sentido não intelectual, não emocional: no sentido de vermos uma coisa com toda a clareza, tal como é e não como gostaríamos que fosse; sem a interpretarmos de uma certa maneira, conforme nosso temperamento. Então, quando compreendemos uma coisa, isso não significa que uma mente individual a compreendeu, porém, sim, que há um total percebimento desse fato. Seria bastante absurdo e insincero, de nossa parte, dizermos: "Não estou em busca de prazer". Todos o estão buscando.

Para compreendermos o prazer, temos de examinar não só a questão do pensar, mas também a estrutura da memória... O prazer se torna existente por causa de uma experiência deleitável. A experiência foi-se, mas a lembrança ficou. Então a memória reage e, por meio do pensamento, deseja a repetição daquele prazer. A memória está sempre a esforçar-se. Isto é simples. O pensamento ocupa-se sempre com as coisas que proporcionam prazer — sexo, sucesso, etc.

(...) O meio cultural em que vivemos nos impôs certos padrões de comportamento, certos padrões de pensamento, certos padrões de moralidade. Quanto mais antiga a cultura ou civilização, tanto mais condicionada a mente se torna. Existe aquele padrão, que a mente está sempre a imitar, a seguir, sempre a ajustar-se a ele. Esse processo chama-se "ação". Se trata-se de atividade puramente técnica, está a mente meramente a copiar, a repetir, a acrescentar alguma coisa ao que era. Por que atuamos com uma ideia?...

(...) Vejo-me aflito. Psicologicamente, acho-me num estado de terrível perturbação. Tenho a ideia sobre o que devo fazer, o que não devo fazer, como proceder para alterar esse estado. Essa ideia, essa fórmula, esse conceito me impede de olhar o fato — o que é. A ideação e a fórmula são fugas ao que é. Há ação imediata em presença de um grande perigo. Não há então nenhuma ideia. Não formulamos primeiramente uma ideia, para agirmos de acordo com ela.

A mente se tornou preguiçosa, insensível, por causa da fórmula que lhe proporciona um meio de fuga à ação em presença do que é... Que necessidade tenho de uma ideia?... Quando sente fome, não há nenhuma ideia a esse respeito. Depois é que vem a ideia relativa ao que devemos comer; então, conforme dita-nos o desejo do prazer, comemos. Só há ação em relação ao que é, quando nenhuma ideia existe sobre o que se deve fazer a respeito do fato com que nos defrontamos, o qual é o que é.  

(...) Este é um problema que exige muito percebimento, e não um dado estado espiritual, absurdo, místico: percebimento das palavras que usais, do que falais, do que fazeis, do que pensais. Deveis estar conscientes de tudo isso, para começardes a descobrir por vós mesmos todos os movimentos de vossa mente, que é também a mente de todos os outros entes humanos do mundo. Não precisais de ler nenhuma filosofia ou psicologia, para descobrirdes o processo de vossa própria mente. Ele está à vossa frente; tendes de aprender a olhá-lo; e para olhá-lo, deveis estar conscientes não só das coisas externas, mas também dos movimento interiores. O movimento exterior é também o movimento interior; não existe "exterior" e "interior". É um movimento de constante intercâmbio. Tendes de estar conscientes desse movimento; mas não precisais ingressar num mosteiro para aprenderdes a estar consciente, o que tendes de fazer é apenas manter-vos vigilantes, todos os dias, ao entrardes num ônibus, num carro, ao fazerdes qualquer coisa. Isso exige enorme atenção, atenção significa energia. Começareis assim a descobrir como a energia se dissipa por causa de nosso interminável tagarelar e, por conseguinte, pela vigilância, começareis a estar conscientes sem escolha, sem gostar ou não gostar, sem condenação. Começareis a observar, simplesmente: a observar vossa maneira de andar, de falar, de tratar os outros. Esse mesmo ato de observar, sem nenhuma fórmula, produz uma tremenda energia. Não precisais tomar drogas para terdes energia. Vereis então por vós mesmos, que se opera uma mutação, sem a terdes desejado.

Krishnamurti – Nova Iorque, 28 de setembro de 1966
A Importância da Transformação - Cultrix




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