autoconhecimento
De que maneira podemos aquietar os pensamentos?
Será que poderemos renunciar a todas as ideias, conceitos e teorias e descobrir por nós mesmos se existe alguma coisa sagrada — não a palavra, porque a palavra não é a coisa, como a descrição não é o descrito —, ver se existe alguma coisa real, não imaginária, ilusória ou fantástica; não um mito, mas uma realidade que não pode jamais ser destruída, uma verdade permanente?
Para descobrirmos, para reconhecermos isso, toda a autoridade, de qualquer espécie, principalmente a espiritual, tem de ser posta de lado, porque a autoridade implica conformismo, obediência e aceitação de determinados padrões. A mente precisa ser capaz de manter-se sozinha, ser sua própria luz. Seguir os outros, pertencer a grupos, seguir métodos de meditação ditados por uma autoridade ou pela tradição é totalmente irrelevante para aquele que investiga o fato de haver ou não a eternidade, algo que não é mensurável pelo pensamento, que opera em nossa vida diária. Se não faz parte de nossa vida diária, então a meditação é uma fuga, e absolutamente inútil. Isto tudo significa que temos de nos manter sozinhos. Existe uma diferença entre isolamento e solidão, entre estar só e ser capaz de ficar consigo mesmo, na mais absoluta clareza, sem qualquer contaminação.
Estamos relacionados com todos os aspectos da vida, não com um segmento, com apenas um fragmento dela, mas com tudo o que fazemos, pensamos, sentimos e como atuamos. E como estamos relacionados com todos os aspectos da vida, não podemos de maneira alguma pegar um fragmento, que é um pensamento, e por meio dele resolver todos os nossos problemas. O pensamento pode dar autoridade a si mesmo, a fim de reunir todos os outros fragmentos, mas foi o pensamento que criou os fragmentos. Estamos condicionados a pensar em termos de progresso, de realizações gradativas. As pessoas pensam em desenvolvimento psicológico, mas será que existe algo como psicologicamente "eu", realizando qualquer coisa que não seja a projeção de um pensamento?
Para descobrirmos se existe algo que não seja projetado pelo pensamento, que não seja uma ilusão ou um mito, devemos nos perguntar se o pensamento pode ser controlado, mantido em suspenso, ser suprimido de tal forma que a mente possa permanecer imóvel. O controle compõe-se de um controlador e um controlado, certo? Quem é o controlador? Não será ele também uma criação do pensamento, um dos fragmentos do pensamento que assumiu a condição de controlador? Se achar que isto é verdade, então o controlador é o controlado, a experiência é o experimentador, o pensador é o pensamento. Não são entidades separadas. Se compreender isto, então não há necessidade de controle.
Se não há controlador, porque ele é o controlado, então, o que acontece? Se existe uma divisão entre o controlador e o controlado, significa que existe conflito e, portanto, desperdício de energia. Há acúmulo de energia, de toda aquela energia que foi dissipada na supressão e na resistência ocasionadas pela separação entre controlador e controlado. Deve ficar claro, na meditação, que não existe nenhum controle, nenhuma disciplina de pensamento, pois aquele que disciplinar o pensamento é um fragmento do pensamento. Se você achar que isto é verdade, então obterá toda a energia que foi desperdiçada por meio da comparação, do controle e da supressão, para ir além do ponto em que se encontra hoje.
Nossa pergunta é se a mente pode permanecer absolutamente imóvel, porque aquilo que está imobilizado contém mais energia. Poderá a mente — que está o tempo todo tagarelando, sempre em movimento, com os pensamentos sempre voltados para trás, relembrando, acumulando conhecimentos, constantemente se modificando — permanecer totalmente quieta? Alguma vez você tentou descobrir se o pensamento pode ficar parado? Como descobrir de que maneira podemos aquietar os pensamentos? Bem, pensamento é tempo, tempo é movimento, e o tempo é mensurável. Diariamente medimos e comparamos, tanto física como psicologicamente. Isto é medição, comparar significa medir. Será que podemos viver o dia-a-dia sem fazer comparações? Podemos parar de comparar, de modo geral, não na meditação, mas no nosso cotidiano? Comparamos quando escolhemos entre dois materiais, entre este e aquele tecido, este e aquele carro. Quando comparamos partes do conhecimento, porém, psicológica e interiormente, nos comparamos com os outros. Quando cessar definitivamente essa comparação estaremos de fato sozinhos? Isto acontecerá quando deixarmos de lado as comparações — o que não significa vegetar. Então, na vida diária, poderemos viver sem comparações? Experimente uma vez, e verá o que isso implica. Você estará se livrando de uma tremenda carga; e quando nos livramos de uma carga não precisamos mais de energia.
Você já prestou atenção em alguma coisa? Você presta atenção quando alguém está lhe falando? Ou está ouvindo com a mente comparativa que já adquiriu certos conhecimentos e está comparando o que está sendo dito com o que você já sabe? Não estará interpretando o que está sendo dito de acordo com seus prévios conhecimentos, suas próprias inclinações, seus próprios julgamentos? Isto não é atenção, certo? Se prestar total atenção com seu corpo, seus nervos, olhos, ouvidos, sua mente, com todo o seu ser, não haverá nenhum centro por meio do qual você estará observando; só a atenção está presente. Esta atenção é o silêncio completo.
Por favor, ouça isto. Infelizmente, ninguém lhe dirá essas coisas, portanto, ouça com atenção o que está sendo dito, pois o simples ato de ouvir é o milagre da atenção; não existem limites nem fronteiras e, por conseguinte, não há direções. Só há atenção, e quando ela está presente, não existe mais eu e você, não existe mais dualidade, não há mais o observador e o observado. E isto não é possível quando a mente está se movimentando em determinada direção.
Fomos educados e condicionados a nos mover de acordo com direções, daqui para lá. Temos uma ideia, uma crença, um conceito, uma fórmula que traduz a realidade, a felicidade que existe algo além do pensamento e fixamos isso como uma meta, um ideal, uma direção e, então, caminhamos nessa direção. Quando caminhamos em certa direção não há espaço. Quando nos concentramos, caminhamos ou pensamos em determinada direção, não há espaço em nossa mente. Não há espaço quando nossa mente está lotada de apegos, medos, busca de prazer, desejo de poder e posição. Portanto, se a mente está lotada, não há espaço. O espaço é necessário, e onde há atenção não há direção, apenas espaço.
A meditação não requer movimento algum. Isso quer dizer que a mente está em repouso absoluto e não está se movimentando em nenhuma direção. Não há movimento. Movimento é tempo, é pensamento. Se acharmos que isto é verdade, não sua descrição oral, mas a verdade que não pode ser descrita, então teremos a mente em absoluto repouso. É preciso aquietar a mente, não com o intuito de dormir mais ou de executar melhor seu trabalho ou ganhar mais dinheiro!
A vida da maioria das pessoas é vazia, é pobre. Embora possam ter um cabedal de conhecimentos, sua vida é pobre, é contraditória, incompleta, infeliz. Tudo isso é pobreza, e as pessoas desperdiçam a vida tentando enriquecer interiormente, cultivando diversos tipos de virtude e todo o resto de tolices. Não que a virtude não seja necessária, pois é ordem, e a ordem só pode ser compreendida quando vivemos na desordem. O fato é que conduzimos nossas vidas desordenadamente. Desordem significa contradição, confusão, desejos desencontrados, dizer uma coisa e fazer outra, ter ideais e o desacordo entre você e esses ideais. Tudo isso é desordem, e quando tomamos consciência e colocamos nesse fato toda a atenção, surge a ordem, que é uma virtude — algo vivo, não algo inventado, praticado e feio.
A meditação em nossa vida diária é a transformação da mente, uma revolução psicológica para que possamos viver — não na teoria, como um ideal, mas em cada movimento dessa vida —, na qual existe compaixão, amor e a energia que transcende toda a pequenez, toda a estreiteza e toda a incerteza. Quando a mente está em repouso — em repouso absoluto, aquietada não pelo desejo ou pela vontade — então surgirá uma maneira de ser completamente diversa de movimento, que não implica tempo.
Veja, falar sobre esse estado seria absurdo. Seria uma descrição verbal e, portanto, irreal. O que importa é a arte da meditação. Um dos sentidos da palavra "arte" é colocar tudo em seus devidos lugares, colocar tudo em nossa vida diária no lugar certo, para que não haja nenhuma confusão. E quando existe ordem, lisura de procedimento e uma mente totalmente quieta em nossa vida diária, então a própria mente saberá sozinha se é ou não imensurável. Enquanto não descobrirmos esta mais elevada forma de santidade, nossa vida será insípida e sem sentido. Por isso, a meditação correta é absolutamente necessária, a fim de tornar nossa mente jovem, sadia e pura. Pura quer dizer incapaz de ser contaminada. Isso tudo faz parte da meditação que não está divorciada dos nossos hábitos diários. A meditação é necessária para que compreendamos nossa rotina. Ou seja, ficar atento a tudo o que fazemos — quando falamos com alguém, nosso modo de caminhar, nossa maneira de pensar —, o que pensamos — prestar atenção a essas coisas é parte da meditação.
Meditar não é fugir. Não há mistérios. Da meditação surge uma vida santificada, sagrada. E a partir daí tudo para nós é sagrado.
Krishnamurti – Nossa luz interior - Ágora
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