autoconhecimento
Krishnamurti — A Consumação Das Nossas Energias
O pensamento é limitado pela simples razão de o conhecimento também o ser, e assim, qualquer que seja a ação que empreenda, o que quer que ele crie, deve igualmente ser limitado. Temos de possuir clareza mental e pureza do coração a fim de podermos compreender a natureza da mente religiosa. Para descobrirmos isso devemos efetivar a completa negação de todos os rituais e símbolos criados pelo pensamento. Se negarmos isso, e recusarmos aquilo que é falso, então descobriremos o verdadeiro. Se percebermos por nós próprios que todos os sistemas de meditação são criados pelo pensamento, então negá-los-emos todos. Porquanto eles são concebidos pelo homem. A vida que levamos é tão ordinária e incerta que chegamos a alcançar a tendência de procurar um tipo qualquer de satisfação interior profunda ou um pouco de amor, algo que seja estável, permanente, duradouro. Queremos algo que se apresente imutável, inalterável, e pensamos que o conseguiremos se empreendermos determinadas coisas. Essas coisas são inventadas pelo pensamento, mas o pensamento por si mesmo é contraditório e por essa razão, toda a meditação que seja assente numa estrutura concebida pelo pensamento não poderá ser meditação, absolutamente. Isso implica a completa recusa de tudo que o homem concebeu psicologicamente. No campo da tecnologia não podemos efetuar essa negação, contudo temos de negar todas as coisas que criamos e escrevemos sobre a busca da verdade. Mas nós caímos sempre nessa armadilha por querermos escapar do cansaço, da tristeza e das agonias da vida. Desse modo temos de recusar todas essas posturas, todos esses exercícios respiratórios e atividade do pensamento, para que assim possa surgir a questão do pensamento ser ou não capaz de chegar a um término. Ou seja, sabermos se o pensamento que se torna tempo, poderá deixar de existir. Não o tempo externo mas o tempo que está implícito ao vir a ser, quer isso represente tornar-se iluminado, ou não-violento, ou o vir a ser do homem vaidoso na busca de um meio para se tornar humilde. Todo esse padrão psicológico de nos tornarmos alguém constitui o tempo. E o tempo é também pensamento. Portanto poderá o pensamento ter fim? Não findar através de uma disciplina nem duma forma de controle qualquer, pois que entidade será essa que disciplina?
Sempre subsiste em nós o sentido de dualidade psicológica: do controlador e da coisa controlada, do observador e da coisa observada, daquele que experimenta e da coisa experimentada, do pensador e do pensamento. Temos sempre presente essa dualidade divisiva, provavelmente decorrente da observação do mundo físico, porque aí existe a dualidade da luz e da sombra, da claridade e da escuridão, do homem e da mulher, etc. É pois provável que tenhamos transferido a observação disso para o campo psicológico. Mas será que existe um controlador que seja diferente da coisa controlada? Pensem cuidadosamente nisso, por favor.
Na meditação clássica ou comum, os gurus que a propagam interessam-se pela questão do controlador e da coisa controlada, e recomendam o controlo do pensamento a fim de o eliminarmos e reduzirmos a um só. Mas nós estamos interessados em investigar a identidade do controlador. Podemos referir que seja o " eu superior", "a testemunha", "algo que não seja formado pelo pensamento", porém é óbvio que o controlador constitui parte intrínseca do pensamento. Portanto, o controlador é a coisa controlada. O pensamento dividiu-se em controlador e aquilo que procura controlar, todavia isso ainda é atividade do pensamento.
Chega a ser um fenôeno bastante estranho que o pensamento invente deuses e depois se ponha a adorá-los. Isso é idolatria de si mesmo.
Assim, quando compreendemos que todo o movimento do controlador é o controlado, então deixa de existir controle. Trata-se de uma coisa verdadeiramente perigosa de referir a alguém que não o compreende, porque não estamos a advogar a falta de controle. Aquilo que estou a dizer é que quando se observa que o controlador é a coisa controlada, quando se observa que o pensador é o pensamento — e se permanece com a verdade disso — com a sua realidade, sem nenhuma interferência do pensamento, então podemos passar a deter um tipo de energia completamente diferente.
A meditação consiste na congregação de todas as nossas energias. Não da energia criada pelo pensamento através de um qualquer tipo de choque, mas a energia de um estado mental em que não subsiste conflito completamente nenhum. A palavra "religião" provavelmente significa reunir ou juntar todas as nossas energias de forma a atuarmos de modo diligente. A mente religiosa age com prontidão, ou seja, é atenta, observadora e cuidadosa na acção. E essa sua observação comporta afeto e compaixão.
A concentração é uma outra invenção do pensamento. Na escola ordenam-nos que estejamos atentos ao livro. Desse modo aprendemos a concentrar-nos, procurando excluir os outros pensamentos e impedindo-nos de olhar pela janela. Mas na concentração há resistência e estreitamento do imenso campo de energia da vida a um determinado nível. Ao invés, na atenção — que consiste numa forma de consciência em que não há escolha, uma consciência indistinta — toda a nossa energia se faz presente. Quando possuímos essa atenção não existe um centro a partir do qual ela seja exercida, enquanto que na concentração sempre existe um centro a partir do qual prestamos atenção.
Devíamos também falar sobre a importância do espaço. Pelo modo como vivemos neste mundo moderno, em apartamentos construídos uns sobre os outros, o espaço físico tornou-se diminuto. Externamente sofremos com essa falta de espaço mas interiormente também não possuímos espaço nenhum porque o nosso cérebro está constantemente a tagarelar. Meditar é entender ou descobrir um espaço que não seja criado pela ação do pensamento, espaço que não seja nem "eu" nem "não eu". Esse espaço não pode ser inventado nem constituir uma ideia, tem que ser um espaço real, ou seja, uma sensação ilimitada de distância, observação desimpedida e um movimento perpétuo isento de barreiras. Isso constitui um espaço imenso, destituído de tempo, porque o tempo nascido do pensamento ficou para trás, devido a que tenhamos compreendido que, enquanto o pensamento ocupar o seu próprio espaço, não poderemos possuir essa imensidão de espaço ilimitado. Quando pretendemos aprender uma técnica, o saber e o pensamento necessitam de tempo e de espaço.
A memória é necessária num determinado nível, porém não necessitamos dela no campo psicológico. Sempre que possuímos atenção que purifica o cérebro de toda a acumulação da memória, então o "eu" que progride e alcança, o "eu" que se acha em conflito chega ao fim, por termos deixado a "nossa casa" em ordem. O cérebro possui o seu próprio ritmo, todavia esse ritmo foi distorcido por toda a extravagância e maus tratos das drogas, da fé, das crenças, da bebida e do tabaco. E desse modo perde a sua vitalidade prístina.
A meditação é a noção do completo entendimento da vida no seu todo, a partir do que se origina a ação correta. A meditação é o silêncio absoluto da mente; não o silêncio relativo nem o silêncio que o pensamento projetou e estruturou, mas o silêncio da ordem, que também significa liberdade. Somente nesse completo silêncio, nesse silêncio incorrupto assenta a verdade, que existe por todo o sempre. Isso é meditação.
Krishnamurti — O significado autêntico da meditação — 5 Fev. 1982
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