autoconhecimento
É possível ser nada?
PERGUNTA: Muitas vezes falais do viver, do experimentar, e, no entanto, também falais de sermos como o Nada. Que estado é esse de ser conscientemente tal como o Nada? Tem isso alguma relação com a humildade, com o estar aberto à graça de Deus?
KRISHNAMURTI: Ser alguma coisa, conscientemente, não significa estar livre. Se estou cônscio de ser não ávido, de não estar sujeito à cólera, por certo não estou livre da avidez nem da cólera. A humildade é uma coisa de que não podemos estar cônscios. Cultivar a humildade é cultivar a expansão egoísta em sentido negativo. Por conseguinte, toda virtude que é deliberadamente cultivada, praticada, vivida, não é, evidentemente, virtude. É uma forma de resistência; é uma forma de expansão do “eu”, que tem sua peculiar satisfação. Mas não é virtude. A virtude é apenas uma liberdade, na qual se descobre o real. Sem a virtude não há liberdade. A virtude não é um fim em si. Ora, não é possível, pela esforço deliberado e consciente, ser tal como o nada, porque nesse caso trata-se, mais uma vez, de algo que se conseguiu. A inocência não é o resultado de um cultivo cuidadoso. Ser tal como o nada é uma coisa essencial. Assim como uma taça só é útil se está vazia, assim também é só quando somos tais como o nada, que é possível receber-se a graça de Deus, da verdade, ou do que quiserdes. É possível ser “nada”, no sentido de coisa conseguida? Podeis conseguir isso? Assim como construístes uma casa, ou juntastes dinheiro, podeis conseguir também isso? Se vos sentais a, meditar sobre o “nada”, repelindo conscientemente todas as outras coisas, fazendo-vos receptivo, isso é uma forma de resistência, não achais? É uma ação deliberada da vontade, e a vontade é desejo: e quando desejais ser “nada”, sois já alguma coisa. Vede por favor a importância que isso tem: Quando desejais ser coisas positivas, bem sabeis o que isso implica: luta e dor; e por isso vós as rejeitais e dizeis para vós mesmos: “Agora quero ser nada”. O desejo é ainda o mesmo, é o mesmo processo noutra direção. A vontade de ser “nada” é como a vontade de ser alguma coisa. O problema, portanto, não é como “ser nada” ou “ser alguma coisa”, mas, sim, de compreender o processo integral do desejo, a ânsia de ser ou de não ser. Nesse processo, a entidade que deseja é diferente do desejo. Não dizeis “O desejo sou eu”, mas, sim. “Estou desejoso de ser alguma coisa”. Há por isso uma separação entre a pessoa que experimenta, o pensante. e a experiência, o pensamento. Por favor, não tomeis isso num sentido metafísico, num sentido difícil. Podeis considerar a coisa de maneira muito simples — simples no sentido de que é possível a cada um achar o caminho certo.
Enquanto tendes o desejo de “ser nada”, sois alguma coisa. E esse desejo de ser algo vos divide em “experimentador” e “experiência”, e em tais circunstâncias não há possibilidade de se experimentar. Porque, no estado experimentar, não há nem o “experimentador” nem a “experiência”. Ao experimentardes uma coisa, não estais pensando que estais a experimentar. Quando sois verdadeiramente feliz, não dizeis “sou feliz”. No momento em que o dizeis já não há o estado. Nosso problema, portanto, não é “com ser nada”, o que, com efeito, é infantil, nem de aprendermos um novo fraseado para tentarmos tornar-nos esse; mas sim, por que maneira chegaremos a compreender o processo integral do desejo, do ansiar. E esse processo é tão sutil, tão complexo, que precisamos chegar-nos a ele com toda a simplicidade – e não com todos os conflitos da condenação, da justificação, do que deve ser ou do que não deve ser, de como deve ser destruído, ou sublimado, coisas essas que aprendestes nos livros e nas organizações religiosas. Se podemos por de parte tudo isso e, em silêncio, observar o processo do desejo – que somos nós mesmos, o que não significa experimentardes o desejo, mas sim, experimentar o desejo – vem-nos aí uma libertação desse impulso ardente e constante para ser ou não ser, para vir a ser, para nos tornarmos Mestre, para possuirmos a virtude, e todas as outras idiotices engendradas pelo desejo. É então possível um experimentar direto, isto é, um experimentar sem o observador. Só então existe a possibilidade de ficarmos completamente abertos, se sermos tais como o nada; dá-se então a recepção do real.
Krishnamurti - 14 de agosto de 1949, Do livro: A CONQUISTA DA SERENIDADE - ICK
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