autoconhecimento
Enfrentando a natureza exata do medo
Que é então o medo? será que o conhecemos realmente, ou só conhecemos o medo quando ele já acabou? É importante descobrir isso. Estaremos alguma vez diretamente com contato com o medo, ou estará a nossa mente tão acostumada, tão treinada em evadir-se, que está sempre a fugir e portanto nunca entra em contato direto com aquilo que chama medo? Valeria a pena reparardes no vosso próprio medo e, à medida que formos investigando juntos, talvez nos seja possível aprender diretamente o que é o medo.
Que é o medo? Como é que ele surge? Qual a sua estrutura e natureza? Como dissemos, uma pessoa tem medo, por exemplo, da opinião pública; há várias coisas implicadas nisso: pode-se perder o emprego, e assim por diante. Como nasce este medo? Resultará do tempo? Será que o medo acaba quando conheço a causa que o provoca? Desaparecerá ele por meio da análise, quando se investiga e se descobre a sua causa?
Tenho medo de alguma coisa da morte ou do que pode acontecer amanhã, ou o passado atemoriza-me; o que é que mantém e dá continuidade a esse medo? Uma pessoa pode ter cometido um erro, ou pode ter dito alguma coisa que não devia — tudo isso no passado; ou tem medo do que pode vir a acontecer, saúde precária, doença, perda do emprego — tudo no futuro. O medo do passado é o medo de alguma coisa que de fato aconteceu e o medo do futuro é o medo de algo que poderá vir a acontecer, de uma possibilidade.
Que é que sustenta e dá continuidade ao medo do passado e também o medo em relação ao futuro? É seguramente, o pensamento — pensa-se, por exemplo, em algo que se fez no passado, ou numa determinada doença que causou sofrimento e tem-se medo da repetição futura desse sofrimento. O medo é sustentado pela memória, pelo pensamento. Ao pensar na dor ou no prazer passados, o pensamento dá-lhes continuidade, mantém-nos e alimenta-os.
O prazer ou o sofrimento em relação ao futuro são resultantes da atividade do pensamento. Tenho medo de alguma coisa que fiz, das suas possíveis consequências no futuro. Este medo é sustentado pelo pensamento. Isto é bem evidente. Portanto, o pensamento é tempo — psicologicamente. O pensamento cria o tempo psicológico como distinto do tempo cronológico — não é do tempo cronológico que estamos a falar.
O pensamento, que constrói o tempo, como "ontem", "hoje" e "amanhã", gera medo. O pensamento cria o intervalo entre agora e o que poderá acontecer no futuro. É ele que perpetua o medo, por meio do tempo psicológico; o pensamento é a origem do medo; é a fonte do sofrimento. E aceitamos isso? Será que vemos realmente a natureza do pensamento, como ele opera, como funciona e produz toda a estrutura do "passado", "presente" e "futuro"? Será que compreendemos que o pensamento, por meio da análise, descobrindo as causas do medo — o que leva tempo — não é capaz de dissolver o medo? No intervalo entre a causa do medo e o findar do medo há ação do medo. É como um home que é violento e inventa a ideologia da "não-violência"; diz "hei de tornar-me não violento", mas, entretanto, vai semeando os germes da violência. Assim, se utilizarmos o tempo — que é pensamento — como meio de libertar-nos do medo, não nos libertaremos. Não é pelo pensamento que podemos fazê-lo, porque é o pensamento que gera o medo.
Que se pode fazer, então? Se o pensamento não é saída para esta armadilha do medo — compreendamos isto com muita clareza, não intelectualmente, não verbalmente, nem como argumento com que concordamos ou que discordamos, mas compreendamo-lo como alguém que está empenhado, implicado nesta questão do medo, profundamente, como temos de estar se somos realmente sérios — então, que se há de fazer?
O pensamento é responsável pelo medo; é ele que lhe dá origem, assim como dá origem ao prazer. Se vemos muito claramente que é o pensamento que gera esse enorme sentimento de medo e que não é capaz de lhe pôr termo, qual é o passo seguinte? Espero que façais vós mesmos a pergunta sem esperar que seja eu a dar-lhes resposta. Se não estais à espera que seja eu a responder-lhes, estais então confrontados com ela, ela é então um desafio e tendes de lhe dar resposta. Mas se reagis ao desafio com as velhas respostas, então, onde ficais? Ficais ainda com o medo. O desafio é novo, imediato: o pensamento gera o medo e não é capaz de lhe pôr fim; que fareis, portanto?
Antes de mais nada, quando dizemos "compreendo toda a natureza e estrutura do pensamento", que entendemos por isso? Que entendemos por "compreendo, vejo bem a natureza do pensamento"? Qual é o estado da mente que diz "compreendo"?
Prestem muita atenção, por favor, sem fazerem qualquer afirmação. A nossa pergunta é: Será que o pensamento compreende? Dizem-me qualquer coisa, descrevem, por exemplo, com muito cuidado e minúcia, a complexidade da vida moderna, e eu digo, "compreendo", não apenas a descrição, mas o conteúdo, a profundidade, de tal modo que vejo como os seres humanos prisioneiros de tudo isso estão numa tensão, num estado neurótico terrível, e tudo o mais. Compreendo sentindo-o, compreendo com os nervos, com os ouvidos, com o ser inteiro, de modo que nunca mais sou apanhado nisso. Exatamente como quando compreendo que uma serpente é perigosa — então, pronto, não mais me aproximo dela. E se encontrar alguma, a minha ação será imediatamente diferente agora que compreendi isso.
Do mesmo modo, estaremos a compreender a natureza do pensamento e que ele produz o prazer e o medo? Estaremos a confrontar-nos com isso? Vemos realmente, e não teórica, verbal ou intelectualmente, como o pensamento opera? Ou ficamos-nos apenas na descrição, no argumento, na sequencia lógica, sem estarmos realmente com o fato? Se me satisfaço com a descrição, com a explicação verbal, então estou apenas a entreter-me com isso. Quando a descrição me leva até à realidade que é descrita, tenho uma percepção direta; então há uma ação completamente diferente — tal como um homem faminto que quer comida, e não uma descrição do alimento, ou uma conclusão acerca do que aconteceria se comesse; o que ele quer é o alimento.
Quando se vê como o pensamento gera o medo, que acontece então? Quando a pessoa tem fome e alguém descreve a boa qualidade dos alimentos, que é que ela faz, qual é a sua resposta? Diz: "Não me descrevam os alimentos, deem-mos". A ação aí está, direta, direta, e não teórica. Portanto, quando dizemos "compreendo", isso significa que há um constante movimento de aprendizagem acerca do pensamento, do medo e do prazer; e é a partir deste movimento constante que se atua; atua-se no próprio momento de aprender. Quando existe uma tal aprendizagem do que é o medo, ele acaba.
Há medos que a mente nunca pôs a descoberto, medos ocultos, secretos. Como pode a mente torná-los patentes? A mente consciente recebe avisos desses medos por meio de sonhos. Quando se têm estes sonhos, terão eles de ser interpretados? Como a pessoa não é capaz de os compreender facilmente por si mesma, poderá encontrar um interprete exterior, mas este interpretá-los-á segundo o seu método ou especialização particulares. E há aqueles sonhos que a pessoa, ao mesmo tempo que os tem, está a interpretar.
Será mesmo que preciso sonhar? Os especialistas dizem que se tem de sonhar, de outro modo enlouquece-se; mas não tenho assim tanta certeza de que sonhar seja indispensável. Por que é que, durante o dia, não havemos de poder estar abertos às mensagens e aos avisos do inconsciente, para que não seja necessário sonhar? Enquanto esta batalha dos sonhos se processa durante o sono, a mente nunca está tranquila, nunca se refresca, nunca se renova. Não poderá a mente durante o dia estar tão aberta, tão vigilante, acordada e atenta, que os avisos e sinais dos medos ocultos possam manifestar-se, e ser observados e compreendidos?
Pela observação, pela atenção, durante o dia, ao falar, ao agir, a tudo o que acontece, tanto os medos ocultos como os que já se conhecem ficam expostos; então, quando dormimos, o sono é completamente tranquilo, sem um único sonho, e de manhã a mente acorda fresca, jovem, inocente, cheia de vida. Não se trata de teoria, fazei-o e vereis.
(...) Se durante o dia estivermos vigilantes, atentos a todo o movimento do pensamento, atentos ao que estamos a dizer, aos nossos gestos, ao modo como andamos, como estamos, como falamos, atentos às nossas reações, então todas as coisas que estão ocultas facilmente se manifestarão; e isso não levará tempo, não exigirá muitos dias, porque já não estaremos a resistir, já não estaremos a "escavar" ativamente, estaremos apenas a observar, a ouvir atentamente. Nesse estado de atenção, tudo se revela. Mas se se disser "vou conservar umas coisas e deitar fora outras", está-se ainda adormecido...
Temos portanto de deixar que tudo isso se manifeste, sem qualquer resistência.
Interrogante: Nessa atenção não há escolha?
Krishnamurti: Se nessa atenção houver "escolha" então estaremos a bloqueá-la. Mas se for só observar, sem escolher nada, tudo ficará exposto, até os mais escondidos e secretos desejos, impulsos e medos.
Interrogante: Será conveniente tentar-se estar atento uma hora por dia?
Krishnamurti: Se eu estiver atento, vigilante, durante um minuto, isso é suficiente. Quase todos estamos desatentos. Tomar consciência dessa desatenção é atenção; mas cultivar deliberadamente a atenção não é atenção.
Estou atento só por um minuto a tudo o que está a passar em mim, sem qualquer escolha, a observar com muita clareza; depois passo uma hora, por exemplo, sem prestar atenção; ao fim dessa hora, retomo-a outra vez.
Krishnamurti — Conferência na Universidade de Brandeis
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