Para a maior parte de nós, pensar tornou-se extraordinariamente importante. Nunca nos damos conta de que o pensamento é sempre velho. O pensamento nunca é novo, nem nunca pode ser livre. Falar em liberdade de pensamento é completamente sem sentido, a não ser que isso signifique podermos expressar o que queremos, dizer o que nos apetece; em si mesmo o pensamento nunca é livre, porque é resposta da memória. Podemos observar isso por nós. O pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O conhecimento, a experiência, a memória são sempre velhos e assim o pensamento é sempre velho; nunca pode portanto ver nada verdadeiramente novo.
Poderá a mente olhar para o problema do medo sem a interferência do pensamento? Compreendem?
Uma pessoa tem medo. Tem medo do que fez. Esteja pois completamente atenta a ele, sem a interferência do pensamento — e haverá medo então? Como dissemos, o medo é originado por meio do tempo; tempo é pensamento. Isto não é filosofia, nem é nenhuma mística; observai-o simplesmente em vós próprios e vereis.
Percebe-se que o pensamento tem de funcionar objetivamente, com eficiência, de maneira lógica e sã. Quando se vai para o emprego, ou quando se faz seja o que for, o pensamento tem de operar, de outro modo não se pode fazer nada. Mas o momento em que o pensamento dá origem ou sustenta o prazer e o medo, então deixa de ser eficiente. Então, gera desajustamento na relação e causa portanto conflito.
Assim, pergunta-se se poderá haver um findar do pensamento numa direção e no entanto com o pensamento a funcionar na sua mais alta capacidade. Estamos empenhados em saber se o pensamento pode estar ausente quando, por exemplo, a mente vê o por do sol em toda a sua beleza. Só então se vê essa beleza, e não quando a mente está cheia de pensamentos, de problemas, de violência. Ou seja, se o observarmos, no momento de vermos o por sol, o pensamento está ausente. Olhamos aquela luz extraordinária sobre os montes, com grande encantamento, e nesse momento o pensamento não tem nisso lugar nenhum.
No instante seguinte porém o pensamento diz: “Que maravilhoso, que belo foi, quem me dera pintá-lo, escrever um poema sobre ele, gostava de contar aos meus amigos esta coisa bonita.” Ou ainda: “Gostava de ver um pôr do sol assim, outra vez amanhã”. E nessa altura o pensamento começa a criar problemas. Porque então diz: “Amanhã hei de ter esse prazer outra vez”; e quando isso não acontece, há dor. É muito simples, e é exatamente por causa da sua simplicidade que isso passa desapercebido. Todos desejamos ser terrivelmente “inteligentes” — somos muito sofisticados, muito intelectuais, lemos muito… Mas toda a história psicológica da espécie humana — não quem foram os reis, ou que guerras houve, nem todo este absurdo das nacionalidades — está dentro de cada um. Quando somos capazes de ler isso em nós mesmos, compreendemos. Então, somos uma luz para nós próprios, então não há autoridade, então somos realmente livres.
A nossa pergunta portanto é: Poderá o pensamento deixar de interferir? É esta interferência que produz tempo. Compreendem? Reparemos na morte. Há grande beleza no que está envolvido na morte, e não é possível compreender essa beleza se houver qualquer forma de medo. Estamos apenas a mostrar que receamos a morte por ela poder acontecer no futuro, sendo inevitável. Assim, o pensamento pensa nisso, e fecha-lhe a porta. Ou então, pensa em algum medo que se teve — o sofrimento, a ansiedade — e que isso poderá repetir-se… Estamos prisioneiros do mal que o pensamento cria.
Contudo, podemos ver também a extraordinária importância do pensamento. Quando se vai para o emprego, por exemplo, ou quando se faz alguma coisa de caráter técnico, tem de se usar o pensamento e o conhecimento.
Percebendo todo este processo, desde o início desta conversa até agora — vendo tudo isto — pergunta-se: “Será o pensamento capaz de estar silencioso? Poder-se-á por exemplo ver a beleza de pôr do sol e ficar completamente envolvido na beleza desse poente sem que o pensamento introduza aí a questão do prazer?” Reparem nisto, por favor. Se assim for, a conduta é cheia de retidão. Só quando o pensamento não cultiva o que acha que é virtude é que a conduta é de fato virtuosa, do contrário, torna-se deformada e sem integridade. A virtude não é do tempo ou do pensamento; o que significa que ela não é produto do prazer ou do medo.
Assim, agora o problema é: Como é possível, por exemplo, olhar o pôr do sol sem que o pensamento teça prazer ou dor à volta disso? Será possível olhá-lo com tal atenção, com um envolvimento nessa beleza de tal modo completo que, uma vez visto o pôr do sol, isso fique terminado, para que o pensamento não o transporte, como prazer, para “amanhã”?
(…) Observar, por exemplo, o pôr do sol se a interferência do pensamento exige uma disciplina tremenda; mas não a disciplina do conformismo, não a da repressão ou do controle. A palavra “disciplina” significa aprender — não conformar-se ou obedecer — aprender acerca de todo o processo de pensar e do lugar que lhe pertence.
A negação do pensamento necessita de grande observação. E para observar tem de haver liberdade. Nesta liberdade conhece-se o movimento do pensamento e há então aprendizagem ativa.
Que entendemos nós por aprender? Quando se vai para a escola ou para a universidade aprende-se muita informação, não de grande importância talvez, mas aprende-se. Isso torna-se conhecimento, e é a partir desse conhecimento que atuamos, quer no campo tecnológico, quer em todo o campo da consciência. Sendo assim, temos de compreender profundamente o que essa palavra “aprender” realmente significa.
A palavra “aprender” representa obviamente um presente ativo. Está-se sempre a aprender. Mas quando esse aprender se torna um meio de acumulação de conhecimentos, ele é então uma coisa totalmente diferente. Ou seja, aprendi da experiência anterior que o fogo queima. Isso é conhecimento. “Aprendi-o”, portanto não me aproximo do fogo. Cessei de aprender. E a maior parte de nós “tendo aprendido” atua a partir daí. A informação que acumulamos acerca de nós próprios — ou dos outros — torna-se conhecimento ; então esse conhecimento torna-se quase estático e é a partir disso que atuamos. Por consequência, essa ação é sempre velha. Aprender é pois algo inteiramente diferente.
Se esta tarde se tem estado a ouvir com atenção, tem-se estado a aprender a natureza do medo e do prazer; tem-se estado a aprender, e é daí que se atua. Espero que compreendam a diferença. Aprender implica uma ação constante. Está-se sempre a aprender. E o próprio ato de aprender é agir. O agir não está separado do aprender. Para a maior parte de nós, porém, a ação está separada do conhecimento. Ou seja, há a ideologia ou o ideal, e de acordo com esse ideal agimos, só aproximando a ação desse ideal. E assim, portanto, a ação é sempre velha.
Aprender, tal como ver, é uma grande arte. Que acontece quando vemos uma flor? Será que a vemos realmente, ou vemo-la através da imagem que temos dessa flor? São duas coisas inteiramente diferentes. Quando olhamos para uma flor, para uma cor, sem a nomear, sem o gostar ou não gostar, sem nenhuma cortina entre nós e aquilo que se vê como flor, sem a palavra, sem o pensamento, então a flor tem uma cor e uma beleza extraordinárias. Mas quando se olha para a flor através de um conhecimento botânico, quando se diz “isto é uma rosa”, já se condicionou o olhar.
Ver, assim como aprender, é de fato uma arte; mas não é preciso ir a nenhuma escola para aprender. Pode-se aprende-la onde se está. Podemos olhar um flor, e descobrir como olhamos para ela. Se somos sensíveis, se estamos acordados, atentos, então vemos que o espaço entre nós e a flor desaparece e quando esse espaço desaparece vemos a flor de maneira muito intensa e cheia de vitalidade. Do mesmo modo, quando nos observamos a nós próprios sem esse espaço — e portanto, sem ser como “o observador” e “a coisa observada” — vemos então que não há contradição e portanto não há conflito.
Quando se vê a estrutura do medo, vê-se também a estrutura e a natureza do prazer. Ver é aprender sobre isso, e a mente portanto não fica aprisionada na procura do prazer. A vida tem então um sentido completamente diferente. Vive-se — mas não à procura de prazer.
Krishnamurti — extrato da conferência na Universidade da Califórnia, em Berkeley