Onde há medo, há agressão
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Onde há medo, há agressão


Como seres humanos a olhar para este mapa da vida, vemos que um dos maiores problemas é o medo. Não um medo particular, mas o medo: medo de viver, medo de morrer, medo de não ser capaz de conseguir, medo de fracassar, medo de ser dominado, reprimido, medo da insegurança, da morte, da solidão, medo de não ser amado.

Onde há medo, há agressão. Quando a pessoa tem medo torna-se muito ativa, não apenas para fugir do medo, mas porque o medo produz uma atividade agressiva. Podeis observar isso em vós mesmos, se estiverdes interessados.

O medo é um dos maiores problemas da vida. Como poderemos resolvê-lo? Poderá o home ficar para sempre livre do medo, não só a nível consciente, mas também nos níveis ocultos, secretos da mente? Poderá esse medo ser resolvido pela análise? Poderemos fazê-lo desaparecer fugindo-lhe? A questão é, portanto: Como é que uma mente que tem medo de viver, que tem medo do passado, do presente e do futuro, como é que uma mente assim há de ficar completamente livre do medo? Libertar-se-á dele gradualmente, pouco a pouco — levará tempo? Se levar tempo — muitos dias, muitos anos — ficar-se-á velho e o medo estará ainda...

Assim, como poderá a mente libertar-se do medo, não só do medo físico, mas, também da estrutura do medo na psique, dos medos psicológicos? Compreendem a minha pergunta? Poderemos dissolver completamente o medo, libertar-nos instantaneamente, ou terá o medo de ser compreendido gradualmente e resolvido pouco a pouco? Esta é a primeira questão. Poderá a mente, que está condicionada para pensar que pode resolver o medo pouco a pouco, com o tempo, através da análise, através da observação introspectiva, ficar livre do medo gradualmente? Esse é o ponto de vista tradicional. É como aquelas pessoas que, sendo violentas, têm ideologias da não-violência. Dizem: "Chegaremos gradualmente a este estado de não-violência, quando a mente não for violenta". Mas isso levará tempo, talvez dez anos, talvez a vida inteira, e entretanto é-se violento, está-se a semear os germes da violência.

Tem de haver pois uma maneira — por favor, ouçam isto com muita atenção — tem de haver uma maneira de acabar de todo com a violência, imediatamente; sem ser por meio do tempo, sem ser por meio da análise, de outro modo estaremos condenados, como seres humanos, a ser violentos para o resto da vida.

Da mesma maneira, poderemos por termo ao medo de maneira completa? Poderá a mente ficar totalmente liberta do medo? Não no fim da vida, mas agora?

Não sei se já alguma vez fizeram a si próprios esta pergunta. E se a fizeram talvez tenham dito "não é possível" ou "não sei como fazê-lo". E, assim, vive-se com o medo, com a violência e cultiva-se a coragem, ou então o recalcamento, a resistência, a fuga; ou adere-se a uma ideologia de não-violência. Mas todas as ideologias são insensatas, porque quando se vai atrás de uma ideologia, de um ideal, está-se a fugir do que é, e quando se está a fugir, não se pode compreender o que é.

Assim, a primeira coisa para compreender o medo é não fugir, e isso é dificílimo. Não tentar evadir-se por meio da análise, que leva tempo, por meio do álcool, do ir à igreja ou de outras espécies de atividades. É o mesmo, quer a fuga seja por meio de uma droga, da bebida, do sexo ou de "Deus". Será então possível deixarmos de fugir? É este o primeiro problema na compreensão do que é o medo, e na sua dissolução, para que se fique inteiramente livre dele.

Como sabem, liberdade é algo que a maior parte de nós não quer. Desejamos libertar-nos de determinada coisa, das necessidades ou das pressões imediatas, mas ser livre é completamente diferente. Liberdade não é licenciosidade, não é fazer o que nos apetece — a liberdade exige uma disciplina tremenda, que não é a disciplina do soldado, ou a disciplina da repressão e do conformismo.

A palavra "disciplina", na sua raiz, significa aprender. E para aprender acerca de alguma coisa — não importa o quê — é preciso disciplina, a própria aprendizagem é disciplina; não se trata de nos disciplinarmos primeiro e depois aprendermos. O próprio ato de aprender é disciplina, o que liberta de toda a repressão, de toda a imitação. Portanto, seremos nós capazes de ficar livres do medo, do qual nasce a violência, do qual brotam todas estas divisões religiosas e nacionalistas, de "o meu clã" e "o teu clã"?

Quem conhece o medo sabe como ele é terrível. Cobre tudo de escuridão, roubando completamente a lucidez, de tal modo que a mente com medo não é capaz de compreender o que é a vida nem quais são os problemas reais. Assim, parece-me que a primeira coisa a fazer é perguntar a nós mesmos se alguém pode ficar realmente livre do medo, tanto físico como psicológico.

Quando estais diante de um perigo físico, reagis e isso é inteligência; não é medo, de outro modo destruir-vos-eis. Mas quando há medos psicológicos — medo do amanhã, medo do que se fez, medo do presente — a inteligência não funciona. Se examinarmos isto psicologicamente, interiormente, veremos por nós mesmos que toda a nossa estrutura social está baseada no princípio do prazer, porque a maior parte de nós procura prazer, e onde existe essa procura existe também o medo. O medo acompanha o prazer. Isto é bem evidente, se o examinarmos.

Como poderá a mente estar tão completamente livre do medo que seja capaz de ver tudo com grande lucidez? Vamos investigar se a mente é capaz de se libertar dele, de maneira total. Percebem a questão? Aceitamos o medo e vivemos com ele, tal como aceitamos a violência e a guerra, como fazendo parte da vida. temos tido milhares e milhares de guerras e estamos constantemente a falar de paz; mas o modo como vivemos a nossa vida diária é guerra, conflito, um campo de batalha. E aceitamos isso como inevitável. Nunca perguntamos a nós mesmos se podemos viver uma vida de completa paz, sem qualquer espécie de conflito.

Há conflito porque há contradição em nós. Isto é bem simples. Há em nós diferentes desejos contraditórios, exigências opostas, e isso traz conflito. Aceitamos todas estas coisas como inevitáveis, como parte da nossa existência; nunca as pomos em causa.

Temos de estar livres de toda a crença, o que quer dizer de todo o medo, para sabermos se existe uma Realidade, um estado intemporal. Para o descobrir é preciso estar liberto — liberto do medo, da avidez, da ambição, da inveja, da competição, da desumanidade; só então a mente estará lúcida, sem obstáculos, sem conflito nenhum. Só uma mente assim é serena e apenas a mente serena pode descobrir se existe o eterno, o inominável.

Mas não se pode chegar a essa serenidade por meio de qualquer prática ou qualquer "disciplina". Essa serenidade só acontece, quando se está livre — livre de toda esta ansiedade, medo, ciúme, violência, desumanidade. Portanto, poderá a mente ser livre — não eventualmente, não daqui a dez ou cinquenta anos, mas imediatamente?

Se fizerdes esta pergunta a vós próprios, pergunto-me qual será a vossa resposta. Direis que isso é possível ou não? Se dizeis que é impossível, estais então a bloquear-vos e não podereis ir mais além; e se dizeis que é possível, isso também tem o seu risco. Só se pode examinar o possível, se se sabe o que é o impossível — não é verdade? Estamos a pôr a nós mesmos uma questão tremenda: Poderá a mente condicionada através dos séculos, politicamente, economicamente, pelo clima, pelas igrejas, por várias influências, poderá uma mente assim mudar imediatamente? Ou precisará de tempo — intermináveis dias de análise, de sondagem, de explicação, de pesquisa? Um dos nossos condicionamentos é que aceitamos o tempo, um intervalo em que uma revolução, uma mutação, possa ter lugar.

Precisamos de mudar completamente: isso é a maior das revoluções — não é atirarmos bombas para nos matarmos uns aos outros. A maior de todas as revoluções é a mente ser capaz de se transformar a si mesma de modo imediato e de ser inteiramente diferente amanhã. Talvez se diga que isso não é possível. Se encararmos realmente a questão sem qualquer fuga e tivermos chegado àquele ponto em que dizemos que é impossível, então descobriremos o que é possível; mas não podemos pôr essa questão, "o que é possível?", sem compreendermos o que é impossível. Estamos a nos comunicar?

Perguntamos portanto se a mente que tem medo, que está condicionada para ser violenta, para ser agressiva, poderá transforma-se imediatamente. E só podemos fazer essa pergunta — atentem nisto um pouco, por favor — quando compreendemos a impossibilidade e a inutilidade da análise (psicológica). Essa análise implica aquele que analisa, quer seja um analista profissional, quer seja o próprio a analisar-se. Quando uma pessoa se analisa a si mesma, há várias coisas a considerar. Primeiro, há que saber se o analisador é diferente da cosia que analisa. Será diferente? Torna-se evidente, quando observamos, que o analisador é o analisado. Não há diferença entre o analisador e aquilo que vai analisar. Não reparamos nisso, e portanto começamos a análise. Digo "estou zangado, sou ciumento" e começo a analisar por que é que sou ciumento, quais são as causas desse ciúme, dessa cólera, dessa violência; mas o analisador faz parte daquilo que está a analisar. O observador é o observado, e quando vemos isso, quando compreendemos a inutilidade do que estamos a fazer, deixamos definitivamente a análise.

É muito importante compreender, ver realmente a verdade disto, mas não verbalmente: a compreensão verbal não é compreensão, é como ouvir uma quantidade de palavras e dizer "sim, compreendo as palavras". Mas ver realmente que o analisador, o observador é o observado é um fato extraordinário, uma realidade tremenda; não há então divisão entre o analisador e a coisa analisada e portanto não há conflito. O conflito só existe quando o analisador é diferente da coisa que analisa; nessa divisão há conflito.

(...) A nossa vida é um conflito, e estar livre de conflito é observar o fato do "observador", do "analisador", do "pensador". Há medo e o observador diz: "Tenho medo." reparem um momento e verão a beleza disso — há assim uma divisão entre o observador e a coisa observada. Então, o observador atua e diz: "Tenho de ser diferente, o medo tem de acabar". Procura a causa do medo e assim por diante; mas o observador é o observador, o analisador é o analisado. Quando ele compreende isto não verbalmente, o fato do medo sofre uma mudança completa.

Reparem, não tem nada de misterioso. Uma pessoa tem medo, é violenta, dominadora, ou é dominada. Tomemos como exemplo uma coisa muito mais simples. Uma pessoa sente inveja, ciúme. Será o observador diferente desse sentir que chama ciúme? Se for diferente então poderá agir sobre o ciúme e essa ação tornar-se-á conflito. Porém, se a entidade que sente o ciúme não é diferente do ciúme, que pode ela fazer então? “Sou ciumento”; enquanto o ciúme for diferente de “mim”, estou num estado de conflito, mas se o ciúme é eu, se não é diferente de mim, então que hei de fazer? Não o aceito e digo: “Sou ciumento.” Isso é um fato. Não o afasto, não fujo dele, não tento reprimi-lo. O que quer que eu faça ainda é uma forma de ciúme. Que acontece, portanto? A inação é ação total. A inação em relação ao ciúme, por parte do observador que é o observado, é o cessar do ciúme. Compreendem? Estamos a nos comunicar?

Krishnamurti — extrato da primeira conferência na Universidade da Califórnia, em Berkeley





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