Entrando na mansão da morte, enquanto vivos
autoconhecimento

Entrando na mansão da morte, enquanto vivos



Pergunta: Quando morremos, renascemos nesta Terra, ou passamos para um outro mundo?

Krishnamurti: Esta questão interessa a todos nós, moços e velhos, não é verdade? Examiná-la-ei pois com certa profundeza e espero que tenhais a bondade de seguir-me, não apenas ouvindo as minhas palavras, mas tendo a experiência real disso que vou examinar junto convosco. Todos sabemos que a morte existe, os mais velhos, principalmente, e bem assim os jovens que a observam. 

Os jovens dizem: "Esperemos que ela chegue, e saberemos lidar com ela" — e os velhos, como já se aproximam da morte, recorrem a vários meios de consolação. 

Tende a bondade de seguir o que estou dizendo, aplicando-o a vós mesmos, e não a outras pessoas. Como sabeis que ides morrer, tendes certas teorias a esse respeito, não é verdade? Credes em Deus, credes na ressurreição ou Karma, ou reencarnação; dizeis que nascereis de novo, aqui ou noutro mundo. Ou racionalizais a morte, dizendo-a inevitável, pois atinge a todo mundo; à arvore definha e nutre o solo, e surge uma nova árvore. Ou, ainda, estais tão mergulhado nas vossas diárias preocupações, ansiedades, ciúmes, invejas, vossa competição e vossa riqueza, que não vos sobra tempo para pensar na morte. Entretanto, ela está sempre presente no espírito; consciente ou inconscientemente, ela lá está.

Antes de mais nada, podeis libertar-vos das crenças, das racionalizações ou da indiferença que tendes cultivado em relação à morte? Podeis libertar-vos dessas coisas agora? Porque o que importa é "entrarmos na mansão da morte" enquanto estamos vivos, plenamente conscientes, ativos, gozando saúde, e não que fiquemos esperando a chegada da morte, que pode arrebatar-nos repentinamente num acidente, ou lentamente, pela doença, privando-nos pouco a pouco a consciência. Quando chega a morte, esta hora deve ser um momento extraordinário, tão vital como o viver. 

Pois bem, posso eu, podeis vós, "penetrar na mansão da morte" enquanto vivos? Este é o problema, e não o indagar se há reencarnação ou se existe um outro mundo, onde tornaremos a nascer — pois tudo isso é falta de madureza, infantilidade. O homem que vive não faz perguntas sobre o que é o viver nem tem teorias sobre o viver. Só os semivivos é que falam da finalidade da vida. 

Assim, podemos, vós e eu, enquanto estamos vivos, conscientes, ativos, na posse de todas as nossas atividades, quaisquer que estas sejam, saber o que é a morte? E a morte é então diferente do viver? Para nós, em geral, viver é o contínuo existir daquilo que julgamos permanente. Nosso nome, nossa família, nossos haveres, nossos interesses econômicos e espirituais, a virtude que cultivamos, as coisas que adquirimos emocionalmente — queremos que tudo isso tenha continuidade ininterrupta. E o momento que chamamos "a morte" é o momento do desconhecido e, por conseguinte, sentimo-nos atemorizados e procuramos consolo, alguma espécie de conforto, desejamos saber se há vida após a morte, e uma dúzia de outras coisas mais. Todos esses problemas são irrelevantes, são problemas para os preguiçosos, os que não querem descobrir o que é a morte enquanto vivos. E podemos nós dois, vós e eu, descobri-lo?

Que é a morte? Ela é, sem dúvida, a cessação de todas as coisas que conhecemos. Se não é a cessação de tudo que conhecemos, não é a morte. Se já conheceis a morte, não há então o que temer. Mas, sabeis o que é a morte? Isto é, podeis, enquanto estais vivo, por fim a esta luta perene para achar no impermanente algo que continue a existir? Podeis conhecer o incognoscível, o estado que chamamos morte", enquanto estais vivo? Podeis afastar para o lado todas as descrições do que acontece após a morte, lidas em livros ou ditadas pelo vosso desejo inconsciente de conforto, e provar ou experimentar aquele estado, que deve ser extraordinário, agora mesmo? Se esse estado pode ser experimentado agora, então viver e morrer é a mesma coisa. 

Posso eu, pois, que tenho muita instrução, vastos conhecimentos, que tive experiências inumeráveis, lutas, amores, ódios — posso "eu" terminar? O "eu" é a memória registrada de tudo isso; e pode esse "eu" terminar? Antes que algum acidente ou doença ponha fim à nossa vida, podemos, vós e eu, enquanto estamos aqui, sentados, conhecer esse fim? Se puderdes conhecê-lo não mais fareis perguntas fúteis a respeito da morte e da continuidade, ou se há um outro mundo além deste. Sabereis então a resposta, de vós mesmo, porque terá despontado para vós o Desconhecido. Lançareis fora, então, todas  essas cantinelas de reencarnação, e todos os vossos temores — o medo da solidão e da dependência — terão findado. Isso não são palavras vãs. É só quando a mente deixa de pensar em termos de sua própria continuidade, que desponta o Desconhecido. 

Krishnamurti — Realização sem esforço – pág. 87 à 90 – 21 de agosto de 1955





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